terça-feira, maio 14, 2024

O Tempo

 


Por Carlos Roberto Husek, professor da PUC/SP de Direito Internacional e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado.

 

Segundo Plotino, filósofo grego, existem três tempos, e os três são o presente. Um o presente atual, o momento que falo, que mal transcorrido um segundo, já é passado, ao qual damos o nome de memória; o outro, o presente do futuro, o que imaginamos que virá a ser. Na verdade, só existe o passado, que se faz presente a cada átimo de segundo, e só existe o futuro, o sonho. O presente é quimérico, embora devêssemos nele nos concentrar e fazer valer, para melhor usufruir a vida.

 

Lembro de uns versinhos anônimos:

“O tempo não me dá tempo

De bem o tempo fruir,

E nesta falta de tempo,

Nem vejo o tempo fugir.

 

Tenho cá a minha própria frase: O meu presente é o passado revivido e o meu futuro é o presente imaginado.

É tempo de recomeçar, de fluir, e depois, terminar, que morrer é só um tempo futuro, que sempre acontece no presente, e permanece na memória dos que ficam, sempre no agora, incrustrado nas células, que a seu tempo presente, a faz concretamente manifesta.

Não sei o porquê escrevo isso!

Talvez o tempo das chuvas, o tempo das águas do Rio Grande do Sul, o tempo dos desastres, que já era passado na memória dos gaúchos e se transporta para o futuro na memória do desastre presente.

E o governo? Só vive no presente oco de realizações passadas, e oco de possibilidades futuras: um governo sem memória, esse que aí está, e talvez, sem futuro.

As águas vieram do rio, da lagoa, do mar, do vento e varreram tudo, que não foi administrado a tempo. Só restou o olhar baço do Caramelo, vinte e quatro horas seguidas, petrificado, em cima do telhado, olhando sem entender o cerco líquido que o impedia de trotar e que o impulsionava à morte.

“Everymore” diria o Corvo negro de Poe, sobre a cabeça branca de Palas Atenas, na escuridão da biblioteca.

 

               Segunda vez neste momento,

                Sorriu-me triste o pensamento;

Vou sentar-me defronte ao corvo magro e rudo;

                 E mergulhando no veludo

         Da poltrona que eu mesmo ali trouxera,

         Achar procuro a lúgubre quimera,

        A alma, o sentido, o pávido segredo

               Daquelas sílabas fatais,

       Entender o que quis dizer a ave do medo

            Grasnando a frase: ´Nunca mais.` 

(O Corvo de Edgard Allan Poe em tradução de Machado de Assis)

 

Morrer, dormir. Dormir? Sonhar, quem sabe?

                                                                       Shakespeare

Foi tudo passado. Esperamos!

sexta-feira, maio 03, 2024

1º de Maio

 


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

A falácia do empreendedorismo, como meio de proporcionar trabalho para o maior número de pessoas é difícil de ser desfeita, em uma sociedade eminentemente voltada para o capital, para as grandes empresas, para a manutenção do poder pelos favorecidos; um nicho de pessoas que se alimentam exclusivamente da força econômica e por ela alimentam a posição social que ocupam.

Empreender não é um mal em si, ao contrário, é um bem, desde que haja instrumentos e capacidade para tanto, a começar pela alimentação e pelo estudo.

Na sociedade brasileira, majoritariamente pobre e/ou paupérrima, de poucos centros de excelência cultural e econômica, empreender, sem os instrumentos necessários de vida social plena, é traçar de forma desarrazoada o caminho das relações sociais.

É hipocrisia, mais do que isso, é o uso indevido da palavra e do discurso, para envolver os jejunos de conhecimento e dominá-los. Pior arma não há do que a fala dos bens aquinhoados pela sorte aos miseráveis, que o ouvem na esperança de uma luz para as suas vidas.

O problema não é o dinheiro e a sua circulação, mas os que manipulam as regras sociais e econômicas, para assediar, envolver e seduzir, os que não podem jogar em igualdade de condições o certame que a sociedade moderna propõe, porque lhes faltam os requisitos básicos de vida orgânica e psíquica, e de informação e experiência, e ficam inconscientes no limbo da comunidade: somos uma sociedade de marginalizados, dominados por pretensos bem feitores.

No discurso do domínio, algumas ideias concentram uma força destruidora:

“O emprego é um mal”;

“O contrato de trabalho, com garantias sociais prejudicam as empresas e a obtenção de lucros”;

“A flexibilização das leis trabalhistas é imperiosa necessidade”;

 “Os que querem melhorar a distribuição de renda, de alimentos e de educação são contrários ao verdadeiro progresso econômico”;

“Só um regime de força, sem eleições, pode salvar o Brasil”;

“As áreas da Educação, da Saúde e quem sabe, até dos presídios, não podem ficar nas mãos do Poder Público, porquanto o particular é sempre melhor administrador.”;

“Somente o mercado pode regular as necessidades sociais.”

“Ter uma Justiça social, como a do Trabalho é uma excrecência no mundo da tecnologia e do capital”.

E, outras. E são tantas e tão variadas, que fica difícil qualquer análise, sem os obstáculos do preconceito ideológico.

O diálogo e a exposição de ideias são fundamentais para a construção de uma sociedade democrática. Temos eu a diversidade cultural o meio mais eficaz de socialização e de aprendizado.

Os radicais – desculpem a expressão quase radical – tendem a ser ignorantes: com eles não se discute; ou se abaixa a cabeça ou se vence pela força, porque as razões moram na musculatura e nas armas, e não no cérebro ou no espírito.

O trabalho com proteção aos mais frágeis deve garantir o mínimo existencial, sem exageros protetivos, e sem exageros econômicos.

O Auto pernambucano, ainda é o retrato de um País desigual:

 

Muito bom dia, senhora,

que nessa janela está;

sabe dizer se é possível

algum trabalho encontrar?

 

- O que fazia o compadre

na sua terra de lá?

 

- Fui sempre lavrador,

lavrador de terra má.

 

- Até a calva da pedra

sinto-me capaz de arar.

 

- Ali ninguém aprendeu

outro ofício, ou aprenderá;

mas o sol, de sol a sol,

bem se aprende a suportar.

 

- Sabe benditos rezar?

sabe cantar excelências,

defuntos encomendar?

 

sabe tirar ladainhas,

sabe mortos enterrar?

 

- Pois se o compadre soubesse

rezar ou mesmo cantar,

trabalhávamos a meias,

que a freguesia bem dá.

 

- Como aqui a morte é tanta,

só é possível trabalhar

nessas profissões que fazem

da morte ofício ou bazar.

(João Cabral de melo Neto - trechos de Morte e Vida Severina)

 

Contra um céu de chumbo

Aquelas árvores desesperadamente verdes!

     (Mário Quintana – Véspera de Tempestade)

  

No Dia do Trabalho vamos enterrar os mortos e abraçar as árvores desesperadamente verdes...