(aqui, uma explicação: o presente texto é de simples ironia,
sem qualquer cor religiosa, embora a expressão “vendilhões do templo” e a
figura da “sinédoque” – que em termos simplório é a troca do todo pela parte,
uma espécie de metonímia, também serve para a nossa análise
por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional
da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional
Público e Privado
Apesar do título, vamos a uma metáfora, bem exemplificada por
Mia Couto:
“A guerra é uma cobra que usa nossos próprios dentes para
nos morder. Seu veneno circulava agora em todos os rios de nossa alma. De dia
já não saímos, de noite não sonhávamos. O sonho é o olho da vida. Nós estávamos
cegos.”
E uns versos de Thiago de Mello em os Estatutos do homem:
“Fica decretado que todos os dias da semana,
Inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
Têm direito a converter-se em manhãs de domingo.”
A humanidade está em um momento crucial de interpretação
errônea dos fatos, dos atos e das pessoas. Parece que regredimos socialmente,
ou então, estamos patinando no caminhar da história, repetindo eventos, apenas
com a mudança de personagens e, por vezes, com a mudança dos palcos em que as
ações se desenvolvem.
Século XXI! E continuamos a pisar nas pedras e areias da
época de Cristo, e a crucificá-lo, ainda que os vendilhões do templo venham a
ser expulsos, por aqueles poucos que em suas comunidades, em seus pequenos
grupos de amigos, tomam a atitude de se posicionarem contra os acontecimentos.[1]
O Templo, dizem os exegetas, é o nosso próprio corpo, e nos
dias de hoje pode ser considerado, também, o globo terrestre. Os vendilhões
estão espalhados, encapuçados, exercem diversas profissões, e, principalmente,
estão à frente dos poderes do Estado e das organizações criadas pelo homem.
Quem expulsará os vendilhões do Templo?
Julga-se o povo pelo seu líder: os judeus por Netanyahu, os
palestinos pelo chefe dos grupos terroristas, os coreanos do norte por Kim
Jong-un; os russos pelas ações de Putin; os iraquianos pelo Aiatolá que lá se
encontre, em um ir e vir do todo pela coisa, do grupo pelo homem, da ideia pela
ação.
Quem expulsará os vendilhões do Templo?
Pode-se fazer críticas às ações de um governo, sem que isto
represente censura ou condenação ao seu povo ou reatualização dos atos
desumanos de uma guerra; esta hipótese pode ocorrer, com todos os líderes supramencionados,
sem que isso retrate a alma das pessoas que vivem em seus respectivos
territórios.
Personificar um povo pela ação desumana, desastrosa, confusa,
sanguinária daquele que detém a representação do Estado, é incentivar a
incompreensão e a guerra, como, efetivamente querem seus expositores.
Quem expulsará os vendilhões do Templo?
Aceitar e receber as
críticas sobre as ações de vindita e de perseguição, é admitir que o líder daquele
Estado, possa não estar totalmente certo nas suas avaliações políticas. Quem
sabe as estratégias diplomáticas e de poder possam ser analisadas e qualificadas
de forma diversa, e assim, mudar rumo da história! Sabe-se, no entanto, que tal raciocínio é de
difícil concretização, tendo em vista motivações históricas, geopolíticas,
econômicas, religiosas e de domínio.
As dificuldades são muitas e muitas as variáveis do xadrez
internacional; o povo, por vezes, age sem pensar, pega em armas e bandeiras e
proclama sua raiva contra aqueles que são apontados como inimigos, provavelmente,
outro povo, que não sabe com clareza as motivações da guerra.
Atacar para defesa de um território é possível, mas não se
pode admitir a ultrapassagem dos limites aceitos pela comunidade internacional,
principalmente os limites referentes aos direitos humanos; afinal, a humanidade
é uma só, e a ideia, nas mais avançadas doutrinas, é a de que tais direitos
constituem o “ius cogens” internacional, independentemente da existência de
tratados assinados e compromissados pelos Estados.
Perigoso provocar o contra-ataque – que também deve ser
reprimido - de outros povos que se veem atingidos pela demonstração de poder e
de força, daquele que possui armas e razões iniciais para uma contraofensiva ou
para um novo ataque.
Quem expulsará os vendilhões do Templo?
Não haverá parada, a não ser pelo número de mortos, e
eventualmente, pela rendição (talvez seja este o objetivo de alguns líderes).
Vai aqui um versinho despretensioso, de quem vê o mundo pelos
olhos da ingenuidade e pelas razões do idealismo:
Na crônica da desesperança
na metáfora da escrita,
ilude-se esta criança
entre vocábulos constrita.
Razões existem para tudo,
Irrefletidas e pessoais,
daqui a pouco no globo mudo
só restaram animais!
[1] Evangelho
de São João. Jesus expulsa os vendilhões do Templo (vendedores de bois,
ovelhas, pombas, cambistas). Foi um gesto de raiva e de purificação, de
afastamento das iniquidades, de limpeza.