sábado, abril 06, 2013

O Direito Internacional e sua gênese




Alberto do Amaral Júnior, em capítulo do livro "O Direito Internacional do Terceiro Milênio, coordenado por Luiz Olavo Baptista e José Roberto Franco da Fonseca (LTr, 1998, p. 152/165), ensina sob o título "Entre Ordem e Desordem: O Direito Internacional em face da Multiplicidade de Culturas" que:

"A revolução nas comunicações aproximando povos e continentes outrora distantes, o aumento sem precedentes do conhecimento que as sociedades possuem umas das outras, a emergência de novose intensos conflitos entre os sistemas socioculturais, o crescimento do fenômeno transnacional  ilustrado pela proliferação das interações  transfronteiriças envolvendo membros de agremiações políticas, confederações sindicais, religiões, movimentos sociais, organizações ecológicas e de proteção dos direitos hhumanos, entre outros, fizeram avolumar os problemas e perplexidades em torno da atividade dos mecanismos  regulatórios internacionais."

Também afirma que Hedley Bull, no livro The Anarchial Society (1977) dá um conceito de sociedade internacional, como um grupo de Estados, vinculados por um mesmo conjunto de regras em suas relações recíprocas e que participam das mesmas instituições. Bull faz diferença de conceitos entre sociedade internacional (pressupõe a existência a existência do sistema internacional - embora este possa existir sem sociedade internacional - em que os Estados  possuam interesses comuns, com respeito à soberania aos acordos celebrados, e com acordos que disciplinam o uso da força)  e sistema internacional (dois ou mais Estados que mantém contato e o fazem de tal maneira, que se comportam como parte de um todo). Bull adverte que a noção de sociedade internacional se funda em uma cultura ou civilização comum.

Alberto do Amaral, no entanto, faz algumas considerações, observando que a cultura pode variar por aldeias, regiões, etnias e nacionalidades ou professem religiões diferentes e que a civilização é o mais amplo agrupamento cultural de pessoas e o mais abrangente nível de identidade cultural que existe entre os homens.

Diz que dada a íntima conexão entre cultura e direito, os aspectos culturais influenciam decisivamente na validade e eficácia das normas jurídicas, e que os fatores culturais reforçam ou diminuem o grau de comprometimento.

Também assevera que as regras constitucionais ou princípios fundamentais da política mundial identificam a realidade internacional como sendo composta por Estados soberanos e não por um único Estado, o império universal.

Fala em soberania negativa (fundamento legal em que se apóia o sistema de Estados independentes e formalmente iguais) e em soberania positiva (que pressupõe a capacidade do governo de prover bens de natureza coletiva a todos os cidadãos). A soberania negativa é estática e absoluta. A soberania positiva é relativa e mutável. todos os estados tem natureza soberania negativa , mas somente alguns dispõem de soberania positiva.

A dimensão global tem eco em duas grandes tendências: o cosmopolitismo (organização de interesse em nível supranacional: redes internacionais de filantropia, federação mundial de sindicatos, organizações transnacionais dos direitos humanos, organizações não-governamentais e movimentos de proibição ao meio ambiente) e a que tende a considerar certos bens como patrimônio comum da humanidade (agenda internacional vem com temas, atualmente, que se reportam ao globo em sua totalidade, os quais o direito internacional denomina patrimônio comum da humanidade- bem indivisíveis -: proteção da camada de ozônio, preservação da Antártida, da biodiversidade, dos fundos marinhos, exploração de espaços exterior da lua e de outros planetas - recursos que devem ser geridos em nome das gerações presentes e futuras).

Muitos países se opõem ao conceito do patrimônio comum da humanidade, como os EUA.
Na atualidade ganhou intensidade o debate entre os que sustentam a universalidade dos direitos humanos e os que defendem a sua relatividade circunscrita aos limites da cultura do ocidente.
A Segunda Conferência Internacional sobre Direitos Humanos realizada em Viena, em 1993, chegou às seguintes conclusões: a) a universalidade dos direitos civis e sociais; b) a universalidade dos direitos humanos; c) o papel fiscalizador das entidades ñão-governamentais, d) a co-responsabilidade na promoção dos direitos fundamentais, e) o desenvolvimento como condição para a manutenção da democracia.

Ficamos na possibilidade, ou não, do diálogo intercultural em matéria de direitos humanos e na possibilidade de transformação dos direitos humanos num projeto verdadeiramente cosmopolita. Este diálogo ainda não está definido e as possibilidades aventadas também são caminho de desenvolvimento. Uma aposta? Uma relaidade? Um desejo? Um sonho? O Direito Internacional tem que esquadrinhar os seus caminhos. Todavia, uma verdade: não há mais como desconsiderar o Direito Internacional neste mundo novo, um mundo além fronteiras dos estados. 

Carlos Roberto Husek.

segunda-feira, abril 01, 2013

O Direito Internacional e sua gênese





Num dos seus escritos a neurocientista Suzana Herculano-Houzel fala em memória do futuro, parecendo uma contradição. Na verdade, quis dizer a cientista que quando sentimos saudades lembramos de algo que gostaríamos que ainda viesse a acontecer. Daí a contradição. Vivemos tais contradições diariamente, na vida pessoal, nacional e internacional. Não queremos entrar neste campo - campo minado - pelo excesso de pontos (minas) de nossa ignorância - mas há muito entendemos que o Direito, como toda manifestação social, tem o seu quê psicanalítico. 

Temos saudades de algumas teorias ( que gostaríamos de viessem a se repetir ou a se concretizar, pela segurança que nos dariam... teorias). Na verdade, o mundo é muito mais complexo do que as teorias que criamos para entendê-lo e do que os organismos que inventamos para solucionar suas questões. 

Neste nosso estudo sobre a gênese do Direito Internacional, aproveitamos para entender o próprio Direito na sua manifestação internacional. Não nos preocupa a história - a não ser, de forma lateral - do  Direito Internacional (como  tudo começou, "ius gentium", "ius fetiale", e etc..) - mas a produção social e normativa que corresponde ao Direito Internacional. Na verdade, a sua gênese contém a análise de sua manifestação desde os tempos primevos aos dias atuais. Mas o tempo passado conta pouco na realização desta análise, porquanto os fatos que provocam o referido Direito continuam a acontecer da mesma forma e com a mesma substância, diferenciando-se no grau de propagação e na complexidade de seu teor (redes de relacionamento).

Aqui vamos ficar um pouco na visão sociológica do Direito ou da sociedade para encetarmos, em postagens posteriores, melhor definição desse caminho de estudo. Assim, propomos sair um pouco da idéia da normatização jurídica - sem sairmos, efetivamente, do Direito - para procurar enterdemos o mundo na atualidade. O presente vem alimentado pelo passado e contém o futuro. Presente, passado e futuro são ilusões, quando lidamos com algumas áreas do conhecimento, como é o caso da gênese do Direito Internacional.

Boaventura de Sousa Santos, no seu livro, "Pela Mão de Alice - O social e o político na pós-modernidade, Editora Cortez, 13a., edição faz algumas ilações sobre os desafios da tradição sociológica, cujo ponto denomina "Das Persplexidades aos desafios" (p. 19/22). Neste adverte sobre cinco persplexidades: 

1. As agendas políticas de diferentes países revela que os problemas mais comuns são os de natureza econômica (inflação, desemprego, taxa de juro, deficit orçamentário, crise financeira do Estado-Providência, dívida externa, política econômica em geral), o mesmo ocorrendo na política internacional (integração regional, protecionismo, ajuda externa); mas, em contradição, a teoria sociológica tem desvalorizado o econômico, em detrimento do político, do cultural, do simbólico, do modo de vida. 

2. Nos últimos dez anos há uma dramática intensificação das práticas transnacionais (internacionalização da economia, translocalização maciça de pessoas - migrantes, turistas -, redes planetárias de informação e de comunicação, transnacionalização da lógica do consumismo, etc); mas, contradição,em nosso cotidiano raramente somos confrontados com o sistema mundial. O Estado nacional é o que mais ocupa as páginas dos jornais, os noticiários das rádios e televisões. Há o intervencionismo social do Estado na vida diária. E, pergunta: Será que o Estado vai criar ( ou está criando, acrescentamos nós) a sociedade civil à sua imagem e semelhança?.

3. Os últimos dez anos marcaram o regresso ao indivíduo. Revalorização dos indivíduos. Vida privada, consumismo, narcisismo, modos e estilo de vida; o micro em detrimento do macro; mas, contradição, o indivíduo parece hoje menos individual do que nunca, a sua vida íntima nunca foi tão pública; a sua vida sexual nunca foi tão codificada; a sua liberdade de expressão nunca foi tão inaudível e tão sujeita a critérios de correção política; a sua liberdade de escolha nunca foi tão derivada das escolhas feitas por outros antes dele.

4. Iniciou-se o século com clivagens sócio-políticas profundas, entre socialismo e capitalismo, revolução e reforma; mas, contradição, chegamos ao fim do século com atenuação dessas clivagens e com sua substituição pelo consenso sobre a democracia. O credo democrático é abraçado publicamente pelas instituições internacionais.Quando o liberalismo econômico prosperou a democracia sofreu e vice-versa; mas, outra contradição, hoje a promoção da democracia a nível internacional é feita conjuntamente com o neoliberalismo e de fato em dependência dele. 

5. As relações internacionais parecem hoje mais desterritorializadas, ultrapassando fronteiras até agora policiadas pelos costumes, o nacionalismo, a língua, a ideologia e, muitas vezes, por tudo isto  ao mesmo tempo; mas, em contradição,  assiste-se a um desabrochar de novas identidades regionais e locais alicerçadas numa revalorização do direito às raízes (em contraposição com o direito à escolha). Este localismo, simultaneamente novo e antigo, outrora considerado pré-moderno e hoje em dia reclassificado como pós-moderno, é com frequência adotado por grupos de indivíduos "translocalizados" (sihks em Londres, fundamentalistas islâmicos em Paris). Assenta-se sempre na idéia de território, seja ele imaginário ou simbólico, real ou hiper-real. Semelhantemente, o aumento da mobilidade transnacional inclui o fenômenos muito diferentes e contraditórios. Dialética da territorialização e da desterritorialização (camponeses da Bolívia e da Colômbia contribuem, ao cultivar a coca, para o desenvolvimento da cultura transnacional da droga e dos modos de vida desterritorializado.

As perguntas e persplexidades feitas e sentidas por Boaventura poderiam ser feitas pelo Direito Internacional que se nutre de iguais fatos, embora perfilhando outro caminho e buscando análise diversa e soluções específicas. Do "Ius Gentium" ou do "Ius Fetiale" partimos para um mundo complexo, que tem as mesmas contradições enfrentadas na preocupação sociológica. 

Nossas instituições internacionais, alimentadas pelo fator econômico, voltam-se para o indivíduo, que, no entanto, não pode escapar daqueles fatores que o desequilibram. Algumas questões: O Direito se alimenta de tais contradições nas suas organizações, nas suas normas e nos seus costumes? Poderíamos apontar os mesmos problemas na área jurídica? Haveria transformações e soluções possíveis? Nossas instituições internacionais estão preparadas para estas contradições? Abrangem-nas, neurotica ou explicitamente, nos seus ógãos e soluções? O Direito Internacional - que está em constante gênese (memória do futuro) - pode aprimorar suas regras e instituições para legitimá-las à luz da realidade complexa e contraditória em que vivemos?  
  
Quem puder busque fazer a análise. 

Carlos Roberto Husek