Carlos Roberto Husek
Prof. de Direito Internacional da PUC/SP
Um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito
Internacional Público e Privado
No livro “A Razão Africana – breve história do pensamento africano contemporâneo”, Editora Todavia, de Muryatan S. Barbosa (historiador sueco), há um primeiro capítulo sobre “A personalidade africana” (p.13 a 68), em cuja primeira parte, até a p.28, descreve coisas interessantes, cuja sinopse de suas principais ideias damos agora, com alguma referência comparativa com o Brasil. Nossa pretensão é a de estimular o leitor da nossa Oficina para pensar no tema. Aceitamos, de bom grado, futuras contribuições.
“No mundo contemporâneo as gerações tendem sempre a se ver
como modernas e únicas...(...) Quando essa impressão comum se transfere para o
mundo das ideias, o que se vê é a proliferação de ´novas` teorias e
interpretações. É a busca pelo ´novo` a qualquer custo que força originalidades
e omite heranças intelectuais. Como se esse ´novo` não carregasse, consciente
ou inconscientemente, sua própria carga do passado...(...) O pensamento
africano contemporâneo nasce como uma resposta das elites intelectuais da
África e da diáspora africana ao desafio europeu expresso pelo colonialismo –
mas não somente isso. É também uma resposta à grande transformação do mundo
provocada pela consolidação da Revolução Industrial, que, criou novos modos de
produção, organização social, formas de pensamento e estilo de vida. É comum
colocarmos a Conferência de Berlim (1884-85) que dividiu a África entre
potências europeias, como o marco do nascimento de uma nova era na história da
África, a Era Colonial, quando esse desafio se apresenta para todo o continente
africano...(...) Todavia, vale lembrar que, em certas regiões da África, o
processo de roedura do continente – a espoliação de bens, a divisão
geo-política por parte das nações europeias – já havia se iniciado décadas
antes...(...) Por todo continente, desde o primeiro quarto do século XIX, a
presença crescente de europeus levava vários soberanos africanos a buscar
formas de se defender por meio de uma renovação e modernização interna....(...)
Em decorrência dessa progressiva influência dos europeus nas regiões litorâneas
africanas, aumentou consideravelmente à época o número de africanos
ocidentalizados – formados nas letras europeias e com educação cristã...(...) O
mesmo ocorreu em outras regiões costeiras. Já no século XV, filhos das elites
do Reino do Congo iam estudar em Portugal. Desde o século XVIII, africanos
livres do cativeiro conseguiam se formar intelectualmente na Europa, em geral,
com a assistência dos abolicionistas...(...) Em tal contexto, em meados do
século XIX, é possível observar dois fenômenos relevantes na formação do
pensamento africano. O primeiro deles é a importância cada vez maior da
diáspora africana. Em particular aquela estabelecida nos Estados Unidos. O segundo é a consolidação do missionarismo
cristão, da Europa e das Américas, para a África...(...)
Neste espaço, diz o autor consagraram-se alguns
afro-estudinidenses, dentre eles Edward Wilmont Blyden.
“...sua trajetória: embora fosse caribenho de origem
(Ilhas Virgens), Blyden passou a maior parte de sua vida na África, vivendo na
Libéria, em Serra Leoa e em Lagos (Nigéria). Foi para lá voluntariamente, tendo
sua passagem paga pela Sociedade Americana de Colonização...(...) tornou-se
missionário, professor, político, escritor, jornalista e diplomata...(...) Em geral, ele é tido tanto como um
dos ´pais` do pan-africanismo e um dos pioneiros do nacionalismo africano.
A partir daí o autor desenvolveu o pensamento e a atuação de
Blyden, como divulgador da existência de uma personalidade africana, de um
autogoverno e de uma unidade para a África, bem como de uma volta às origens de
todos aqueles que fizerem a diáspora africana, espalhando-se pelo mundo,
principalmente fixando-se nos Estados Unidos da América.
Embora não tenhamos a mesma concepção de que houvesse uma
necessidade de volta às origens, entendemos que há sim, uma unidade africana,
apesar dos diversos povos, países e grupos raciais lá existente, pelo
menos uma unidade da África negra, não pelo seu conteúdo racial, mas
sim, pelo conteúdo histórico, uma vez que a África negra forneceu, independentemente
dos seus Estados, os escravos para a Europa, e para as Américas. As línguas, as
crenças diversas, e filosofias próprias de cada grupo, e a gênese racial
diferenciada, não foram fatores de seleção, porquanto todos ultrapassaram as
fronteiras de sua terras para servirem aos brancos colonizadores.
É certo ainda que em várias cidades os negros se juntaram em
comunidades e mantém práticas religiosas e costumes da velha África, ainda que
não a conheçam, ante a natural multiplicação de gerações nascidas em outros
países. No entanto, pode ser que pelo sangue ou pelas células tenha havido a transmissão
de uma consciência dos tempos antigos, que permitiu a reprodução de uma
singular visão da vida, como, deve acontecer com todos os indivíduos de outros
povos; japoneses, italianos, tchecos, espanhóis, portugueses, que resolvem
migrar para outras terras. É só constatar como se repetem hábitos, costumes,
alimentação e uma particular forma de ver os acontecimentos.
Assim, não só com os descendentes de africanos que se
encontram em nosso país, mas também com todos aqueles que buscam escapar de
suas origens, por vontade própria ou por necessidade. Ocorre que com aqueles
que vieram da África, em especial da subsaariana, o que ficou incrustado é o
passado escravo e de sofrimento, em relação ao qual, as leis de inclusão e de
quota, ainda pouco fazem, porque é preciso mudar o ensino, mudar a mentalidade,
mudar a essência para a verdadeira integração.
Blyden foi um intelectual que construiu argumentos para um
nacionalismo africano, um renascimento de cultura e de propósitos, que pudesse
contrariar o poder colonial. Poder que abriu caminhos marítimos regados de
sangue e de tristeza; banhados pelo banjo das músicas e dos cantos que
certamente eram entoados pelos escravos, enquanto+ remavam para terras
distantes, apartados dos seus, do seu sol – que era único -, de suas matas, de
suas aldeias, de suas cidades, dos seus entes queridos. Não reconhecer que, de
algum modo isto ficou embutido, arraigado no inconsciente de cada descendente,
é fechar a compreensão para as descobertas da Psicanálise. Temos, dentro de
nós, os nossos antepassados com suas alegrias e agruras, sagas e desvelos, o
que não impede a integração em qualquer sociedade – ao contrário enriquece-a –
bastando que essa incorporação social deva ser efetiva, verdadeira assimilação.
Se tal aconteceu com diversas nacionalidades que vieram viver no Brasil, não
parece que, o mesmo se deu com os africanos, que tiveram história mais
aflitiva, para dizer o mínimo, e não conseguiram a verdadeira integração.
Não há necessidade de desfazer a diáspora, porquanto após tantos séculos, outra diáspora ocorreria e os descendentes de escravos, não são mais escravos e sim brasileiros e tomaram pelo nascimento a nacionalidade de outros países, como a dos Estados Unidos da América. Afinal, qual de nós é autóctone desta terra, exceção feita aos índios? Devemos todos estarmos – como em grande parte já acontece - absorvidos e incorporado; amarelos, brancos, negros. O passado deve ficar como sinalização do que não mais pode acontecer, ainda que de modo indireto ou de forma velada. Esta é o único modo de reconstruir o Brasil.
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