O Poder
Judiciário brasileiro reconhece que um estrangeiro cometeu crimes em outro país
e, na impossibilidade legal de extraditá-lo, determina que deva ser deportado.
Extradição é a entrega do estrangeiro ao país onde o crime foi cometido,
mediante solicitação deste mesmo país. Deportação, por outro lado, é a retirada
compulsória de estrangeiro de nosso território, pela irregularidade de seu
ingresso ou permanência. Por exemplo, entrada sem visto. Naturalmente, o
estrangeiro criminoso não solicitou visto ao fugir para o Brasil, mas veio
valendo-se de documentos e nome falso. Assim, em teoria, a deportação é
cabível.
Não, não
estamos falando do caso Cesare Battisti, mas do inglês Ronald Biggs. Biggs
participou de roubo ao trem pagador, foi condenado e preso mas posteriormente
conseguiu fugir para o Brasil, usando nome falso para ingresso. Na época, a
decisão do Judiciário foi pela não concessão da extradição (não havia tratado de
extradição entre Brasil e Inglaterra, o que na prática impediu a extradição;
esse tratado foi firmado após um fugitivo nosso ser descoberto gozando boa vida
em Londres: “PC” Farias, ex-tesoureiro da campanha de Collor à presidência, mas
essa é outra história).
A questão que
permanece é o que fazer com o estrangeiro que, mesmo tendo efetivamente
cometido crimes lá fora, não possa ser extraditado. Biggs e Battisti, por
motivos distintos (mas igualmente dentro da nossa legislação) não foram
extraditados. À época do caso Biggs, a Justiça observou isso e entendeu que ele
não deveria permanecer no Brasil, devendo ser deportado para outro país que
aceitasse recebê-lo e se comprometesse a não extraditá-lo para a Inglaterra.
Caso contrário, acabaria ocorrendo verdadeira extradição sem consentimento do
Brasil, algo que, além de diplomaticamente problemático, nossa legislação
também prevê e impede.
A recente decisão
da Justiça Federal de determinar a deportação de Cesare Battisti segue a mesma
linha. A extradição de Battisti não foi aceita pelo Brasil. Aqui, independente
de concordar ou não com a decisão de Lula, temos que observar que o então presidente
agiu de forma legítima, dentro dos limites da competência dada pela
Constituição ao ocupante do cargo. O STF verificou a possibilidade jurídica da
extradição e Lula, usando de sua atribuição constitucional, optou por não
extraditar.
Se o Brasil entende
por qualquer motivo que um estrangeiro não deve ser extraditado, parece lógico
que dê a ele uma mínima proteção, seja permitindo a permanência pacífica em seu
território, seja ajustando sua deportação a outro país que se comprometa a mantê-lo
em seu território, não o entregando ao Estado a quem originalmente o Brasil decidiu
por não extraditar. Difícil, no caso, é encontrar país que aceite o estrangeiro
nessas condições. No caso de Battisti, a decisão judicial cita México e França,
países por onde passou antes de chegar ao Brasil. Nada, no entanto, os obriga
neste momento a recebê-lo de volta.
Não basta a
decisão judicial, deve haver condições para sua implementação. A cereja no bolo
é que, se Battisti novamente conseguir permanecer no Brasil, as emoções na
Itália serão reavivadas e a possibilidade de Henrique Pizzolato, condenado no
caso mensalão, ser extraditado para o Brasil diminuem ainda mais. Lá, a decisão
agora caminha para o estágio político, o mesmo estágio que, no Brasil, acabou
por garantir a não extradição de Battisti.
(Em tempo: Biggs acabou ficando no Brasil praticamente a vida toda, voltando para a Inglaterra já mais idoso, quando quis.)
Publicado originalmente no Estadão Noite de 03.mar.2015