segunda-feira, março 31, 2025

À guisa de entendimento da ordem jurídica

 


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

Vamos refletir, anistia não pode ser, pura e simplesmente um perdão para isentar de punição todos que infringiram a ordem jurídica, independente de seus crimes, e das consequências deles resultantes.

Não se pode, simplesmente, “passar uma borracha no passado”, quando este passado está tão presente e representa, de certa forma, por suas ideias e líderes, um crime permanente e continuado.

Perdoar é humano e revela uma proximidade com o divino, quando os eventuais perdoados se mostrarem conscientes.

A Democracia, a ordem jurídica, a Justiça e a sociedade podem pagar um preço irreparável pela tolerância, quando em jogo as próprias instituições criadas pela Democracia, embora o perdão seja sempre uma possibilidade humana de prática fundamental

Qual a defesa da Democracia?

A ordem jurídica, em um Estado Democrático de Direito, deve ser suficientemente forte, com juízes íntegros, parlamentares idôneos e administradores preocupados com o povo para, ainda assim, dar oportunidade aos que erram e abrir diálogo com aqueles que enxergam o mundo por prismas diferentes.

Algum país alcançou este patamar?

Observe-se que há casos em que países conhecidos pelos ensinamentos na defesa de princípios republicanos, podem eleger líderes que desejam, em pleno séculos XXI conquistas territoriais e buscam mudar a própria geografia do mundo hoje baseada na soberania dos Estados e em fronteiras previamente traçadas, não levando em conta os princípios da paz e da não intervenção em outros países!

É uma luta constante, diuturna, incansável porque os próprios líderes e pensadores ficam na dúvida como proceder. Os instrumentos que têm aqueles que pensam com humildade e duvidam dos caminhos imaginados, são constituídos de ideias, pensamentos, incredulidades, e não de armamentos preparados para a guerra O mais forte, em um primeiro momento, sempre vence: a verdade do diálogo e da democracia demora anos para se concretizar.

Não há dúvida que o Judiciário tem lá os seus erros – qual instituição que não sofre de erros, se constituídas de seres humanos? -, mas há que se reconhecer que magistrados, que decidem com fundamento na Lei Maior, têm coragem essencial para aplicar a lei e para manter a ordem jurídica, e são as colunas que sustentam a Democracia.

Parece haver uma onda social, que de tempos em tempos ultrapassa os limites do razoável, e a sociedade pode aparentar regredir e sucumbir ao que há de pior, para reagir e depois reafirmar valores maiores, reconhecidos como fundamentais para o progresso do indivíduo e da coletividade. No entanto, poderá vir a aplaudir novos fatos amparados pela nova (velha) religião política de domínio!

O que fazer?

Combater sempre, resistir sempre, ainda que isto se transforme em doença estressante e quase sem fim. Na verdade, ao final, cremos que mesmo a passos pequenos, alguma evolução mínima existirá, porque a sociedade humana já saiu, em grande parte, da escravidão, da morte do inimigo e da vingança, para um patamar de argumentos e de ideias, ainda que eivadas de desinformação. Já é um progresso!

Vamos lembrar aqui alguns artigos da Constituição Federal – nossa bíblia -, “Artigo 1º. que estabelece: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; Parágrafo único. Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” 

Artigo 3º. “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:” “I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;” “II – garantir o desenvolvimento nacional; “III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;” “IV – promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” 

“Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” “I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;” “II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;” “III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano e degradante;” “XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido o prévio aviso à autoridade competente;” “XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícito, vedada a de caráter paramilitar”. “Artigo 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante.” 

O artigo 17. “É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos;”

“Par. 4º. É vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar.”

Tem outros artigos fundamentais, como é possível sempre lembrar. Entendemos que se deva ler a nossa Constituição Federal com os olhos das primeiras letras, olhos que descobrem as primeiras lições e se entusiasmam com as novas descobertas; e que se deva, depois, esmiuçá-la, decompô-la em suas partes, com os olhos de um cientista que em seu laboratório jurídico decifra a essencialidade do ordenamento que dela deriva.

Não se diga que a Constituição Federal de 1988 é perfeita, mas é obra do tempo e de uma sociedade, e tem virtudes que podem ser identificadas e dimensionadas, na esfera da Justiça e do Direito.

Tê-la ao lado da cama, antes de dormir, para uma leitura básica, pode ajudar a melhor entender os valores em jogo que se acomodaram nos seus artigos, itens e parágrafos.

Boa leitura a todos!