Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito internacional
da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional
Público e Privado
O título tem que ser este, simples, único, cabalístico,
horrendo, golpista, draconiano, troglodita, rodeado de espíritos primitivos,
corporificado por bestas-feras, incompreensível, de olhos sanguinolentos,
espúrio, purulento, lúgubre, plúmbeo, jurássico, maligno, rançoso, rancoroso.
Data em que se associaram os mais comezinhos ingredientes antidemocráticos,
populista, radicais, que fizeram de homens e mulheres (cidadãos?), animais que
buscaram proclamar nova república, pelo tacape, pela arma, pelas pedras, pelos
tijolos, pelos ferros, gritando palavras de ordem, de morte, de enforcamento. Um
Brasil desconhecido – ou sempre existiu? – insano, psicopata, de instinto
assassino.
E não se
trata da falsa argumentação de que devemos deixar de
lado a polarização, esquerda ou direita. Não. Não há esquerda ou direita que
justifique os fatos acontecidos.
A Direita ou a Esquerda?
A derrubada dos símbolos, das instituições, dos prédios, por
meio violento, desinteligente, não é apanágio só dos reacionários e direitistas,
a chamada esquerda, no passado, já fez assim, de algum modo. É o absurdo dos
que entendem ter razão, sem qualquer juízo, sem qualquer equilíbrio, utilizando
o povo como gado, como massa de manobra, desrespeitosamente.
Não discutiram ideias, só arreganharam os dentes como
“pitbulls” enfurecidos e tresloucados. Dá para acreditar, minimamente, em seus
argumentos?
E existem editoriais de jornais que afirmam que o processo
jurídico de busca dos culpados e dos financiadores do lamentável evento deve
ser esquecido! Esquecer como? E se tivessem vencido, destruindo os poderes do
Estado? Estaríamos diante de uma ditadura inconsequente, com muitas mortes,
sacrifícios, escravizações, enforcamentos, um subcomandante em cada Poder, obediente
a um comando único, visionário e idolatrado; sem Justiça, –ou com juízes
subservientes aos vencedores– substituindo a toga pela espada! Sem Parlamento –
ou legisladores subservientes, prontos a aprovarem a disseminação das armas e a
morte dos direitos individuais e coletivos -, e a criação de medalhas e cargos
e loas e faixas e tapetes dourados e tronos para os donos do Poder!
Não discutiram ideias, não desfilaram argumentos, não tiveram
qualquer diálogo, que pudesse influir em uma próxima eleição, porque não
desejavam eleições: só queriam o Poder, destituir os eleitos, quebrar as
regras, zombar das instituições.
Na lembrança do dia 8.1.2023, em Brasília, - presentes o
Executivo, o Judiciário, o Legislativo - todos, absolutamente todos os
governadores e políticos, deveriam comparecer, para demonstrar aos que pensam
que o Brasil pode agir como uma republiqueta sul-americana (de esquerda ou de
direita, tanto faz), que não há mais espaço para bravatas e palavras de ordem e
gritos de revolução e gritos de golpe. Vamos entrar, de vez, na Era da
Democracia, do diálogo e da inteligência.
A falta de afirmação dos valores democráticos e de dizer:
estou presente para defender as instituições, é uma polarização indireta e que
alimenta as polarizações diretas, tão criticadas.
Não se propõe apoiar o Presidente da República – Fulano de
Tal -, mas a preservação das instituições, porque a pessoa que exerce ou venha
a exercer o cargo de Presidente, como outros cargos no cenário nacional, tem
que sentir que deve agir de acordo com a Constituição Federal, e não de acordo
com os seus desejos particulares.
Falta “grandeza”, em geral, nos espíritos públicos.
Falta, no geral, a visão dos estadistas, que pensam no povo,
e que representam o Estado.
Falta a nobreza daqueles que ao chegarem ao Poder cumprem uma
missão pacificadora e de construção.
Não consigo entender pessoas do Direito polarizadas, quando
se trata do cumprimento do sistema jurídico! As posições políticas sobre o
mundo e a sociedade veem antes do estabelecimento da ordem jurídica, salvo se
esta ordem é desordem ou é a ordem de um só – aí continuamos na política. Se a
Democracia está estabelecida e existe o funcionamento das instituições, a visão
político-administrativa, deve ser apenas uma forma de melhor administrar o
Estado, por exemplo, mais presença do Estado nas coisas públicas, mais
privatizações, mais transferências para o particular de nichos do poder, mais
assunção do Estado em matéria de saúde, segurança e de ensino, mais prestígio
às empresas, mais proteção aos trabalhadores, melhor distribuição de renda
(tudo, porém, com vistas ao bem-comum): são visões possíveis, dentro de um
Estado Democrático de Direito.
Enquanto as eleições, os partidos políticos, os políticos em
geral se divorciarem do que a sociedade necessita, continuaremos a ser
pequenos, um “gigante adormecido, numa terra liliputiana”.
Antes tivéssemos, simplesmente, em uma polarização de ideias;
o que temos é um egoísmo das ideias; o outro não existe, os outros não existem.
O povo... ora o povo, porque, como gostam de dizer, há os que nasceram para
servir e há os que nasceram para mandar e usufruir.
Todos nascemos livres com iguais direitos.
Como é difícil a Democracia!