quinta-feira, fevereiro 23, 2023

As mazelas da comunicação e o poder – uma mera reflexão

 


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito internacional Público e Privado

 

Não há efetiva separação entre Economia, Política e Informação, ou comunicação. Talvez, o mais importante para todos os campos da atividade política, venha a ser, exatamente, a comunicação; que é fundamental para qualquer governo.

Não existem governos perfeitos, mas há aqueles que não queremos, de jeito nenhum, porque desrespeitam os princípios fundamentais de convivência social, em um país institucionalmente organizado.

É engraçado, como alguns jornais agora se voltam contra as falas do presidente eleito, em relação ao que pretende fazer e em relação ao que pensa do passado. É legitima a crítica, mas, isto não pode significar que se queira o radicalismo da direita, que não respeita as instituições, a democracia e a Constituição Federal, não.

É certo que, também, não queremos o radicalismo de esquerda, não. Não queremos quaisquer radicalismos, e nisto, talvez a nossa incongruência, somos radicais. Mas, a quem interessa atacar o presidente eleito, como a dizer, que ele é um desacerto? Seria um acerto ter mantido o anterior, que sempre pregou as próprias razões como únicas –para ele não havia Congresso, não havia Justiça– e fazia vistas grossas para o desmatamento, e o incentivava (deixar passar a boiada); contrariava direitos humanos; cooptava as forças públicas; fraudava; buscava a adoração irrestrita; estimulava as “fake news”; desregulamentava a proteção indígena e todas as organizações voltadas para a defesa do ser humano; fazia pouco caso da saúde; somente tinha olhos para as armas; dizia que povo liberto é povo armado (armas sem regulamentação, bem entendido, para alguns, os amigos, embora o discurso pareça dirigir-se a todos). É isso que queremos? A quem interessa a crítica, sem parâmetros: aos golpistas?

Necessário vigiar os que foram eleitos. Isto é certo e é próprio da Democracia, fundamento e legitimidade do Estado democraticamente constituído.

Vigilância sempre, porque o poder exerce encantamento e aqueles que conquistam o poder tendem a se divorciarem rápido dos ideais, se e quando, estes, efetivamente existiram.

Vigilância sempre, para não fazerem bobagens pequenas (como, por exemplo, por uma estrela vermelha nos jardins do planalto ou pendurar uma camisa da seleção brasileira ou do time de preferência em algum mastro oficial –como se fossem propriedades particulares– ou dar cargo a mulheres de governadores e parlamentares eleitos do partido (parece que alguns já o fizeram); favorecer com cargos e comendas, amigos e parentes, como já aconteceu; não estamos devidamente vacinados contra essa prática. Não se pode errar no mínimo ético. Ou, então, grandes bobagens –bobagem é uma forma leve de referência aos desastres políticos (como mudar o rumo das instituições, para favorecer apenas o pensamento dos que estão no poder e perpetuar o domínio; armar as forças para manutenção do poder; ter posse dos bens públicos para objetivos particulares; apropriar-se dos símbolos da República; ir à guerra para afirmação das próprias razões).

E o que dizer dos recursos bilionários para a base de parlamentares (agora, acho que está em R$3 bi), para apresentarem projetos de políticas públicas que nunca saem da eventual projeção, e servem como moeda de troca para uma possível governabilidade? Tem que ser assim?

É necessário vigiar e criticar sempre. Como é difícil a democracia!

Vigiar (e orar) sempre! Há uma certa religiosidade em querer fazer o certo.

De qualquer modo, é impressionante como o esquecimento é uma das nossas mais arraigadas características sociais!

Esquecemos a ditadura e a justificamos, e entendemos que ela foi necessária.

Esquecemos a fome e a justificamos, e entendemos que ela é da natureza dos menos favorecidos pela “sorte”.

Esquecemos as mazelas do voto em papel, que favorecia nichos eleitorais e as justificamos, principalmente quando o candidato que desejamos eleito, não teve sucesso.

Esquecemos as guerras, com suas sequelas de horrores, individuais e sociais, e as justificamos.

Esquecemos as falas e as ações ditatoriais, como as tentativas de fechar o Congresso, destituir os ministros do STF, invadir o Supremo em um veículo com poucas pessoas (manda quem pode; o presidente manda não dar vacina, e o ministro da saúde, obedece); entregar medalhas da República aos familiares, mulher e filhos, pelos serviços prestados, como a Ordem do Cruzeiro do Sul ou a medalha do Barão do Rio Branco, e as justificamos.

O caudilhismo, o caciquismo, sinônimos para uma mesma doença, está no DNA dos países da América Latina: dominar, dominar o povo pela força; dominar o povo pela imagem e pelos bustos e estátuas; dominar o povo pela mitologia (os mitos), os deuses; dominar o povo pela vontade individual, sem o mínimo raciocínio coletivo; dominar o povo pela “canetada”, dominar o povo pelos emblemas, dominar o povo pelo chicote; dominar pelo berrante, como a conduzir o gado humano; dominar o povo pela força; dominar o povo pela ignorância, não prestigiando as escolas e os professores; dominar, dominar, sem atender para as necessidades sociais. E, com isso, passamos a ver beleza na vontade férrea de poucos, na obediência cega de muitos; admirados, ajoelhados e pedintes de um olhar do poder, inconscientemente elegendo para os altares particulares a personalidade midiática do momento.

É querer muito o avanço social e tecnológico para todos, independentemente de raça, religião, partido político, sexo, filosofia, opção sexual?

Só palavras e discursos resolvem?

Uns nasceram para servir e outros para mandar? É isso?

Queremos democracia plena, verdadeira, transparente: nenhum ser humano é inferior a outro; o que há, são os malandros –na ampla expressão do termo– que buscam vantagens pessoais e inferiorizam os demais. Possibilitar a aquisição de conhecimento é um perigo para os que dominam. Fazer com que o outro se creia inferior é a medida natural, às vezes na vida empresarial, e, quase sempre, na vida pública.

A quem interessa o discurso contrário aos direitos humanos, seguido de exemplos carregados na tinta, de assaltos e mortes? (Morte aos que assaltam e matam). É preciso combater o crime, mas também é necessário preveni-lo.

Por que é tão difícil entender que a escola salva e pode antever a existência do futuro bandido? Na concepção de muitos, não há jeito (pau que nasce torto morre torto –teoria lombrosiana?), mas, se isso for uma verdade, com a escola, o número de desajustados, é de se presumir, será bem menor, e para estes, em uma sociedade organizada e de progresso científico, poderá haver tratamento.

Por que criar marginalizados?

Não é lógico entender que o marginalizado de hoje é o revoltado de amanhã?

A quem interessam as armas? O ditador da Coreia do Norte fez há poucos dias uma exibição de seu armamento nuclear!

Os ditadores são previsíveis! O sofrimento é previsível! A ganância é previsível! No entanto, continuamos de olhos fechados, achando que tudo é natural!

Será que somos lombrosianos?

quinta-feira, fevereiro 02, 2023

Iemanjá - Dia 2 de fevereiro – dia de sua consagração

 


Por Carlos Roberto Husek – professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

 

Iemanjá, nascida do consórcio de Obatalá, o céu, com Odudua, a terra, deusa das águas, que no sincretismo católico é a Nossa Senhora, mãe do mundo, nos tenta governar, de alguma forma.

Em épocas de esgotamento e decadência, as lendas – nossa época – se lendas forem, quando bem analisadas, revelam verdades profundas.

Há um inconsciente coletivo (Jung), que aflora nos mitos, nas alegorias, nos deuses, e são tão reais e verdadeiros, que quase podem ser tangenciados, e certamente vividos. Nossa pretensa vida consciente, nada mais é do que um pálido reflexo da realidade que está intrínseca em nosso ser.

O inconsciente está levemente sedimentado pelos cascalhos acumulados ao longo da vida; que por vezes arrebentam entre essas frágeis paredes e aparecem à luz do sol, com todo o seu esplendor.

Quem somos, afinal?

Há que se duvidar das aparências e das qualificações: monstros, anjos, seres impensados, que não se denotam, mesmo que olhemos fixamente no espelho. Van Gogh tentou e até fez um autorretrato, analisando-se, perscrutando-se, sem uma das orelhas, a direita, que decepou, sem piedade, oferecendo-a embrulhada, de presente, a uma prostituta da ocasião.

Ele não era a sua orelha, ele não era nenhuma parte de seu corpo; sob os cascalhos da vida, estava internalizado, onde poderíamos encontrar o genial artista, que em uma abstinência de álcool – naquele instante – buscou cortar um pedaço de si mesmo para presentear um momento de amor.  

Iemanjá, Mãe-d´Água, também nos remete ao que está acobertado, e que de tempos em tempos, escapa e se apresenta no vai e vem das ondas.

O oceano, águas de uma grande bacia global, se agita de um para outro continente, e boa parte dos seres vivos, em momentos de dificuldade invocam os deuses, com vários nomes e várias representações, todos, provavelmente, na pele representativa de Iemanjá.

O Brasil tem sete mil, quatrocentos e noventa e um quilômetros de litoral, banhado pelo mar. Iemanjá, faz com que as ondas beijem as praias ou se encapelem raivosas, atingindo as cidades, adentrando o continente, enfurnando brancos, índios, pretos, todos, de certa forma presos, pelos grilhões líquidos e inconscientes do domínio, do egoísmo, da insensatez.

Quando os portugueses conquistaram a costa brasileira, tornaram seus trabalhadores, os índios, que lá viviam da pesca e da caça – o paraíso prometido; depois inauguraram a rota da escravidão – Brasil/África – e a partir daí, o território nacional passou a ser o encarceramento de almas, em busca de romper as cadeias civilizatórias para um novo mundo.

Iemanjá, sempre prestimosa, buscou trazer mensagens de paz – vagas suaves no mar azul – e molhar as areias, com suas lágrimas e desvelos, embora, também se exalte, e irada, em conjunto com outros deuses, principalmente Inhaçã, deusa dos ventos e da tempestade, faça multiplicar as águas, nos campos e nas cidades, como desastres infindáveis, mortes e sofrimento. Vem através dos cascalhos coletivos e individuais, e nos abraça, nos perdoa e nos castiga, por continuarmos a derrubar as matas, a matar os índios, a escravizar, a impor a todos a fome, a sede e o abandono e os planejamentos marginais.

 

Iemanjá,

               Iemanjá,

Azul, azul do mar,

suba no horizonte;

     e os continentes,

a navegar

        nas suas ondas,

sinuosas,

                sabe-se lá,

onde vão parar!

 

Que Iemanjá e os deuses tenham pena de nós!