As recentes
notícias vindas de Uganda sobre a aprovação de legislação contra os homossexuais,
que poderão ser presos pelo simples fato de serem gays, mostra o quanto um país
pode atentar contra os direitos de seus próprios cidadãos, aqueles a quem na verdade
deve proteção. A identidade sexual da pessoa humana não se confunde com conduta
ou ato de vontade da própria pessoa, pelo que não poderia ser criminalizada
–seria como criminalizar alguém por sua cor de cabelos, por exemplo. Mas o fato
é que isso não inibe ações como essa que se assiste agora no país africano.
A desinibição
com que o poder legislativo de Uganda formulou a lei somente compete com a
desenvoltura com que o Presidente daquele país a aprovou, promulgando-a a
despeito de protestos internacionais. Ainda assim, este é um exemplo de como é
importante o desenvolvimento e fortalecimento de mecanismos internacionais de
proteção dos direitos humanos, uma vez que o Estado, como grande violador
clássico e histórico dos direitos humanos, não se contém por si só muitas
vezes. Na mesma medida em que é importante que o Estado seja o guardião único
das leis, retirando das pessoas o direito da vingança e evitando com isso a
barbárie cometida por pessoas contra pessoas, o que se vê muitas vezes é o
Estado agindo de forma a violar os direitos de seus nacionais. A pressão
internacional constitui arma importante contra essa violação e é, senão a
única, das poucas alternativas para a solução do problema.
Hoje no mundo
há alguns instrumentos importantes de controle internacional, sendo um dos mais
conhecidos nossos o sistema interamericano de proteção dos direitos humanos da
OEA, ao qual o Brasil se submete e graças ao qual violações relevantes
ocorridas no nosso país estão sendo revistas. A legislação contra violência
doméstica (lei Maria da Penha) e a criação da Comissão da Verdade para
averiguação dos crimes cometidos durante a ditadura militar são exemplos de
frutos desse monitoramento internacional.
A Europa
também conta com seu sistema regional próprio de proteção, modelo aliás para o
regional interamericano e igualmente para o sistema africano que, apesar de
existir formalmente, ainda caminha a passos lentos. É admissível na Europa que
uma pessoa ingresse com uma petição diretamente a uma jurisdição acima dos
Estados, a Corte Europeia, contra uma suposta violação de seus direitos, fato
que ainda não é realidade no sistema americano e que, fosse uma possibilidade
aos africanos, seria eventualmente a solução para os homossexuais que agora
passarão a ser perseguidos na Uganda com ainda mais força, já que oficialmente
são considerados criminosos pela legislação nacional. Ao contrário do senso
comum, de que o controle de outros países é “intromissão indevida” nos assuntos
internos do Estado, quando se fala de direitos humanos é importante que
organizações internacionais, como ONU, OEA e outras, nos limites de sua
competência, sejam chamadas a agir e evitar barbáries como a que se apresenta
agora na Uganda. Não apenas na economia há o chamado “risco sistêmico”, um país
abalando o outro. As normas e tratados internacionais de proteção aos direitos
humanos devem, por isso, ter sua importância reforçada. Somente assim se evitaria
esse risco sistêmico na proteção dos direitos humanos.
(publicado originalmente no Estadão online - 25/fev/2014)