quinta-feira, fevereiro 02, 2023

Iemanjá - Dia 2 de fevereiro – dia de sua consagração

 


Por Carlos Roberto Husek – professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

 

Iemanjá, nascida do consórcio de Obatalá, o céu, com Odudua, a terra, deusa das águas, que no sincretismo católico é a Nossa Senhora, mãe do mundo, nos tenta governar, de alguma forma.

Em épocas de esgotamento e decadência, as lendas – nossa época – se lendas forem, quando bem analisadas, revelam verdades profundas.

Há um inconsciente coletivo (Jung), que aflora nos mitos, nas alegorias, nos deuses, e são tão reais e verdadeiros, que quase podem ser tangenciados, e certamente vividos. Nossa pretensa vida consciente, nada mais é do que um pálido reflexo da realidade que está intrínseca em nosso ser.

O inconsciente está levemente sedimentado pelos cascalhos acumulados ao longo da vida; que por vezes arrebentam entre essas frágeis paredes e aparecem à luz do sol, com todo o seu esplendor.

Quem somos, afinal?

Há que se duvidar das aparências e das qualificações: monstros, anjos, seres impensados, que não se denotam, mesmo que olhemos fixamente no espelho. Van Gogh tentou e até fez um autorretrato, analisando-se, perscrutando-se, sem uma das orelhas, a direita, que decepou, sem piedade, oferecendo-a embrulhada, de presente, a uma prostituta da ocasião.

Ele não era a sua orelha, ele não era nenhuma parte de seu corpo; sob os cascalhos da vida, estava internalizado, onde poderíamos encontrar o genial artista, que em uma abstinência de álcool – naquele instante – buscou cortar um pedaço de si mesmo para presentear um momento de amor.  

Iemanjá, Mãe-d´Água, também nos remete ao que está acobertado, e que de tempos em tempos, escapa e se apresenta no vai e vem das ondas.

O oceano, águas de uma grande bacia global, se agita de um para outro continente, e boa parte dos seres vivos, em momentos de dificuldade invocam os deuses, com vários nomes e várias representações, todos, provavelmente, na pele representativa de Iemanjá.

O Brasil tem sete mil, quatrocentos e noventa e um quilômetros de litoral, banhado pelo mar. Iemanjá, faz com que as ondas beijem as praias ou se encapelem raivosas, atingindo as cidades, adentrando o continente, enfurnando brancos, índios, pretos, todos, de certa forma presos, pelos grilhões líquidos e inconscientes do domínio, do egoísmo, da insensatez.

Quando os portugueses conquistaram a costa brasileira, tornaram seus trabalhadores, os índios, que lá viviam da pesca e da caça – o paraíso prometido; depois inauguraram a rota da escravidão – Brasil/África – e a partir daí, o território nacional passou a ser o encarceramento de almas, em busca de romper as cadeias civilizatórias para um novo mundo.

Iemanjá, sempre prestimosa, buscou trazer mensagens de paz – vagas suaves no mar azul – e molhar as areias, com suas lágrimas e desvelos, embora, também se exalte, e irada, em conjunto com outros deuses, principalmente Inhaçã, deusa dos ventos e da tempestade, faça multiplicar as águas, nos campos e nas cidades, como desastres infindáveis, mortes e sofrimento. Vem através dos cascalhos coletivos e individuais, e nos abraça, nos perdoa e nos castiga, por continuarmos a derrubar as matas, a matar os índios, a escravizar, a impor a todos a fome, a sede e o abandono e os planejamentos marginais.

 

Iemanjá,

               Iemanjá,

Azul, azul do mar,

suba no horizonte;

     e os continentes,

a navegar

        nas suas ondas,

sinuosas,

                sabe-se lá,

onde vão parar!

 

Que Iemanjá e os deuses tenham pena de nós!

  

 

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