terça-feira, setembro 17, 2024

Tempestade na ordem jurídica – Construção de bancos de areia. O mar e a montanha se confundem, e tudo parece real!

 



Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito internacional Público e Privado


Os ditadores não respeitam nada, nem a própria ordem jurídica interna nem a ordem internacional. A lei Maior de um país, quando democraticamente posta, e os tratados e convenções internacionais não representam qualquer responsabilidade para aqueles que só pensam no poder.

A liberdade de falar e de agir, contrária às mínimas regras de convivência, estabelecidas, não pode ser maior do que os princípios e normas constitucionais, ou pode?

Quadrinhos do Calvin:

- Sua professora disse que você precisa dedicar mais tempo ao dever de casa.

- Mais tempo? Eu já gasto dez minutos todinhos nele! Dez minutos desperdiçados ralo abaixo!

- Você escreveu aqui 8 + 4 = 7? Isto está errado e você sabe disso.

- Tá eu arredondei um pouco, me processa então.

- Você não pode somar dois números e acabar com menos do que começou.

- Posso, sim! Este é um país livre! Eu tenho meus direitos!” (grifos nossos).

 

No Brasil vivemos assim: tenho direitos de falar e agir, como eu quiser, mesmo contrariando a ordem natural, material ou jurídica das coisas. “Me processe quem discordar”

Há necessidade de explicar o óbvio; que não se pode agir e falar o que se quer, a qualquer hora, e impor a própria vontade contra decisões coletivas, fazendo pouco caso da sociedade, e buscando não pagar o preço da responsabilidade de agir assim? (...mas há os querem anistia, por tentarem dar um golpe de Estado, rasgarem a Constituição, destituírem o governo, planejarem mortes, derrubarem e estraçalharem o patrimônio público, e sabe-se lá o que mais)!

Faz-me lembrar o personagem Fabiano de Vidas Secas, de Graciliano Ramos, que preso no cárcere, por pouca coisa, viu-se obrigado a obedecer a um “soldado amarelo”, que o empurrou para o cárcere e nele bateu, com o auxílio de outros (covardes sempre agem em grupo), só porque ele não soube responder o que lhe perguntara. Somos todos fabianos diante dos governos despóticos, que vomitam as próprias razões e se acham donos da verdade.

A Venezuela é comandada por um ditador (não tenho medo da palavra, não sou diplomata, nem represento o Estado), que manda no Parlamento e no Judiciário interno, escudado pela força militar.

Há, também, os que buscam dominar povos e nações por intermédio do capital, apoiados pelos interesses de grupos que justificam a desobediência civil só para manterem a posição econômica, e pior, atacam quem decide, qualificando-o como ditador e criminoso!! Quem espera ditar as normas pelo poder do dinheiro e pratica o crime? Afinal, desobedecer a normas constitucionais e infraconstitucionais, é permitido para alguns e proibido para outros? Os que são influenciadores e têm dinheiro podem fazê-lo, o resto do povo, não?

Em relação ao domínio de grupos econômicos, a única saída é a manutenção da ordem pública, a ordem do Estado, que, no caso do Brasil, ainda que não seja perfeita, foi democraticamente estabelecida e não se baseia na vontade de um homem ou de um grupo ou partido, o que vem garantido por eleições regulares.

Em relação à Venezuela – que não é simplesmente um regime “desagradável” – ficou clara a ditadura em que vive, cuja origem, da esquerda ou da direita, não tem o condão de justificá-la, porque os ditadores deixam de lado suas eventuais origens ideológicas, religiosas ou filosóficas para concretizarem uma satisfação estritamente pessoal, esquizofrênica, egoística e psicótica.

Voltando a pensar no Brasil, que alívio vivermos em regime democrático, que admite todas as falas e ações, mas não pode admitir tais ações e falas que busquem acabar com a própria democracia.

Injustificável! “Dou a você todo direito de ir contra mim, incluindo a arma que ponho na sua mão para me matar...!!” Não, não! Derrubar a ordem jurídica, queimar livros, eleger mitos e inimigos da pátria, apontar bruxas, chamar juristas para justificar interpretações estapafúrdias e direcionadas da Constituição, e fazer discursos elegendo um inimigo, porque ele usa toga e decide (bem ou mal), dentro da competência que lhe dá a Lei Maior, é a motivação dos que ignoram qualquer relação social, com base na lei e qualquer possibilidade de progresso democrático (Ditadura a exerce quem tem nas mãos a arma e o poder, não quem interpreta a lei e exige o seu cumprimento, que se errar nessa interpretação, pode ser combatido por caminhos processuais postos na própria ordem jurídica, e não por discursos inflamados).

O mundo passa por uma tempestade de dominadores e repressores, que se instalam em quase todos os países, protegidos pelas regras democráticas, de que podem falar e agir abertamente (direito de falar e agir), tentando derrubar a própria ordem jurídica!   

Quem é o verdadeiro repressor? O que após um processo regular decide ou o que busca impor sua vontade pelas redes sociais a favor de interesses particulares?

Há uma linha tênue entre liberdade e libertinagem, entre decisão oficial e decisões particulares, entre praticar atos a favor da sociedade e praticar atos a favor de grupos de interesse.

A responsabilidade é de todos pelos próprios atos. Alguns desses atos, vindos a lume pelos que estão no poder do Estado, se contrários ao sistema jurídico, podem ser combatidos pelos meios legais; outros, no entanto, que se utilizam de todos os meios de divulgação para fundamentá-los e influenciar os poderes paralelos do Estado, se obtiverem sucesso no seu intento, ficarão à margem de qualquer regra.

Lembro o artigo 3º. Da Constituição Federal:

Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” E para completar, nas relações privadas que ultrapassam as fronteiras do Estado, há o vetusto e esquecido artigo 17 da LINDB: “As leis, atos e sentenças de outros país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.

É uma luta insana. Quem aparece em vídeos dançando, sorrindo, correndo atrás de pombas, fazendo pouco caso da ordem jurídica, e circundado de uma áurea de vencedor, está certo de possuir o domínio da opinião pública. E, talvez o possua, porque vivemos no mundo das redes sociais.

Bem, esta é uma opinião minha, posta na ODIP, que está livre para todas as divergências. Claro, posso estar errado e admito as divergências. Convido a todos a pensar, ou podem dizer, como deu a entender o Calvin: o resultado da minha soma é aquele que eu quero, e não o que diz a Aritmética!