O Direito Internacional, o Estado e a eficácia
Por Carlos Roberto Husek – professor de Direito Internacional
da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional
Público e Privado
O Direito Internacional passou e passa, rapidamente por
diversas fases, e quando o estudioso pensa que se apropriou de seu instrumental
e de sua técnica, surpreende-se com a sua ignorância. O que parecia uma ilha,
era, na verdade, um vasto território; o que parecia um vasto território, era o
próprio globo terrestre; o que parecia o globo terrestre, ora se apresentava,
como algo sutil, espiritualmente posto; o que parecia política e fato, era
jurídico; o que parecia juridicamente positivado, era filosofia jurídica; o que
parecia filosofia jurídica, era essencialmente humano e prático; o que parecia
um sonho, era a realidade.
O Direito Internacional, como sistema, não é primitivo e
incompleto como sempre se divulgou, porquanto nele se pensou com os parâmetros
positivistas das demais matérias do mundo jurídico.
Há de se inquirir: existe Direito sem sanção? Existe ordem
jurídica sem regras rígidas que devam ser obedecidas sob alguma penalidade?
Efetivamente, comparar o Direito Internacional com as
experiências internas dos Estados é negá-lo, porque é sabido que não tem as
mesmas características, embora não deixe de ser Direito e de ter a sua
eficácia; eficácia esta que não depende de sanções e de forças coercitivas, e
“hard law”, mas de cooperação, convencimento, de “soft law”, de ductilidade,
adaptação, de reconhecimento dos diversos modos de ver o mundo, da interação
entre os povos, independentemente de suas diferenças.
E quem disse que as
ordens jurídicas dos Estados, somente são assim consideradas, por que são
sancionadoras? Uma ordem jurídica sobrevive como ordem, por determinar
rigidamente os caminhos, ou sobrevive porque os caminhos determinados são tidos
como corretos? Desobedecesse amiúde, em todos os níveis as ordens postas, quer
seja na área política, na área criminal, na área tributária, na área comercial;
as cadeias estão lotadas, os mandados de prisão pululam, as intimações de
pagamento percorrem o território, os ocupantes do poder, tergiversam e
contrariam os deveres mais básicos, as Constituições são desrespeitadas, as
autoridades assinam papéis e ficam de joelhos para os interesses dominantes,
interpretam-se as leis de acordo com os interesses de grupos, mas todos
assistem os desfiles militares nas datas emblemáticas, fazem discursos a favor
dos pobres, desajustados e famintos, pregam os direitos humanos, enquanto andam
pelas ruas bandos de esfomeados e maltrapilhos. Pergunta-se: a ordem jurídica,
como a juridicamente concebemos, funciona? É uma ordem, e isto é o Direito?
Ainda que não confundamos ordem jurídica com o Direito, para
os efeitos deste artigo, vamos olhar o Direito Internacional como um todo, já
que o positivismo encontra-se intimamente ligado ao Estado.
Direito e Estado
são realidades indissociáveis, subordinadas, dependentes, na visão clássica,
mas há uma nova realidade, e aqui, nos valemos das lições de Jónatas Machado; “Uma
importante linha doutrinal sustenta a tese de que o desenvolvimento do direito
internacional nas últimas décadas permite que este seja compreendido através da
sintaxe, da semântica e da pragmática do direito constitucional. Parte-se da
emergência e consolidação de uma comunidade internacional portadora de valores
fundamentais, geradoras de normas jurídicas consagradoras de obrigações ´erga
omnes`, e da tendência crescente no sentido da codificação dessas normas em
termos quase constitucionais. Estes valores fundamentais, radicados na
consciência jurídica coletiva dos povos, elevam-se a uma espécie de
supraconstitucionalidade autogerativa, materizalizando-se num conjunto de
normas básicas da comunidade internacional globalmente considerada, integrando
a respectiva ´Constituição` ou `Codex fundamental`. A comunidade internacional
apresenta-se, cada vez mais, como comunidade constitucional, em contraponto à
dimensão parcial assumida com intensidade crescente pelo constitucionalismo
nacional...(...) Se um conjunto crescente de povos escolhe, em sede
constituinte, os valores dos direitos humanos, da democracia, do Estado de
direito, da resolução pacífica dos conflitos, da justiça social, do
desenvolvimento sustentável, etc., para regerem a vida interna dos respectivos
Estados, pode razoavelmente inferir-se que os mesmos povos pretendem que as
relações internacionais em que participam se subordinem àqueles valores,
atribuindo-lhes uma função materialmente constituinte do direito internacional.”
A partir daí podemos, com toda propriedade, dizer: o Direito
Internacional existe, é cogente nas suas normas e princípios comuns, e os
Estados a ele devem obediência, que não se traduz em cláusulas contratuais e/ou
convencionais, e nem se há de reduzir as obrigações estatais –
independentemente de ideologia ou de governo – em adesões, ratificações e
assinaturas previamente formalizadas. As matérias referentes aos direitos
humanos, a paz e a segurança internacionais, a organização da economia e do
comércio internacional, a proteção dos espaços internacionais e do meio
ambiente, grassam na vontade coletiva dos povos, dos seres humanos, e na
finalidade e contexto maior das próprias organizações internacionais.
O Direito Internacional não é política e não é fato. É
Direito com todas as suas implicações.
Machado, E.M.Jónatas – Direito Internacional – do paradigma clássico ao pós-11
de setembro, Coimbra Editora, 3ª. edição, p,51/52.
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