Por Carlos Roberto Husek – professor de Direito Internacional
da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional
Público e Privado
Nós somos parentes dos chipanzés que, ao contrário do que se
acreditava, matam, embora nem sempre por sobrevivência ou por conquistas
individuais de território e liderança em relação a uma fêmea, matam com
requintes de crueldade e se unem em grupo para defender as próprias ideias , se
possível, terminar com os inimigos:
“ligações através dos machos significa os machos formando
coligações agressivas uns com os outros, em apoio mútuo, com outros grupos – os
Hatfield contra os MacCoy, os Montecchio contra os Capuleto, os palestinos
contra os israelenses, os norte-americanos contra os vietcongues, os tutsis
contra os hunos. Pelo mundo afora, dos Balcãs aos ianomâmis da Venezuela, dos
pgmeus da África Central à disnastia Tang da China, dos aborígines australianos
aos reinos havaianos, os homens aparentados entre si sistematicamente lutam em
defesa de seu grupo.”[1]
Wrangham e Peterson descrevem: “um a um, seis machos da
comunidade de Kahama desapareceram, até que em meados de 1977, o único defensor
solitário era um adolescente chamado Sniff, com cerca de 17 anos. Sniff, que
nos anos 60 tinha brincado, ainda criança, com os machos de Kasekela, foi
apanhado em 11 de novembro. Seis machos de kesekela, gritando e latindo de
excitação, esmurraram, agarraram e morderam sua vítima furiosamente, ferindo-o
na boca, testa, nariz e costas e quebrando-lhe uma perna. Goblin golpeou a
vítima repetidamente no nariz. Sherry, um adolescente apenas um ou dois anos
mais moço do que Sniff, esmurrou Santan, agarrou Sniff pelo pescoço e bebeu o
sangue que lhe escorria pela cara. Depois Sherry juntou-se a Satan e os dois
machos, aos gritos, puxaram o jovem Sniff colina abaixo. Sniff foi visto um dia
depois, mutilado, quase incapaz de se mover. Depois disso não mais foi visto, e
foi dado como morto”[2]
Assim, não parecem absurdas as manifestações de ódio, de
loucura, de vingança, de grupos radicais. São primitivas, advindas dos
chimpazés, nossos primos. Todavia, se é assim, estaremos condenados a comermos
uns aos outros, para conquistas desejadas: brancos contra pretos, cristãos
contra mulçumanos, amarelos contra vermelhos, ditadores contra democratas?
A evolução humana não deveria paralisar esse estado
permanente de luta, de enraivecimento, de incompreensão, de animalidade?
Afinal, somos todos animais!
Qual seria a saída? Instituições, regras, princípios,
Direito. A inteligência a serviço da sociedade; a cooperação, o respeito às
ideias contrárias, o respeito às diferenças. A civilização vai alcançando alto
grau de convivência, à medida que estabelece um “modus vivendi” que ultrapassa
a sua condição biológica primitiva.
Viemos do macaco mas para onde vamos? Para o macaco,
novamente?
Até os chimpazés aprenderam e progrediram e passaram isto no
DNA para as futuras raças, chegando no ser humano, por caminhos tortuosos e, de
certa forma, aleatórios:
“Imagine que você está numa área de chimpanzés na África
Ocidental, por exemplo, andando por uma floresta quente e sombria, e ouve o som
de um martelar. Você vai em direção dele, talvez pensando que está perto de um
vilarejo africano. Forçando a passagem, por um emaranhado de arbustos, você
finalmente chega a uma área relativamente aberta e vê chimpanzés selvagens
pacientemente trabalhando sob uma grande árvore que produz coquinhos. Eles
estão utilizando martelo de pedra, martelando num coquinho duro até parti-lo...
(...) Uma jovem está tentando, mas ainda não pegou direito o jeito... (...) A
mãe toma-o de sua filha, vira-o do outro lado e demonstra a ela como se faz.
Alguns minutos depois, a filha pega a pedra de volta e tenta do mesmo jeito da
mãe...”[3]
Somos o macaco com algum aprendizado de convivência e dentro
de nós o inconsciente das eras anteriores da formação humana nos impulsiona
para a guerra, para a conquista, para a morte, para o domínio sobre o outro,
para o desejo de estarmos acima de muitos que nos reverenciam.
Ao que parece esse ser primitivo nos domina; amiúde, vemos
incongruências, desinteligências, ações não compreensíveis, que nos parecem
profundamente animalescas e em desacordo com todo aprendizado cultural e
civilizatório. Mas, é isso.
O estudo diuturno, o trabalho incansável, o descobrimento
prolongado na busca das próprias origens, a inquirição obstinada das próprias
razões (“Conhece-te a ti mesmo”), é que nos distanciarão, cada vez, mais do
animal que nos constitui.
A política ainda é um campo de chimpanzés.