quarta-feira, dezembro 30, 2020

Enfim, Brexit?

 

 

Henrique Araújo Torreira de Mattos.

Coordenador e Professor no curso de pós-graduação latu sensu em Direito Internacional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (COGEAE) e Colaborador da ODIPP (Oficina de Direito Internacional Píblico e Privado). Professor de Direito Empresarial na ESEG (Escola Superior de Engenharia e Gestão).

 

Nos últimos anos a saída do Reino Unidos (RU) da União Europeia (UE) vem trazendo vários desconfortos no cenário das relações internacionais entre os países do bloco, não somente pela frustração de ver um ente importante, como o RU sair, mas também por representar um possível fracasso como um todo, do sistema incialmente montado para ser um mercado comum idealizado a partir da sociedade de carvão de do aço em meados do século passado, transcendo o simples mercado comum para se transformar em uma união política, econômica, monetária e política.

 

O ingresso do RU nunca foi unânime dentro deste conjunto de países que já contavam com a Commomwealth, que poderíamos dizer ser um outro bloco de países, não necessariamente composto países contíguos, mas que ao longo da história fizeram parte e, alguns ainda fazem, parte do Império Britânico, como por exemplo, Antígua e Barbuda, Austrália, Bahamas, Barbados, Belize, Canadá, Granada, Jamaica, Nova Zelândia, Papua-Nova Guiné, Reino Unido, São Cristóvão e Névis, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Ilhas Salomão e Tuvalu, cujo mapa abaixo representa geograficamente a sua zona de influência.

 


Assim, o ingresso do Reino Unido em outro bloco, apesar de fazer sentido para alguns no pós Segunda Guerra, como uma forma de fortalecer sua posição comercial no bloco, em função de sua importância e liderança, frente a potências importantes como Estados Unidos e União Soviética, por muitos outros caracterizava uma deformidade do papel da Inglaterra e sua importância como uma monarquia constitucional. Por tal motivo, o Reino Unido apesar de ingressar no bloco, demorou a de fato incorporar as harmonizações proporcionadas pelo bloco europeu, como por exemplo, a moeda única.

 

Como em todos os países da UE, a participação depende de um tratado internacional que estabeleça as suas regras de ingresso, bem como providências internas, necessárias a serem tomadas, de modo que os países possam adequar a sua economia, política, instituições, dentre outros aspectos, de modo a ceder o acesso dentro de suas fronteiras, permitindo o ingresso de mercadorias, serviços e pessoas, além coordenar e equalizar suas tarifas internas e internacionais.

 

Logo percebe-se a dificuldade de que tais harmonizações sejam atingidas e o longo trabalho necessário para tanto, que durou algumas dezenas de anos. Penso que atualmente, poucas pessoas vivenciaram ativamente 100% de cada uma das evoluções da UE, como experiência de vida, para desenhar o caminho de retorno menos tormentoso.

 

O fato que é que algo que levou muitos anos para chegar onde está hoje está prestes a acabar quando da virada do ano?

 

É bem verdade já ter havido a decisão quanto à saída, mas esta decisão foi rápida e alguns dizem ter sido irresponsável, pelo fato de que o ponto crucial gira em torno de como sair, pois vários novos acordos precisam ser tratados para garantir a economia do RU e por que não dizer da UE, mas também a situação das pessoas que ali moram (RU), vinda de outros países integrantes do bloco.

 

Pensamos que na verdade tratasse de um processo evolutivo que já vem ocorrendo há alguns anos, cuja implementação vem se verificando mais palpável agora e que não se adequará ao calendário gregoriano, mas que provavelmente será mais rápido.

 

Por conta disso, o acordo comercial fechado entre Reino Unido e União Europeia trouxe alívio para empresas ao evitar aplicação de tarifas punitivas e uma separação desorganizadas nesta semana, apesar de deixar alguns pontos de atritos, quais sejam:

 

1)      Igualdade de condições – Apesar do Reino Unido não precisar mais se alinhar com as leis da UE, o bloco pode impor tarifas proporcionais, sujeitas à arbitragem, se puder mostrar que as ações britânicas distorceram a concorrência leal. Importante destacar que a campanha de saída do bloco prometia a autonomia do Reino Unido em legislar soberanamente e sem qualquer norteador internacional.

 

2)      Finanças – A regra quanto à venda de serviços financeiros ainda não foi tratada com clareza, já que o acordo apresenta cláusulas-padrão sobre serviços financeiros, o que significa que não inclui compromissos de acesso a mercados, devendo ser iniciado uma negociação específica em 2021 sobre o acesso e equivalência para serviços financeiros.

 

3)      Dados – Durante 6 meses a contar de janeiro de 2021, as regras relacionadas à transferência de dados europeias continuam a valer, mas nova regra deverá ser negociada, sendo que a regra europeia vigerá até que um acordo entre RU e UE se estabeleçam.

 

4)      Pesca - O acordo prevê um período de transição de cinco anos e meio para a pesca, durante o qual haverá redução de 25% das capturas por barcos da UE nas águas do RU, sendo que após este período a pesca deverá ocorrer mediante negociação.

 

5)      Gibraltar -  Ainda não chegaram a um acordo em relação à Gibraltar. Importante destacar que Gibraltar é território britânico conectado à Espanha continental. Sem um acordo, cruzar a fronteira poderia ser mais difícil e causar longas filas para passageiros e problemas econômicos significativos. Historicamente, tentativas da Espanha de enfraquecer ou até mesmo acabar com o controle britânico do território sempre causaram a ira de conservadores britânicos, que tentarão impedir que o Reino Unido faça quaisquer concessões.

 

Bibliografia:

Mello, Celso S. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. Ed. Renovar. Volumes I e II. 2004. 15ª Edição;

Resek, Francisco. Direito Internacional Público (Curso Elementar). 2011. 13ª Edição;

Pozzoli, Lafayette. Direito Comunitário Europeu (Uma perspectiva para a América Latina). Ed. Método. 2003;

http://www.thecommonwealth.org/

 

 


quarta-feira, dezembro 23, 2020

“Veritas filia temporis” ou Uma reflexão irônica


Carlos Roberto Husek

Professor de Direito Internacional da PUC/SP e co-cordenador da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado.

 

A serenidade está no mesmo patamar, nos dias de hoje, das ideias fantásticas, como a da mula sem cabeça, a dos duendes e a das bruxas. É algo que, quando acontece, foge ao cotidiano e se insere dentre os fatos que nos deixam boquiabertos, olhos arregalados, paralisados dos pés à cabeça.

Talvez, a atitude serena venha de algum “moralista”, - entre aspas mesmo - porquanto o moralismo é algo impensado nas sociedades modernas; uma das palavras que está perdendo o seu significado, para registrar-se como uma mancha, uma daquelas marcas que se imprimem no gado para distingui-lo dentre os demais; mas, se para o gado a distinção pode ser boa em virtude de uma determinada raça ou de um determinado proprietário, no ser humano é uma pecha, um defeito gravíssimo. É quase igual ao entendimento sobre as palavras “equilíbrio”, misericórdia”, “bom senso”, “igualdade de tratamento”, “sentimento democrático” e outras expressões, que estão desgastadas de seus significados originais.

Quem quiser viver e sobreviver, política e socialmente – não digo economicamente, porque nesta área a conexão moderna com o significado dessas palavras, não com o seu significante, é total – deve fugir das acepções anteriormente consagradas.

Ora, ver-se-ia como um monge, um frágil e desprezível sonhador, um ingênuo, cuja ingenuidade – espera-se – com o tempo diminua e o faça cada vez mais partícipe do mundo real.

Sonhar, afinal, é coisa para criancinhas – adolescentes, não mais – ou para incuráveis e raros românticos, marginalizados, que se contentam em recolher dos lixos as sobras da civilização, para continuarem, minimamente dignos do momento, ainda que “a latere” das relações sociais.

Enfim, “moralista” é algo muito ruim e que pode condenar o infrator ao desterro eterno, ao cadafalso escuro, à jaula do circo de horrores que exibe os animais em extinção. Bobbio adverte: “Se desejares silenciar o cidadão que protesta e ainda tem capacidade de se indignar, digas que ele não passa de um moralista. É um expediente fulminante. Tivemos inúmeras ocasiões para constatar, nos últimos anos, que quem quer que tenha criticado a corrupção geral, o mal uso do poder econômico ou político, foi obrigado a levantar as mãos e dizer: ´Faço isso não por moralismo`. Como se precisasse deixar bem claro que não deveria ter nenhum contato com aquela gente, geralmente levada em pouquíssima conta.”[1]

É uma questão planetária, uma conjunção de astros, a sobreposição de Saturno e Júpiter, que põe em pandemia a razoabilidade: preferível ser qualificado como corrupto, por exemplo, ou como machão, ou guerreiro, do que de sensato.

A sensatez é a virtude dos fracos e a serenidade seu instrumento de manifestação. O diabo nos livre deles, e Deus que se contente em contemplar o eventual erro na criação, porque, se não é de agora, sempre fomos assim. Todavia, sobra a indagação: para quem e qual a necessidade de justificar ações e falas, que poderiam ser tidas como indignas, se a prevalência é da sordidez? Estes, os sórdidos, sempre se justificam. Talvez, existam caminhos ainda a serem explorados, pelos crédulos, disciplinados, tranquilos e ponderados! Como fazê-lo? Ainda que, particularmente, não nos enquadremos em tais referências, e “faço isso, não por modéstia ou moralismo”, como provocar a reserva moral, aparentemente conformada e coibida, para um despertar sobre os acontecimentos?

Dificílima a situação!

É um magma que está na base de um vulcão, fervilhando nos confins da terra, mas sem força para explodir, o que algum dia acontecerá, com resultados desastrosos, escorrendo pelas encostas e triturando tudo o que se encontra pela frente, porque a força da indignação não pode ser menos do que a dos atos atrozes de infâmia e maldade, e não pode ser menor que a tristeza e a incompreensão de anos e anos de ostracismo dos direitos e da possibilidade de inteirar-se uma nação, una com o que se supõe ser o seu grande destino.

 

“Na cordilheira altíssima dos Andes

Os chimborazos solitários, grandes

Ardem naquelas regiões.

Ruge embalde e fumega a solfatera...

É dos lábios sangrentos da cratera

Que a avalanche vacila aos furacões.

 

A escória rubra com os geleiros brancos

Misturados resvalam pelos flancos

Dos ombros friorentos do vulcão...

.............................................................

Assim, Poeta, é tua vida imensa,

Cerca-te o gelo, a morte, a indiferença...

E são lavas lá dentro o coração.[2]

“Veritas filia temporis”. A verdade é filha do tempo, bem sei, mas até quando vamos esperar que o país adormecido acorde tranquilo e sereno para uma era de paz e progresso? Não é a guerra que queremos, mas a suprema indignação, divulgada e anunciada em alto som. É o movimento pacifista, dos que almejam verdadeira e profunda MUDANÇA.

 


[1] Bobbio, Norberto. Elogio da serenidade e outros escritos morais. Editora Unesp, 2ª. ed. p. 30.

[2] Alves, Castro. Obras Completas. A meu irão Guilherme de Castro Alves, Curralinho, julho de 1870, Editora Nova Aguilar S.A, 1997, p. 196.

 

quinta-feira, dezembro 17, 2020

PEIXE VIVO

 


No nosso artigo anterior, falávamos do papel da diplomacia presidencial e sua importância nas relações internacionais. A Presidência da República, concluímos, não precisa ser ocupada por pessoa de conhecimentos específicos nesta questão, ou mesmo na maioria das questões. Não se espera isso daquela figura.

Nesta semana o Senado Federal negou (em situação com raríssimos precedentes, um deles remontando a Jânio Quadros, o que só reforça a gravidade do caso agora) a indicação feita pelo Itamaraty de diplomata para o posto de delegado permanente do Brasil na ONU em Genebra. O cargo, importante por si próprio, tem recebido mais destaque nos últimos tempos dada as posições que a diplomacia brasileira vem defendendo a partir das ideias do atual Governo Federal. O que nos leva à questão central: a representação internacional do Brasil é posicionamento de Estado ou de Governo?

A Constituição Federal de 1988, no seu artigo 4º, define com clareza que o Brasil se regerá, em suas relações internacionais, pelos princípios ali definidos. Dentre eles, podemos observar a prevalência dos direitos humanos, a defesa da paz, o repúdio ao racismo, anotando ainda a Constituição que o Brasil buscará a integração dos povos da América Latina.

Naturalmente a cada mandatário é assegurado o direito de estabelecer suas agendas, suas prioridades e se há algo do qual não se pode culpar a atual Presidência é de estelionato eleitoral. Dito isto, é sua obrigação, nas relações internacionais, seguir a posição de Estado, a partir dos princípios constitucionais. Desvirtuar isso é desvirtuar o poder conferido para o exercício da Presidência da República e parece claro que os princípios do artigo 4º destacados acima não apenas não são observados mas também claramente afrontados O próprio diplomata indicado, ainda que de carreira, vem atuando de forma a claramente atender ao posicionamento político do atual governo, contrário a tais princípios.

Ou seja, a Constituição define o posicionamento do Estado. A Presidência da República deve definir suas prioridades e guiar suas ações no plano internacional à luz de tais princípios. Nos parece claro que não é o que vem ocorrendo.

Antônio Houaiss (o do dicionário mesmo) trabalhou na documentação presidencial de Juscelino Kubitschek e “descrevia JK como homem aberto, auditivo, receptivo, fino sistematizador. Recebia informações novas e as incorporava de forma permanente, redisciplinando seu espírito. Ficava grato a quem lhe trouxesse ângulos inesperados. Não tinha preconceitos ideológicos: ouvia adversários e opiniões discordantes e não se importava com a orientação filosófica ou doutrinária do interlocutor. Aceitava a palavra dos estigmatizados da esquerda, assim como os conselhos moderados das raposas de antanho. Vivia na transição de dois Brasis e saltitava na corredeira da história, justificando o apelido pelo qual ficou conhecido”*

                Juscelino usou, de forma intensa inclusive, da prerrogativa de enviar aos postos nas embaixadas no exterior indicados políticos, não diplomatas de carreira (o que, de resto, foi hábito comum aos presidentes brasileiros até meados dos anos 2000). Mas não o fazia ao arrepio da Constituição. Não apenas porque a Constituição de então não trazia definições tão precisas, mas também pela ciência de que, nas relações internacionais, ainda que por sua indicação, os diplomatas deviam defender posicionamentos de Estado e não de Governo.

                O peixe vivo sabia nadar aquelas águas.

 

                                                                                            Por Fabrício Felamingo

 

* Trecho extraído de “JK -  o artista do impossível”, de Claudio Bojunga, Ed. Objetiva, Rio de Janeiro, 2001, página 358.


quarta-feira, dezembro 09, 2020

Mutualismo no Direito Internacional

 


Henrique Araújo Torreira de Mattos.

Advogado formado pela PUC/SP. Mestre em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Pós graduado em Direto Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e em Direito Internacional Público e Privado pela Hague Academy of International Law em Haia/Holanda. MBA pela Fundação Dom Cabral. Coordenador e Professor no curso de pós-graduação latu sensu em Direito Internacional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (COGEAE) e Colaborador da ODIPP (Oficina de Direito Internacional Público e Privado). Professor de Direito Empresarial na ESEG (Escola Superior de Engenharia e Gestão).


Recentemente me chamou a atenção um estudo que fiz sobre a perspectiva do mutualismo nas empresas ao ler partes do livro intitulado Capitalism Beyond Mutuality?, escrito pelo professor Subramanian Rangan  do INSEAD que traz uma visão integradora entre a Filosofia e Ciências Sociais, no sentido de trazer à tona a discussão de que embora a humanidade tenha se desenvolvido desde a antiguidade por meio da descoberta de novas tecnologias ou mesmo ampliado seu acesso ou percepção do conhecimento em geral para construir a sociedade onde vivemos, a busca pelo equilíbrio para o desenvolvimento em todos áreas, bem como a diminuição da taxa entre pobres e ricos para alcançar um bem-estar comum ainda estão na agenda da comunidade internacional, pois o capitalismo também mostrou que sua sustentabilidade é administrável ou aceitável de acordo com circunstâncias específicas alinhadas com os poderes postes e existentes em determinado momento da história.

Esse entendimento reflete pensamentos trazidos por Adam Smith que é considerado o pai do capitalismo e escreveu “A Riqueza das Nações” apresentando sua teoria da vantagem absoluta que reflete a capacidade de produzir ainda mais.

A busca pelo desenvolvimento da sociedade se baseia na justiça, no bem-estar e na abrangência de nossa humanidade. De acordo com o professor Rangan, a humanidade evoluiu uma vez que “está melhor hoje em várias frentes, incluindo expectativa de vida, renda média e conhecimento permitido pela tecnologia, ao mesmo tempo que também possibilitou conflitos. No entanto, é difícil negar que a demanda por lucro produziu desempenho, mas nem sempre progresso. A demanda por justiça produziu regulamentação, mas nem sempre justiça. A demanda por segurança econômica produziu um estado de bem-estar, mas não segurança econômica. A demanda por conservação gerou conversas, deixando os cientistas preocupados com o "colapso". Além disso, a expectativa de vida parece ter superado as expectativas de vida, fazendo com que o conceito de sustentabilidade deva ser considerado sob perspectivas ainda mais elevadas.

Considerando os aspectos acima descrito, podemos assumir que houve melhorias ou apenas uma acomodação administrada dos fatos ou sentidos para tornar a economia, as relações, incluindo as internacionais, ou a própria vida, mais toleráveis. Em todo caso, é fato que a tecnologia está permitindo um amplo acesso e democratização da educação, ao estreitamento das relações privadas e públicas entre as diversas nacionalidades, dentre outros fatores que corroboram a globalização para permitir que a sociedade avance para o próximo patamar de evolução.

A ideia de mutualidade ou mutualismo trazida pelo professor Rangan aplica-se ao liberalismo empresarial num primeiro momento, mas ao observar sob a perspectivas das soberanias traz uma perspectiva sobre o conceito de Estado justo para incorporar uma democracia sustentável onde a política e a economia se baseiam no intercâmbio dos benefícios criados pela interdependência humana natural baseada na cooperação mútua para alcançar os objetivos da humanidade. A mudança de mentalidade moral na sociedade que conduz a mudança nas empresas, na sociedade civil internacional, na sociedade internacional e vice-versa, é a chave para tornar isso possível de forma pragmática. Portanto, esta mudança de mentalidade deve ser uma questão de atitude social que conduz a cooperação social moral onde a propriedade embora tenha sua importância deve ser usada para aumentar bons valores e comportamentos a fim de atender à justiça, bem-estar e um escopo expandido de humanidade nos negócios para o bem comum.

Nesse sentido, o estado e a sociedade em geral devem evitar a dependência do poder de regulação do mercado, mas originalmente devem educar o mercado de forma a obter os resultados desejáveis. Como consequência, os negócios devem destacar os ideais morais da economia liberal e o raciocínio pode informar e influenciar os interesses de uma forma sistêmica para possibilitar uma melhor autogovernança de um agente imparcial para governar com integridade.

Portanto, a educação do mercado de maneira democrática, por meio do convencimento geral e pragmatismo é o fato principal nesta equação, de modo a desafiar o status quo do que hoje praticamos como desenvolvimento, a fim de fazer as pessoas pensarem sobre valores e comportamentos e não apenas fornecer ideias conflitantes sem qualquer sentido prático.

 

 

Bibliografia:

RANGAN, Subramanian. “Capitalism Beyond Mutualism? Perpectives integrating Philosophy and Social Sciences”. Oxford University Press; 

Smith, Adam. “A Riqueza das Nações”. Editora Juruá.

  


sexta-feira, dezembro 04, 2020

O MAL DO BRASIL

 


Carlos Roberto Husek

                           Professor de Direito Internacional da PUC de São Paulo

 

O mal do Brasil será o mal do mundo, o mal da humanidade, em geral, o mal da América Latina, o mal dos países subdesenvolvidos? Podemos por a culpa em alguém, em algum setor, geográfico ou histórico, à nossa formação deficiente, ao nosso componente racial, miscigenado, brancos, pretos, índios, mamelucos, ou aos portugueses que nos descobriram e por séculos só fizeram explorar, primeiro o pau brasil, depois, o açúcar, além, o dízimo para a Coroa portuguesa, pelos cobradores de impostos, ou, ainda, pelos povos que aqui vieram a se estabelecer, sem a devida integração, constituindo nichos de suas respectivas nacionalidade e carregando o sangue de família, para dizer sempre que eram nacionais de outro país e que seus filhos também o eram (ius sanguinis), ou, sobre outro aspecto, a nossa propensão para a subserviência aos estrangeiros, como se sempre estivéssemos em dívida, como se não tivéssemos forma uma sociedade, digna desse nome? Há alguma verdade nestas inferências?

Bem, quem quiser e se sentir mais tranquilo e justificável – por pertencer a este país (gigante adormecido!), que não consegue sair de sua condição de terceiro mundo, que adote uma delas, ou outra que satisfaça. Penso, repenso, condenso, e não encontro saída. Por que, em pleno século XXI, não temos direção de pensamento? Nenhuma liderança na América, nenhuma área de influência entre os países emergentes, nada que nos aponte grande no território, grande na ação, grande – que seja – para o futuro?

Claro que são questões angustiantes de quem se sente sem rumo e triste. Triste porque não ouve uma palavra de ponderação, de equilíbrio, de sensatez, nem do presidente da República, que somente aparece e fala para disseminar discórdia, empunhar gritos de guerra contra a COVID, contra as eleições norte-americanas, contra os gays, contra (indiretamente, talvez), as mulheres, contra os classificados como inimigos naquela semana, contra a Organização mundial da Saúde, contra a Organização Mundial do Comércio, contra o processo do “lava Jato”, contra a Justiça quando abre análise processual em relação aos filhos, contra, contra, sempre contra, e não administra o mínimo, apenas exigindo de seus ministros – que em tese deveriam ser os especialistas em cada área – subordinação total. Estes, os ministros, escondem-se sobre as asas presidenciais, porque apesar (talvez?) de entenderem que o caminho sobre determinado assunto deveria ser outro, não ousam contrariar o presidente. O ministro da Saúde, por exemplo, após analisar os números da pandemia, e após ter encomendado – em um gesto de autonomia ministerial louvável – vacinas, teve que abortá-las, porque desautorizado, e fala em rede de televisão que a aglomeração não espalha o vírus ( embora não seja médico, para contrariar toda fala da Medicina) ou do ministro da Justiça, que simplesmente se cala diante dos problemas da pasta, não dando força para qualquer investigação – salvo aquelas que possam contrariar o presidente – e nada se manifesta em relação às ações de bandidos em todo o país, com sequestros, mortes, assaltos, mesmo que haja a competência primária de atuação dos Estados, haveria espaço para uma coordenação, ou do ministro do Meio Ambiente, que deixou passar a boiada, e com ela se foi, deixando ao vice-presidente a necessidade de dar explicações à sociedade, ou do ministro das Relações Exteriores, que não intermedia um necessário meio de campo para restabelecer diálogos com países que se veem atingidos por falas impróprias, distorcidas, absurdas, incongruentes de parlamentares ou de agentes do próprio Executivo, que não faz, enfim, a ponte da amizade, tradicional em nossa diplomacia, e não busca ( ao que se sabe ) influenciar o presidente da República nas falas e ações públicas, no que tange aos demais países soberanos.    

Temos um governo de centralização do poder, sem atuação do poder de administrar, e que só se anuncia para impor obediência irrestrita, mas, ao que se percebe, mantém – que isso continue – a liberdade de manifestação. Pelo menos isso, caso contrário, a democracia já estaria enterrada.

Enfim, por que temos todos esses males? Será que está em nosso DNA histórico, sociológico, e mesmo biológico, a impossibilidade de irmos na direção correta do bem público, independentemente da ideologia professada ou da religião, ou do time do coração, ou da filosofia de vida diária, daquele que toma posse ( que bom que temos eleições, é o mínimo) no poder?

Vamos dar mão à palmatória, não somos tão ruins assim: é do ser humano essa constância em ir e vir, por vezes, sem qualquer gerenciamento, sem qualquer plano maior, só pela emoção, pela amizade, pelo compadrio.

Freud, em “O Mal Estar na Civilização”, já estudava e analisava naquela época (1930), algo que serve para os dias atuais; afinal, a Psicanálise é universal e atemporal:

É difícil escapar à impressão de que em geral as pessoas usam medidas falsas, de que buscam o poder, sucesso e riqueza para si mesmas e admiram aqueles que os têm, subestimando os autênticos valores da vida. E no entanto, corremos o risco, num julgamento assim genérico, de esquecer a variedade do mundo humano e de sua vida psíquica. Existem homens que não deixam de ser venerados pelos contemporâneos, embora sua grandeza repouse em qualidades e realizações inteiramente alheias aos objetivos e ideais da multidão. Provavelmente se há de supor que apenas uma minoria reconhece esses grandes homens, enquanto a maioria os ignora. Mas a coisa pode não ser tão simples, devido à incongruência entre ideias e os atos das pessoas e à diversidade dos seus desejos.” (Mal Estar da Civilização, Sigmund Freud, Obras Completas, Companhia das Letras, p. 14).

Darcy Ribeiro, em uma visão crítica aos intelectuais brasileiros (eles existem), após descrever sobre a consciência nacional (a sociedade que aí está e o que dela se espera), diz:

Tudo isso significa que não teria cabimento exigir dos intelectuais brasileiros – sobretudo os de um passado remoto – a capacidade de formular projetos próprios de reordenação social, então inviáveis (seriam viáveis agora?). Mas significa também que permanece aberto o desafio de compreender as razões pelas quais aquela intelectualidade, em muitos casos apaixonadamente nativista, raramente explorou os limites de sua consciência possível. A verdade é que poderiam, mesmo então, ter atingido o limiar da consciência crítica que nada mais é do que a percepção da realidade como problema e a predisposição de transformá-la. Só em casos excepcionais se atingiu efetivamente essa consciência crítica (...) De um modo geral, a intelectualidade atuando em conveniência com os interesses da ordem desigualitária e da manutenção da dependência e tendo como matriz inspiradora a erudição europeia (e, talvez, a erudição norte-americana do governo de lá, não presidente eleito, em 2020), produziu nada mais que uma consciência ingênua, alienada e alienante. Suas criações não são discursos próprios sobre a realidade circundante elaborados à medida que esta vai sendo diretamente percebida e expressa em suas variações. Seu discurso típico é uma reelaboração com materiais exemplificativos locais de compreensões alheias alcançadas em outra parte e concernentes a outros contextos.” (não parece similar ao que está acontecendo?) (“Os Brasileiros: 1. Teoria do Brasil, Estudos de Antropologia da Civilização, Darcy Ribeiro, Vozes, 1985, p. 156) 

Não temos resposta para nenhuma das questões inicialmente propostas. Resta pensar, e pensar não encontra campo fértil na atualidade. Vamos crer em Deus, ou nos deuses, ou nos milagres, ou que estamos prestes a acordar de um pesadelo. Afinal, como uma conjunção de astros – consultem os astrólogos – estamos no Brasil e em vários países do mundo vivendo um encontro macabro entre Júpiter e Saturno.

 


quarta-feira, novembro 25, 2020

A culpa é de Charles Darwin

 

Carlos Roberto Husek

 

A África, o continente pobre, em grande parte o continente negro, produto exportação para os países colonizadores, espalhou o ouro humano por diversos cantos da Terra. E por que motivo uns serviram de escravos e outros de senhores, e por que se concretizou a indecifrável biologia de passar pelo DNA dos descendentes, a característica da servidão, e principalmente dos últimos, o vezo da superioridade? Freud, Jung, Lacan, certamente explicariam, ou quem sabe os antropólogos, historiadores, geógrafos, Darcy Ribeiro, Gilberto Freire, Milton Santos, Galeano, podem nos dar alguma ideia? A ciência, a psicologia, a sociologia, a medicina, poderiam definir que, às vezes, tudo isso não passa de uma organela esférica e alongada do citoplasma de uma célula eucariótica, informativa de uma condição biológica, perfeitamente humana e explicável. Somos animais, não há dúvida. Darwin tinha total razão. Fazemos parte da classe dos mamíferos – a condição vem pelo leite materno – descendentes de um ancestral comum. Pobres mães, culpadas de tudo! Não pode ser! O leite materno também azeda? Azedume. Cheiro ácido, picante, acre, de quem verte pelos poros suas idiossincrasias, pensando em apenas ser.

“Ser ou não ser”, eis a questão! Ser o quê? Será tratar-se apenas de ideologia? Acho que a questão, embora não tão simples, deve ser estudada no mundo da ótica, dos espelhos. Há aqueles – todos nós, possivelmente – que não enxergam o verdadeiro rosto e a verdadeira natureza. Não o do símio bruto e peludo que se esconde por trás de pele lisa, mas o do primitivo ser, repleto de pedregulhos depositados no fundo do inconsciente, lá onde o espírito faz morada e lança na atmosfera do consciente suas pedras e artefatos para enfrentar o dia a dia. E ninguém compreende! Não pode compreender mesmo. Agimos todos – voltamos a Freud – por impulso; somos impulsivos, reativos, e no mais das vezes radioativos. Somos de uma mesma raça, a humana? O planeta é ainda habitado por bichos, que falam e gesticulam e negam a existência dos fatos, e que produzem fatos e os negam ou os afirmam, em simbiose fatídica e miseravelmente animalesca – animal superior, é claro – que não evolui social e psicologicamente, somente tecnologicamente. A tecnologia é algo que produzimos, aperfeiçoando as máquinas, a ponto de nos tornamos, aos poucos, parte delas. É isso, acabei de descobrir, ó aclamados homens da ciência: De hoje em diante, vamos substituir – já o fazemos – o coração, o fígado, os rins, o pulmão e o cérebro, por artefatos mecânicos e assim desenvolveremos uma outra raça: androide, humanoide, e talvez, debiloide!

Os casos acontecem e não se explicam, e são infindáveis, e são constrangedores, e são, ainda que repetitivos, inusitados! Contradição? Por que não podemos ter nossas contradições ao enfrentar as diárias contradições do animal civilizado? Afinal, sufocar o outro com a perna, o joelho, o próprio corpo, até matá-lo é perfeitamente, justificável. Xingá-lo, então, é natural. Dizer que morrer - aos milhares - e com queixas, não é coisa de homem, também é perfeitamente aceitável, e que a devastação da floresta não contraria a natureza, é razoável, ou, por fim – reavivemos o tema central – anunciar que o racismo é importado, tem sua lógica de dominação. E, cá entre nós, é realmente importado, afinal estamos matando igual aos nossos queridos irmãos norte-americanos, a quem devemos copiar sempre o bem e o mal, principalmente o mal, porque um líder é um líder e manda, independente de leis maiores ou menores. Vivam as armas! Os antigos com tacape na mão, ou o urumi (espada), o atlatl (da Idade da Pedra), o kakuti (anel de ferro), o lança fogo (para cegar usando pólvora); por falar em pólvora... deixa pra lá... estavam certos. Substituindo todas as armas – as de mão são preferidas para que as famílias de bem se defendam (para quê o Estado, não serve para nada!). O soco inglês é bem moderno e três ou quatro contra um funciona sempre, e se esse um não tiver a pele clara, melhor, entretanto, se a pele for alva e a ignorância também, é aceitável um corretivo (para quê o Estado, não serve para nada!). Estou enlouquecendo, é verdade. Um mundo moderno é o dos direitos humanos. É dos direitos humanos? Quando João Ramalho dominava o planalto com uma penca de mulheres índias, e a principal Bartira, e filhos, e andava nu, e impunha sua própria lei, tinha lá seus filhos preferidos, que preferiam, assim como o pai, morder e atacar, foi eleito pelos jesuítas e subgovernadores gerais e demais autoridades, comandante das terras de Piratininga, capitão do mato, viu-se o que seria do futuro: o Brasil já estava nu. Nos dobramos, desde aquela época, aos interesses do momento, olhos tapados – não era o pano da pandemia que tapa nariz e boca – era pior, porque imprimiu em nosso gene, a ignorância da dominação. Não vemos, não enxergamos, não ouvimos e as palavras ressoam em nossos cérebros como oráculos não codificáveis, incapazes que somos de raciocinar, e as imagens dos fatos chegam aos nossos olhos sob os efeitos de uma bruma que impede a configuração e o desenho.

A bem da verdade, tudo isso não é novo, é só triste. Cá como lá, ou alhures, há episódios na “humanidade”, que se os animais falassem iam dizer: Meu Deus! Heine, nascido às margens do Reno, em 1797, fala pela voz do contratador, em Navio Negreiro:

 

“Pimenta e pelas de borracha,

Marfim do bom e ouro em pó –

Tonéis e caixas – mas eu acho

A carga escura bem melhor.”

 

Seiscentos negros lá do Níger

Que barganhei no Senegal;

Tendões de aço e pele rija,

Tal qual estátuas de metal.

 

Troquei por caixas de birita,

Contas de vidro e armamento;

Caso a metade sobreviva,

Hei de lucrar uns mil por cento.”

 

 

E Castro Alves, nascido em 1847, no sertão baiano, em Vozes da África, já se indignava:

 

“Deus! Ó Deus! Onde estás que não respondes!

Em que mundo, em qu´estrela tu t´escondes

             Embuçado nos céus?

Há dous mil anos te mandei meu grito,

que embalde, desde então, corre o infinito...

             Onde estás, Senhor Deus? 

(...)

 Cristo! Embalde morreste sobre um monte...

Teu sangue não lavrou da minha fronte

              A mancha original.

Ainda hoje são, por lado adverso,

Meus filhos – alimária do universo.

             Eu – pasto universal.”

 

 

Até quando vai ecoar esse grito?

A Constituição Federal, não faz eco?

As convenções internacionais, não persuadem?

Darwin apenas constatou uma verdade, mas não nos deu saída?

A culpa é do Darwin.

 


quinta-feira, novembro 19, 2020

A Diplomacia Presencial

 


                                                                                                                                    
É sempre muito difícil dar créditos integrais a relatos políticos na primeira pessoa. Assim, autobiografias políticas sempre devem ser lidas com o devido cuidado. Feita essa ressalva, e protegidos pelos até 25 anos de distância entre os fatos ali narrados, os 4 volumes dos Diários da Presidência escritos pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ilustram alguns momentos e impressões que são, no mínimo, interessantes para o cenário político (brasileiro e internacional) deste momento.

Em maio de 1995 FHC era recebido, como outros presidentes brasileiros já o foram e serão, pelo então presidente dos EUA, o democrata Bill Clinton. Nos Diários, FHC registrou a fala de Clinton num encontro privado entre os dois: “O que posso fazer para te ajudar? Que posso fazer para ajudar o Brasil? O que nós podemos fazer juntos?”. Uma conversa bastante amistosa, termo usado mesmo por FHC para esse registro. Cinco anos depois, o presidente dos EUA era o republicano George W. Bush, e os registros de FHC continuam mostrando boas conversas entre ambos (ainda que seja notória a amizade entre Clinton e Fernando Henrique), a ponto de Bush procurar o então presidente brasileiro até para auxiliá-lo em assuntos que não dizem respeito ao Brasil ou à América Latina, como o relatado nos Diários em abril de 2000. Bush, na ocasião, ligou a Fernando Henrique para solicitar que este, que receberia o presidente da China em viagem ao Brasil, intercedesse a favor dos EUA em questão diplomática sensível – na ocasião, um avião espião norte-americano se chocou, sobre o Mar da China, com um caça chinês, causando a morte do piloto do caça e a detenção, pela China, da aeronave e dos 24 tripulantes norte-americanos até que os EUA se desculpassem. Bush explicava a FHC que já havia se desculpado e solicitava que este explicasse isso ao presidente chinês.

Hoje, passados 20 e 25 anos destes momentos, alguém imagina o mesmo ocorrendo? Tem o Brasil ainda o mesmo respeito diplomático, a ponto de não apenas o competente e profissional corpo diplomático brasileiro mas o próprio presidente da República ser relevante a ponto de ser invocado a ajudar internacionalmente em questão que, em absoluto, envolve o Brasil? Infelizmente a resposta é um público e notório não.

A diplomacia presidencial, ou de cúpula, não é naturalmente a diplomacia profissional que as relações internacionais entre os Estados demandam, nem se espera que o chefe de Estado seja sempre o mais hábil diplomata. Porém, enfraquece e muito o corpo diplomático de um Estado quando há, por parte do chefe do Executivo ou o Ministro das Relações Exteriores, uma contaminação de desejos pessoais na própria representação internacional da nação. Foge não apenas aos manuais do Direito Internacional e da diplomacia mas ao manual prático do bom senso em si.

Ainda FHC: “procurei imprimir à política externa a prevalência de nossos interesses, mantendo boas relações com todos, sem sublinhar diferenças ideológicas ou preferências pessoais. Nisso fui ajudado por Felipe Lampreia e por Celso Lafer, bem como por vários de seus colaboradores”.

O relato em primeira pessoa sempre é parcial. Mas a cada dia que passa fica claro que o maior feito da atual presidência será lustrar a biografia dos seus antecessores, sejam quais forem.

 

Fabrício Felamingo



Bibliografia

CARDOSO, Fernando Henrique. Diários da Presidência – volume 1 (1995-1996). 1ª edição. São Paulo, Cia das Letras, 2015.

__________________________ Diários da Presidência, – volume 4 (2001-2002). 1ª edição. São Paulo, Cia das Letras, 2019.


quinta-feira, novembro 12, 2020

A Governança Global e o papel das ONGs na sua formação

                                           


                                           Henrique Araújo Torreira de Mattos.

Advogado formado pela PUC/SP. Mestre em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Pós graduado em Direto Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e em Direito Internacional Público e Privado pela Hague Academy of International Law em Haia/Holanda. MBA pela Fundação Dom Cabral. Coordenador e Professor no curso de pós-graduação latu sensu em Direito Internacional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (COGEAE) e Colaborador da ODIPP (Oficina de Direito Internacional Público e Privado). Professor de Direito Empresarial na ESEG (Escola Superior de Engenharia e Gestão). 

 

O Direito Internacional tem tido um grande desenvolvimento nos dias atuais em função das cobranças da opinião público no sentido de entregar respostas ao acontecimento presentes. Tais questionamentos não decorrem apenas de uma área específica do Direito, como por exemplo, o Direito do Comércio Internacional e o Direito Ambiental, que muito contribuiu na abordagem transformativa relacionadas às normas e políticas internacionais, mas também os Direitos Humanos que sempre chamaram este tipo de discussão decorrente da condição do ser humano como sujeito ativo e passivo de direitos em âmbito global.

Esta tríade formada e que representam hoje o conceito de sustentabilidade (economia, meio ambiente e social), continuam e devem continuar em constante evidência, ainda mais no momento de pandemia em que vivemos, vez que os fatos presenciados em decorrência do COVID19 demonstram cada vez mais a necessidade na manutenção deste equilíbrio, maior cooperação e colaboração entre os povos em prol do benefício comum. Isto posto, a Governança Global, do ponto de vista jurídico, engloba um emaranhado de disciplinas jurídicas que, em conjunto, contribuem para pautar a sociedade dos Estados e a sociedade civil internacional, para uma mesma finalidade, qual seja, o desenvolvimento global de maneira organizada e eficiente e cooperativa.

Martin Wight[1], na década de 60, escreveu sobre a importância da identificação da sociedade internacional, visando o estudo do Direito Internacional. Na ocasião, a preocupação do autor era a sua definição, mas não o impacto de sua atuação, ou seja, como esta sociedade global poderia desempenhar um papel no sentido de promover consequências, sendo estas positivas ou não, até porque naquele momento inicial, pouco se vislumbrava ou interessava seus impactos.

Assim, a parceria entre os sujeitos primários do Direito Internacional (Estados e Organizações Internacionais) com os demais que surgiram com mais ênfase no pós 2ª guerra (ONGs, empresas multinacionais e o ser humano) se faz necessário decorrente de uma demanda da sociedade civil, vez que receosa das falhas cometidas no passado, também se motivou a tratar a questão internacional de maneira independente, não querendo mais depender totalmente a seus representantes do governo.

Neste cenário, a inserção e atuação das Organizações Não Governamentais (ONGs) fortalecem o comprometimento e a observância das normas internacionais por meio dos conceitos commitment and compliance (comprometimento e cumprimento), ajudando na inter-relação com os Estados e as Organizações internacionais, vez que em função de sua atuação autônoma promovem discussões e ações de forma menos enrijecida ou burocráticas levando ao conhecimento da população global temas importante que necessitam ser tratados de maneira aberta e eficiente, expondo inclusive as carências e as falhas verificadas pelo tratamento a assunto relevantes onde os Estados ficam ausentes.

Esperamos portanto, que o trabalho responsável das Organizações não Governamentais continue ainda mais em cenários de crises globais, como a que vivemos no momento, não somente como um mero participantes observador no contexto da Governança Global, mas principalmente como fiscalizador, influenciador da sociedade internacional, participantes ativo na elaboração de soluções e expositor falhas do sistema internacional de maneira responsável e isenta.

 

Bibliografia:

ACCIOLY, Hildebrando; Nascimento e Silva, Geraldo Eulálio do. “Manual de Direito Internacional Público”. Saraiva. 1996, 12ª edição;

ALMEIDA, Paulo Roberto de. “A globalização e o desenvolvimento: vantagens e desvantagens de um processo indomável”. In: Comércio Internacional e desenvolvimento. Organizado por Monica Tereza Cheren a Roberto di Sena Jr. Editora Saraiva. 2004.

BOSSON, Gerson de Brito Melo. “Direito Internacional Público”. Del Rey. 2000.

BRAILLARD, Philíppe. “Teoria das relações internacionais”. Tradução J. J. Pereira Gomes e A. Silva Dias. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1990.

HUSEK, Carlos Roberto. “A nova (des) ordem Internacional. ONU uma vocação para a paz”. RCS Editorial. 2004. 1ª Edição.

[1] Robert James Martin Wight, também conhecido como Martin Wight, é reconhecido como um dos grandes estudiosos Ingleses de Relações Internacionais no século XX.

sexta-feira, novembro 06, 2020

A inteligência em pandemia • Parte 03


Carlos Roberto Husek

Professor de Direito Internacional da PUC/SP. Membro da Comunidade de Juristas da Língua Portuguesa. Membro da Academia paulista de Direito. Desembargador da Justiça do Trabalho. Coordenador da Especialização em Direito Internacional da PUC/SP COGEAE e Coordenador do Grupo de Estudos Direito Transnacional – ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado.

  

3. Soberania absoluta/Cooperação

Não há aqui, entre esses termos ou figuras, oposição plenamente configurável, porquanto nos parece mais fácil a compreensão. A soberania é característica essencial do Estado moderno. A capacidade política do Estado não depende de entidades a ele externa e, portanto, do aval de outro estado e/ou organização internacional. Apresenta-se a soberania como uma capacidade interna do Estado de ter a criatividade e iniciativa de tudo que ocorre em seu território, o controle de suas questões, problemas e obstáculos, e a propriedade dos instrumentos de ação para resolver. No plano externo, basta o reconhecimento dessa capacidade por seus iguais (teoria declarativa). Estruturas modernas que podem dividir o poder (power-sharing), como na União Europeia, não são ameaças à soberania, uma vez que entendemos que a própria soberania justifica o movimento de atrelar-se a grupo de estados, à estruturas maiores, delegando poderes, que sem estas inserções seriam próprias e exclusivas do Estado soberano. Viver em uma comunidade internacional, e nesta comunidade agrupar-se em instituições superiores, é prerrogativa soberana dos Estados que podem se submeter A obrigações que lhes pareçam importantes para a sua própria sobrevivência.

Por sua vez, a cooperação internacional com os demais entes da sociedade internacional, nos dias hodiernos, diz respeito à própria incolumidade do Estado para manter-se íntegro e ativo. É certo que a nenhum Estado é dada a possibilidade de submeter outro, invadir suas terras, escravizar o seu povo e assim não acontecerá ainda que o Estado posto na berlinda das relações internacionais não cooperar com a sociedade internacional, mas o encadeamento dos interesses, não só econômicos, é a medida da sobrevivência estatal, que no mínimo se verá impossibilitado de bem gerir e alimentar a sua soberania. Cooperação é o caminho em todos os campos vitais que dizem respeito, principalmente ao ser humano, parte integrante e principal do Estado (território, povo e poder). Sem povo, sem elemento humano, atendido, agindo, respirando, não há Estado.

 

Conclusão 

Voltamos ao mote que deu ensejo a este artigo “A inteligência em pandemia”. Ou nós, brasileiros, saímos rapidamente desse isolamento intelectivo, de entendimento do mundo, de cooperação com os demais Estados, de observação das nossas riquezas, de amparo às nossas matas e espécies animais (flora e fauna) e de, principalmente, defesa do ser humano que habita de norte a sul o Brasil, de engajamento com os tratados e convenções internacionais de que somos parte e de respeito à Constituição Federal, em seus princípios e regras, ou estaremos fadados a uma Idade Média particular nas terras da América Latina, caudilhos de uma concepção irresponsável do poder.

Não há, efetivamente, uma ameaça chinesa, que de pronto devamos afastar, e nem, por certo, a consumação da existência de fabricação de um vírus para dominar o mundo (COVID 19). Este pensamento ou declaração sem lastro, quando posto pelos lábios de nossos representantes, deixa-nos atônitos, a todos, porque remete ao imaginário de uma conspiração internacional contra o globo.

A questão amazônica, tão cara, e sempre provocadora das nossas melhores ações, não pode servir de lema, de dístico, para a defesa da pátria, com a abertura a interesses de grupos internos ou internacionais, para o seu povoamento e desmatamento, bem como o extermínio do elemento indígena e favorecimento de grupos econômicos, pela palavra de próceres da república. Não há aí, inteligência em defesa da pátria, nem afirmação de soberania.

Ricardo Seitenfus, em seu livro “Para uma Nova Política Externa Brasileira” explicita: “...observe-se que mesmo os tradicionais motes que justificam a atuação coletiva internacional, como restauração da democracia ou o combate ao genocídio ou a proteção às populações civis em caso de guerra, encontram infinitas dificuldades de mobilização. Atestam os casos recentes do Haiti e da Bósnia o impasse em que se encontram as possibilidades de ação coletiva, mas sobretudo sua justificação. Deve-se, de pronto, destacar essa ameaça imaginária, até por força da inexistência absoluta de qualquer base jurídica a permitir tal ingerência. Mas também é necessário excluir a já referida, e incrustada no sendo comum nacional, crença de que temos o direito de destruir o habitat natural amazônico, sob o argumento de que a Europa e os EUA já sacrificaram seu meio ambiente em nome do desenvolvimento e restaria ao Terceiro Mundo o sacrifício de preservar a saúde global. Essa manifestação exacerbada de nacionalismo retrógado constitui, na verdade, o exemplo perfeito de afronta ao próprio interesse nacional, que é o de tornar possível a conservação das riquezas amazônicas simultaneamente ao desenvolvimento das populações que lá estão radicadas. Ocorre que o desenvolvimento concebido no Brasil é o que se volta ao enriquecimento potencializado de alguns reduzidos núcleos. Este modelo efetivamente é incompatível com a preservação ambiental da Amazônia. Os interesses dos predadores não podem ser identificados com os interesses do país.” (edição de 1994). Já, naquela época, 1994, estávamos às voltas com os mesmos problemas. A diferença é que, para efeitos internacionais, observava-se a possibilidade de diálogo e de esclarecimento, e que as autoridades constituídas tinham pejo em agir, o que ora não tem ocorrido.

Não sei o quanto realmente melhoramos como país, no conjunto das décadas, dentro do século XX e o quanto ainda estamos devendo no conjunto de tais décadas que marcará o século XXI, pela atuação dos nossos administradores, que podem impulsionar a nação para um futuro melhor, que todos, desde o início da República esperamos, paralisá-la ou, o que é pior, desacelerar o seu efetivo crescimento humano e social, sem os quais não haverá crescimento econômico efetivo. Só por magias de estruturações econômicas sem base humana, passar-se-á a imagem de progresso. Bolo sem real conteúdo, vazio, disfarçado em estrutura sólida.

Tínhamos um caminho, o que trilhamos agora? Celso Lafer, no livro “A Identidade Internacional do Brasil e a Política Externa Brasileira” analisou: “...a sociedade brasileira mudou de maneira significativa a partir de 1930, em função do conjunto de políticas públicas, inclusive a externa, inspirada por um ´nacionalismo de fins`. O Brasil urbanizou-se, industrializou-se, democratizou-se, diversificou sua pauta de exportações, ampliou seu acervo de relações diplomáticas. Em síntese, modernizou-se e melhorou seu ´locus standi` internacional sem, no entanto, ter equacionado uma das “falhas’ constitutivas de sua formação – o problema da exclusão social (p.112). E concluindo “(e)m síntese, e para concluir com uma metáfora musical, o desafio da política externa brasileira, no início do século XXI, é o de buscar condições para entoar a melodia da especificidade do país em harmonia com o mundo. Não é um desafio fácil dada a magnitude dos problemas internos do país, as dificuldades de sincronia dos tempos na condução das políticas públicas e a cacofonia generalizada que caracteriza o mundo atual, em função das descontinuidades prevalecentes no funcionamento do sistema internacional. É, no entanto, um desafio para o qual o histórico da inserção e da construção da identidade internacional do Brasil, analisada neste texto, oferece um significativo lastro para a ação bem-sucedida.” (f. 122, edição de 1941).

Pergunta-se: O desafio da política externa brasileira, no início do século XXI, de buscar condições para entoar a melodia da especificidade do país em harmonia com o mundo, está sendo enfrentado e superado pelos pronunciamentos oficiais (Presidência da República, Ministério das Relações Exteriores, Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Educação)? Há uma dúvida que se equilibra na aposta de que estamos apenas atravessando um momento de pane e que tudo voltará na senda da estabilidade, da harmonia e da serenidade. Sem isso, a resposta será negativa.

 

Referências:

BOBBIO, Norberto, Direita e Esquerda – razões e significados de uma distinção política, Editora Unesp, 3ª. ed.

LAFER, Celso, A Identidade Internacional do Brasil e a Política Externa Brasileira, Editora Perspectiva S.A. 1941.

ROBEIRO, Manuel de Almeida, COUTINHO, Francisco Pereira, CABRITA, Isabel, Enciclopédia de Direito Internacional, Almedina, 2011.

SANT´ANA, Afonso Romano, Epitáfio para o Século X X, Poesia.

SEITENFUS, Ricardo, Para Uma Nova Política Externa Brasileira, Livraria do Advogado Editora, 1994.