Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional
da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional
Público e Privado
A sociedade, com o passar do tempo, e com seus desgovernos,
toma uma cor estranha, deixa de ter colorido e passa a criar uma pátina, meio
amarronzada, meio cinza, um azinhavre que a encobre e não permite que floresça
alguma alegria, quer seja na música, quer no esporte, quer na escrita, porque a
força bruta, advinda de ações político-marciais, escurecem o meio ambiente e
tingem a tudo de uma certa melancolia.
É duro perder no futebol, de uma seleção inferior. É mais desastroso
perder na sociedade a Educação, a Cultura, e aumentar ao extremo a linha de
pobreza. É ufanoso vencer. Mais venturosa a comida na mesa do pobre e a cultura
e oportunidade para todos.
O Brasil está paupérrimo, embora mais armado; o Brasil passa
fome, embora os mais ricos estejam ainda mais ricos; o Brasil está mais frágil
e sem esperança, embora mais violento. O Brasil está perdendo de 10 a 0 no jogo
da civilização. Afastamo-nos de tudo que possa tornar viável uma civilização
nos trópicos; alguns de seus filhos não se cansam de copiar ações e símbolos de
uma Alemanha nazista, que deveria ser uma página virada da história; grupos de
milicianos ditando palavras de guerra e de ódio, longe –milhas de distância–
dos princípios republicanos.
Permita-nos uma licença poética, com Gonçalves Dias:
“Minha terra tem palmeiras
Onde cantam os sabiás,
As aves que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nossos céus têm mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.”
Sempre fomos pobres, mas não como agora! Tínhamos algum
romantismo e esperança.
Sempre namoramos com a violência, mas agora com ela nos
casamos!
É possível fazer um Estado Democrático de Direito sem nos
preocuparmos com a Educação, com a Cultura, com a Literatura, com a História,
com a Antropologia, com as Ciências Sociais, com a Saúde, matérias que fazem o
povo pensar, que buscam privilegiar os mais desfavorecidos e ter o progresso
social como meta? Todavia, não querem o povo pensando e, sim, que só sigam
palavras de ordem.
As universidades e as pesquisas perderam dinheiro e estão à
mingua; o que é normal quando não se aprecia o estudo e somente se pensa em
armas.
Werner Jaerger, no livro Paidéia, explica: “todo povo que
atinge um certo grau de desenvolvimento sente-se naturalmente inclinado à
prática da educação. Ela é o princípio por meio do qual a comunidade humana
conserva e transmite a sua peculiaridade física e espiritual.”[1]
Nas causas da decadência do Estado, como exposto no mesmo
livro, diz o autor, pela boca de Platão: “A causa da sua decadência não fora
a falta de valentia ou de arte da guerra, como um espartano poderia pensar, mas
a sua incultura nas matérias humanas mais importantes. É esta profunda
incultura que, hoje como outrora, destrói os Estados e continuará a destruí-los
também no futuro.”[2]
Há também, em decorrência dessa situação, uma raiva embutida
contra a Magistratura, produto desta incultura, em especial contra o Supremo Tribunal
Federal, que se manifesta de momentos a momentos, alimentada inconscientemente
pelos ataques que há tempos vem sofrendo o Judiciário, por aqueles que estão em
cargos do Poder Executivo, o que se explica pelo fato de que os processos
contra este Poder são abertos pelos seus desmandos na área da saúde, na área do
meio ambiente, na da cultura, na da educação e na dos direitos humanos (diga-se,
o Judiciário é provocado, e não abre por sua iniciativa processo nenhum; mas os
fanáticos contrários ao Judiciário ignoram isso). Somente se referem aos
Ministros do STF com ironia, chamando-os de “semideuses”, por qualquer motivo e
por qualquer notícia, sem a mínima análise. Não custa dizer: o STF é o guardião
da Constituição Federal e esta impõe limites ao Poder Executivo. Assim, os
governos de tendência ditatorial elegem como seus inimigos sempre as Cortes
Supremas, que os impedem de governar sem limites, até conseguirem por nas
Cortes “ministros amigos”, isto é, calarem o Judiciário e transformá-lo em
poder periférico ou aparência de poder.
De qualquer modo, há que se observar que os Ministros que
compõem o Supremo Tribunal Federal são indicados pelos Presidentes da
República, em seus mandatos, quando a vaga se apresenta, o que deveria fazer
dividir a crítica aos magistrados com aqueles que indicam, que continuam na
República a se sentirem poderosos e acima das leis.
Não se ouve falar com o mesmo desprezo e sarcasmo de decisões
e desmandos do Executivo, ao incentivar o armamento indiscriminado, ao
incentivar o descumprimento de regras sobre a saúde advindas da Organização
Mundial da Saúde, ao incentivar a discriminação sexual e racial. Existem
semideuses no Poder Executivo?
Seja lá como for, é certo que o país é governado pelos três
poderes, cada qual dentro de suas esferas, mas o Judiciário, ante os mecanismos
existentes na própria Constituição Federal, e falamos do Brasil, não pode ser
acusado de atrapalhar o Executivo; no máximo atrapalha a vontade imperial de um
governante, independentemente da ideologia ou do partido político deste. Claro
que também o Judiciário erra, no entanto existem meios processuais e
procedimentais para impedir que uma decisão muita injusta se concretize.
De qualquer modo, o eventual mal funcionamento dos Poderes da
República casa-se intrinsecamente com a falta de educação da sociedade, porque
dela saem os políticos, os legisladores e os juízes. Neste item não temos nos
saído muito bem, porque não se ensina muito o respeito às instituições e à
Democracia, bem como, ao direito de cada um limitado no direito do outro.
Existe luz no fim do túnel; é só deixar florir o gênio
brasileiro, nas escolas, na cultura, na arte. No jardim dessas áreas (as
imagens poéticas me perseguem, quanto mais oprimido me sinto) pode nascer uma
árvore frondosa, e nela os ramos que nos levarão ao fruto e à sombra.
Queremos, cada vez mais, juízes independentes, presidentes e
governadores estadistas e legisladores preocupados com a causa pública.
“TROVA
Quem as suas mágoas canta,
Quando acaso as canta bem
Não canta só suas mágoas,
Canta a de todos também.”
Mário Quintana
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