quinta-feira, julho 17, 2014

Pressão pela paz na Faixa de Gaza deve ser bem orquestrada.


crédito da imagem: (Foto: Reprodução)

O recrudescimento da violência e ameaças de invasões e guerra entre israelenses e palestinos volta a preocupar o mundo, aparentemente ao mesmo tempo em que Israel parece novamente mandar às favas a opinião internacional, dizendo que a cada momento um ataque terrestre está mais próximo, como fez nas últimas horas o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. A história e o direito internacional nos mostram que a solução pacífica de litígios internacionais é alcançada de diversas maneiras, mas no caso deste conflito tudo leva a crer que somente uma ação coordenada possa vir a saná-lo.

É enganoso imaginar que o país que talvez tenha tido o maior apoio internacional na história contemporânea para seu surgimento agora esteja dando as costas a essa mesma comunidade internacional. Israel sabe que não pode deixar de ouvir a opinião da ONU e de outros países na questão, mas ao mesmo tempo tem que dar uma reposta ao seu público interno, reforçando sua soberania que, afinal, é um dos motivos e uma das características principais de qualquer Estado.

O poderio militar de Israel, no entanto, especialmente em comparação aos palestinos –que ainda lutam pela criação formal de seu Estado, a exemplo do que ocorreu com Israel– é inegavelmente grande o suficiente para justificar uma preocupação mundial com uma carnificina. A pressão internacional é, portanto, justificável e lícita e, podemos imaginar, a única garantidora de que realmente essa carnificina não venha a ocorrer (ou ser ainda pior do já está acontecendo).

A coordenação dessa pressão internacional é a chave para a solução da questão. Medidas diplomáticas isoladas se enfraquecem, na medida em que representam interesses muitas vezes antagônicos. O próprio 11 de setembro é fruto, no limite, desse “unilateralismo” internacional, se assim podemos denominar.

A ONU é o grande palco que não deve ser desprezado. Enfraquecida na última década, inclusive em razão dos acontecimentos pós-11 de setembro, a ONU foi o elemento de ponderação (e centralização) que permitiu o nascimento de Israel e certamente passará por ela, e não apenas por ações diplomáticas de poucos Estados, por mais importantes na esfera internacional que sejam, a criação de um Estado palestino. Por sua vez, sem esse novo Estado, não se imagina possível o início de um período duradouro de paz na região, uma vez que não representaria solução minimamente adequada a um dos lados no litígio.

Está mais do que demonstrado que ignorar essa coordenação da pressão internacional significa simplesmente mais do mesmo, isto é, daquilo que vem sendo feito nas últimas décadas –e esse mesmo importa na perda de muitas vidas humanas e no crescimento do sentimento de vingá-las por parte daqueles que sobrevivem. Não há outra forma à mão para a solução real do problema e a alegação da existência de grupos extremistas e de falta de interlocução apenas parecem ser desculpas. Afinal, são vários os países que convivem com extremistas em seus territórios e ainda assim conseguem, na medida do possível, dar conforto à sua população. Sem a formalização de um Estado, no entanto, mistura-se no mesmo balaio uns e outros, à conveniência de interesses unilaterais –e à custa de milhares de vidas humanas.

(publicado originalmente no Estadão noite de 14 de julho de 2014)

sexta-feira, maio 16, 2014

O pedido de Dirceu à OEA


crédito da imagem: O Globo

A notícia de que José Dirceu encaminhou à OEA um pedido para que seja analisada a suposta violação de seus direitos no julgamento do mensalão nos faz refletir sobre o que isso realmente pode significar do ponto de vista prático.A Organização dos Estados Americanos, sediada em Washington (EUA), possui um sistema de monitoramento e controle da aplicação dos diversos acordos internacionais firmados para a proteção dos direitos humanos. Isso significa que, uma vez que um país das Américas viole um desses acordos, a OEA pode se manifestar e eventualmente até determinar que esse Estado tome alguma medida para cessar ou reparar a violação.

Naturalmente, isso se dá com aqueles Estados que, além de serem partes da OEA, aceitem expressamente os acordos internacionais firmados e ainda concordem com o julgamento de casos de eventuais violações perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos. O Brasil enquadra-se em todas estas situações e pode ser, como já foi algumas vezes, julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

No entanto, o acesso a esse tribunal internacional é restrito e, basicamente, uma reclamação feita por qualquer pessoa (José Dirceu inclusive) não pode ser diretamente enviada a ela, mas sim a um órgão, a Comissão Interamericana, que analisa previamente os casos e somente envia à Corte para julgamento aqueles que entende serem de real violação dos direitos humanos. A reclamação de Dirceu foi enviada a essa Comissão alegando atentado ao chamado “duplo grau de jurisdição”, isto é, direito de recorrer de uma decisão judicial a um tribunal ou corte superior. Este direito está expresso na Convenção Americana de Direitos Humanos, ou Pacto de San José da Costa Rica, datado de 1969, acordo ao qual o Brasil expressamente manifestou concordância juntamente com vários outros tratados internacionais desde a redemocratização do País.

Em geral o procedimento na Comissão dura de alguns meses a alguns anos, dependendo de como as tratativas se dão. É que a Comissão primeiramente solicita informações ao Estado sobre a suposta violação, depois tenta uma conciliação entre as partes, efetua algumas recomendações ao Estado e, somente após isso, caso não fique satisfeita com as providências tomadas pelo Estado, encaminha o caso, finalmente, à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Já a etapa de julgamento na Corte, que já foi durou em média 40 meses na década de 1990, tem levado em torno de 20 meses nos últimos anos.. Durante esse tempo, pouco ou nada muda na situação do cumprimento da pena de Dirceu no Brasil.

Caso seja realmente analisado pela Corte da OEA, a decisão pode seguir por dois caminhos possíveis. Em 2009 a Venezuela foi condenada justamente pela falta de direito ao recurso judicial. Este caso é emblemático e pode sim ser usado como precedente para entender que no caso do mensalão houve violação ao direito de duplo grau de jurisdição. Por outro lado, o caso do mensalão foi julgado pela instância competente, ainda que a mais alta, impossibilitando por isso mesmo o recurso. A inexistência de tribunal superior ao STF seria, neste caso, justificativa suficiente para a não violação do que está determinado na Convenção. Vale observar que na Convenção Europeia de Direitos Humanos, acordo homólogo à nossa Convenção, há expressamente a ressalva de que a garantia ao duplo grau de jurisdição não se aplica quando o julgamento é feito diretamente pelo mais alto tribunal do país. Parece ser uma solução razoável, mas há que se cuidar para evitar um retrocesso nos direitos e garantias judiciais tão arduamente conquistados pelos cidadãos em países americanos nos quais a democracia e a independência dos poderes nem sempre é constante.

É importante observar que, seja qual for a decisão da Corte, esta não será uma revisão do que foi decidido pelo STF. A Corte no máximo pode determinar que Dirceu teria direito a um recurso da decisão, solicitando que o Brasil garantisse isso, mas não determinaria que a decisão do STF no julgamento foi incorreta ou deveria ser outra. Eventual novo julgamento nesta hipótese seria inclusive feito pelo próprio STF.

Talvez a melhor coisa que se possa extrair disso tudo seja sobre a atual fórmula do foro privilegiado de autoridades, motivo pelo qual afinal o caso foi parar diretamente no STF. Seria salutar um exercício de readequação dos casos em que deveria existir o “direito” de autoridades serem diretamente julgadas pelo mais alto tribunal do país. Afinal, se Dirceu e demais condenados fossem inocentados, igualmente ninguém poderia recorrer dessa decisão.

(publicado originalmente no Estadão Noite de 15 de maio de 2014.)

terça-feira, abril 29, 2014

Ainda sobre a extradição de Pizzolato.


crédito da imagem: Estadão



Publicado originalmente no Estadão Noite - 25/04/2014



A possibilidade ou não da Itália anuir com o governo brasileiro e determinar a extradição de Henrique Pizzolato ao Brasil é daqueles assuntos que não têm resposta direta, já que depende, além de fatores jurídicos (o que por si só garante alguma imprecisão na resposta, dada a possibilidade de interpretações distintas), do fator político que os países em geral utilizam na decisão da generalidade dos casos quem envolvam relações com outros Estados, como é o caso do tema extradição.


Cada Estado tem o dever de proteger seu nacional e, do ponto de vista jurídico, em geral o faz a partir do disposto em sua constituição, em sua legislação infraconstitucional e nas normas internacionais. Os italianos têm ainda, na condição de europeus, a proteção das normas comunitárias da União Europeia. Henrique Pizzolato, brasileiro mas também nacional italiano, goza dessa proteção jurídica. Portanto, falar da possibilidade de sua extradição ao Brasil significa analisar o que todas essas normas determinam.


A constituição italiana não proíbe expressamente a extradição de seus nacionais, impedindo apenas a extradição motivada por crimes políticos, neste caso frisando que a exceção é válida tanto para estrangeiros quanto para nacionais. Aos nacionais, determina ainda que a extradição somente é possível quando houver expressa previsão em convenção internacional. Como se sabe, há tratado entre Brasil e Itália sobre extradição e este prevê a faculdade de recusa da extradição do nacional de um Estado ao outro. Por este ângulo, portanto, a extradição de Pizzolato pela Itália ao Brasil não é uma impossibilidade jurídica, mas dependeria da boa vontade do governo italiano.


Do ponto de vista da proteção das normas da União Europeia, igualmente há a possibilidade jurídica da extradição de Pizzolato. Em primeiro lugar, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem não impede aos países que extraditem seus nacionais. Por outro lado, um dos principais argumentos dos condenados no caso do mensalão, a inexistência do segundo grau de jurisdição (o direito de submeter o resultado final do julgamento a um recurso de instância superior), argumento que está sendo utilizado inclusive na Comissão Interamericana de Direitos Humanos por alguns outros dos réus condenados, também não impede a extradição no caso de Pizzolato. É que a Convenção Europeia expressamente admite que não há necessidade do segundo grau na hipótese de julgamento direto pela mais alta corte do país – o que, diga-se, faz todo o sentido.


Sendo assim, do ponto de vista jurídico é sim possível, embora duvidosa e definitivamente não obrigatória, a extradição de Pizzolato ao Brasil. Resta ao caso o fator político, numa receita temperada ainda pelo princípio da reciprocidade que via de regra é aplicado nas relações entre os países. A decisão final da extradição, na Itália como no Brasil, compete não ao Poder Judiciário mas ao Executivo – cujas decisões são eminentemente políticas. Há o precedente italiano da não extradição do nacional italiano (e brasileiro) Salvatore Cacciola ao Brasil. E há, agravando, o precedente da não extradição pelo Brasil do nacional italiano (e não brasileiro) Cesare Battisti à Itália. A resposta, portanto, não é óbvia e dependerá do humor do governo italiano. Cartas ao senhor embaixador italiano em Brasília.

quarta-feira, fevereiro 26, 2014

Uganda e um olhar sobre a proteção internacional dos direitos humanos.





As recentes notícias vindas de Uganda sobre a aprovação de legislação contra os homossexuais, que poderão ser presos pelo simples fato de serem gays, mostra o quanto um país pode atentar contra os direitos de seus próprios cidadãos, aqueles a quem na verdade deve proteção. A identidade sexual da pessoa humana não se confunde com conduta ou ato de vontade da própria pessoa, pelo que não poderia ser criminalizada –seria como criminalizar alguém por sua cor de cabelos, por exemplo. Mas o fato é que isso não inibe ações como essa que se assiste agora no país africano.

A desinibição com que o poder legislativo de Uganda formulou a lei somente compete com a desenvoltura com que o Presidente daquele país a aprovou, promulgando-a a despeito de protestos internacionais. Ainda assim, este é um exemplo de como é importante o desenvolvimento e fortalecimento de mecanismos internacionais de proteção dos direitos humanos, uma vez que o Estado, como grande violador clássico e histórico dos direitos humanos, não se contém por si só muitas vezes. Na mesma medida em que é importante que o Estado seja o guardião único das leis, retirando das pessoas o direito da vingança e evitando com isso a barbárie cometida por pessoas contra pessoas, o que se vê muitas vezes é o Estado agindo de forma a violar os direitos de seus nacionais. A pressão internacional constitui arma importante contra essa violação e é, senão a única, das poucas alternativas para a solução do problema.

Hoje no mundo há alguns instrumentos importantes de controle internacional, sendo um dos mais conhecidos nossos o sistema interamericano de proteção dos direitos humanos da OEA, ao qual o Brasil se submete e graças ao qual violações relevantes ocorridas no nosso país estão sendo revistas. A legislação contra violência doméstica (lei Maria da Penha) e a criação da Comissão da Verdade para averiguação dos crimes cometidos durante a ditadura militar são exemplos de frutos desse monitoramento internacional.

A Europa também conta com seu sistema regional próprio de proteção, modelo aliás para o regional interamericano e igualmente para o sistema africano que, apesar de existir formalmente, ainda caminha a passos lentos. É admissível na Europa que uma pessoa ingresse com uma petição diretamente a uma jurisdição acima dos Estados, a Corte Europeia, contra uma suposta violação de seus direitos, fato que ainda não é realidade no sistema americano e que, fosse uma possibilidade aos africanos, seria eventualmente a solução para os homossexuais que agora passarão a ser perseguidos na Uganda com ainda mais força, já que oficialmente são considerados criminosos pela legislação nacional. Ao contrário do senso comum, de que o controle de outros países é “intromissão indevida” nos assuntos internos do Estado, quando se fala de direitos humanos é importante que organizações internacionais, como ONU, OEA e outras, nos limites de sua competência, sejam chamadas a agir e evitar barbáries como a que se apresenta agora na Uganda. Não apenas na economia há o chamado “risco sistêmico”, um país abalando o outro. As normas e tratados internacionais de proteção aos direitos humanos devem, por isso, ter sua importância reforçada. Somente assim se evitaria esse risco sistêmico na proteção dos direitos humanos.

(publicado originalmente no Estadão online - 25/fev/2014)


sexta-feira, fevereiro 07, 2014

A possibilidade de extradição de Pizzolato




(publicado no Estadão Noite de 06.fev.2014)         

         A prisão de Henrique Pizzolato voltou a levantar uma série de questões recorrentes tanto neste quanto em outros casos, como os de Cesare Battisti e Salvatore Cacciola, para citar apenas os que envolvem Brasil e Itália. Algumas noções básicas do direito internacional são relevantes para a análise do caso.
 
A primeira noção é a de que o Estado tem o dever, e o nacional consequentemente o direito, de proteger aqueles a quem concede a nacionalidade. Decorre deste dever o fato de que a maior parte das nações não extradita seus nacionais, tampouco os retira à força de seu território, mesmo se nele ingressarem com documentos falsos. A extradição é o instituto mediante o qual um Estado solicita a outro a entrega de pessoa que esteja no território deste último. Por se tratar de solicitação em âmbito de tratativas entre Estados, as “leis” que se aplicam são as criadas pelos próprios Estados, denominadas tratados internacionais. Adicionalmente, claro, as normas internas de cada país irão determinar se aquele tratado será ou não cumprido (o ideal seria que o Estado apenas assinasse tratados que teria condições de cumprir, mas nem sempre isto ocorre).
Uma outra noção importante é a da territorialidade. Em breves palavras, significa que o Estado em cujo território um crime seja cometido é o competente para julgar e condenar ou não o acusado. O Brasil, local dos crimes no caso do mensalão, julgou o caso. Por outro lado, aparentemente há o crime pelo uso de documentos falsos cometido por Pizzolato, crime este que foi cometido em múltiplos locais, desde o Brasil mas inclusive a Itália, motivo pelo qual as autoridades italianas podem julgá-lo. A não extradição de Pizzolato pela Itália não será surpresa, não em suposta retaliação ao caso Battisti, mas simplesmente em cumprimento a normas italianas e internacionais que o próprio Brasil analogamente cumpre. Nossa Constituição nega a extradição de brasileiros a outros países, por mais grave que seja o crime cometido no estrangeiro, fazendo apenas algumas exceções aos naturalizados. A Itália certamente fará o mesmo.
É interessante notar que o tratado de extradição entre Brasil e Itália, famoso desde a época do caso Battisti, expressamente desobriga o Estado a quem se requer a extradição que o faça em relação aos seus nacionais. A interpretação de que o nacional pode ser extraditado somente seria possível se a análise do tratado ignorasse as demais leis vigentes no Brasil e na Itália.
À parte os aspectos jurídicos, é preciso lembrar que há um componente político nas ações de cada Estado. As democracias são regidas pelas leis mas estas reservam um espaço para a discricionariedade. Talvez por isso a formulação do pedido de extradição à Itália não seja totalmente descabido. O que o ponto de vista jurídico deixa claro nem sempre é aceito do ponto de vista político e, afinal de contas, o direito ao esperneio é garantido a todos.