quarta-feira, janeiro 17, 2024

Migalhas Odipianas

 


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

Como a razoabilidade não salva nenhum dos nossos governantes, aqui e acolá – Ditadura na Venezuela e na Rússia, um Israel não bíblico e cristão, uma Argentina incógnita e reacionária, um Equador em convulsão, o narcotráfico se expandindo cada vez mais, as mudanças climáticas extremas provocadas pelos governantes que só querem saber do lucro e do domínio e o uso indiscriminado e incentivado de armas (apesar das convenções internacionais contrárias) - amigos da ODIP, arrisco-me a postar algumas frases e versos, para começar o Ano e tirar a aspereza da política, da vida e do Direito internacional: quem quiser acreditar que o mundo pode ser melhor a começar pelo uso coerente das ideias e das palavras, eis aqui, um arremedo de receita.

 

 

Lutar com as palavras

É a luta mais vã

Entanto lutamos

Mal rompe a manhã.” (Drummond)

 

Sozinhando” (de sozinho – Mia Couto), olho a chuva fina riscando o tempo.

 

Não é segurando as asas que se ajuda um pássaro a voar. O pássaro voa simplesmente porque o deixam ser pássaro. Foi assim que falou o Tio Aproximado. E depois partiu, engolido pelo escuro.” (Mia Couto em “Antes de nascer o mundo”)

 

ele, em dado momento se eclipsou” (Mia Couto em “Antes de nascer o mundo”)

 

- Lá andava fazendo o quê? Cavando buracos no vazio.” (Mia Couto em “Antes de nascer o mundo”)

 

E, então, duvidei: será que ele queria eternizar o instante? Ou usufruiu a felicidade de haver porta e de poder fechar atrás de si?” (Mia Couto em “Antes de nascer o mundo”)

 

Essa pupila está cheia de noite.” (Mia Couto em “Antes de nascer o mundo”)

 

Se depois de eu morrer quiserem escrever a minha biografia. Não há nada mais simples. Tenho só duas datas – a da minha nascença e a da minha morte. Entre uma e outra cousa todos os dias são meus.” (Alberto Caeiro – um dos heterônimos de Pessoa)

 

Nenhuma palavra

alcança o mundo, eu sei.

Ainda assim, escrevo.” (Mia Couto – Poema da despedida)

 

Começo a reconhecer-me. Não existo. Sou um intervalo entre o que desejo ser e o que os outros me fizeram.” (Álvaro de Campos – um dos heterônimos de Pessoa)

 

Se cada dia cai,

dentro de cada noite,

há um poço

onde a claridade está presa.

 

Há que sentar-se na beira

do poço da sombra

e pescar a lua caída

com paciência.” (Pablo Neruda – Cada dia cai)

 

E a tarde morre sonolenta e fria

Como morreste de saudade e mágoas

E a lua triste como a Nostalgia

Chora na branca quietação das águas.” (Edgar da Mata – A garça)

 

E quando vires esbatida e turva

Tremer a alvura dos cabelos meus

Irás pensando pelo seu caminho

Que essa pobre cabeça de velhinho

É um lenço branco te dizendo adeus!” (Guilherme de Almeida – sonetos)

 

Eu faço versos como quem chora

De desalento... de desencanto...

Fecha o meu livro, se por agora

Não tens motivo nenhum de pranto.

 

Meu verso é sangue. Volúpia ardente

Tristeza esparsa...remorso vão...

Dói-me nas veias. Amargo e quente,

Cai gota a gota, do coração.

 

“E nestes versos de angústia rouca

Assim dos lábios a vida corre,

Deixando um acre sabor na boca,

- Eu faço versos como quem morre.” Manuel Bandeira – Desencanto).

 

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

muda-se o ser, muda-se a confiança;

todo o Mundo é composto de mudança,

tomando sempre novas qualidades.

 

Continuamente temos novidades,

diferentes em tudo da esperança;

do mal ficam as mágoas na lembrança,

e do bem (se algum houve), as saudades.

 

O tempo cobre o chão de verde manto,

que já coberto foi de neve fria,

e, enfim, converte em choro o doce canto.

 

E, afora este mudar-se a cada dia,

outra mudança faz de mor espanto,

que não se muda já como soía.” (Soneto de Luiz de Camões)

 

Não conto nada na reta, escrevo sempre nas linhas tortas, como digo aliás num poema. Na minha poesia parece que tem muita coisa de fora, mas é tudo de dentro. Sou muito preparado em conflitos.” (Manoel de Barros – Pensamentos)

 

Quando o português chegou

Debaixo de uma bruta chuva

Vestiu o índio

Que pena!

Fosse uma manhã de sol

O índio tinha despido

O português.

 

Amigos, estudiosos e sérios acadêmicos, nossa ODIP necessita, como tudo, de árvores, de luz, de água, de leveza. Só assim para entender em profundidade as desinteligências do mundo. O Direito é um caminho, a arte, a poesia e a ironia, outros caminhos. Podemos misturar tudo e ver no que vai dar!

 

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