sábado, junho 29, 2024

Receita para uma vida infeliz: O Combo da indigestão

 


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

 

Há um partido político que vem à televisão para dizer que: o seu candidato à presidência da República é o “.....”, e que se ele não puder candidatar-se, o próprio “.....”vai escolher o candidato à presidência, e, também, ele mesmo “.....”vai escolher o candidato a vice-presidente, pergunta-se: É assim que deve ser uma agremiação política?

Enfim, há que se perguntar, o que é um partido político?

Imagino que seja constituído de ideias, de uma filosofia, de um ideário, de conceitos sobre o poder, sobre a administração pública, sobre a economia e sobre as questões sociais.

Uadi Lammêgo Bulos diz que “é uma associação de pessoas unidas por uma ideologia ou interesses comuns, que, organizadas estavelmente, influenciam a opinião popular e a orientação política do país”. Os partidos políticos se destinam a assegurar, segundo os princípios do regime democrático (grifos nossos), a autenticidade do sistema representativo e a defesa dos direitos fundamentais.

Partidos existem, liberais, democráticos e radicais, socialistas e comunistas, católicos e democráticos-cristãos, e outros; mas serão radicais ou democráticos ou comunistas, na forma de conceber um governo para a sociedade, e não deveriam ser constituídos, para exaltar uma única figura de líder, posto que isso terminaria, pura e simplesmente, em culto de uma personalidade – o grande pai, o grande mito, o grande deus! -, o que foge à ideologia, à cultura, à democracia, à filosofia social, e faz com que os extremos se toquem: os da chamada direita e os da chamada esquerda, na figura de um único ser, que chamaremos, para todos os efeitos, de ditador ou aquele que tem vocação para a ditadura. O ditador não tem partido, não tem filosofia, não tem ideologia, não tem preocupação administrativa, não tem preocupação social. O ditador só tem preocupação com ele mesmo.

O rei poderia estar nu, e não se perceber assim, e nós – atropelados pelo massacre das propagandas – também não o perceberíamos.

O espelho não nos mostra a verdadeira imagem. Dominados pelo inconsciente, individual e coletivo, nos envolvemos em uma fraude, e somos sombras, do que poderíamos ser.

Não nos parece correto qualquer partido – seja ele qual for - professar vassalagem explícita a uma pessoa, a que todos se subordinariam, em pensamento, palavras e obras.

Em algumas campanhas eleitorais, não se fala - porque não é importante - em democracia, em instituições, em voto livre do povo, em educação, em aprimorar o pensamento, em respeito às diferenças em aperfeiçoamento do diálogo: o que realmente interessa é só a manutenção do poder – o que sem dúvida, é um  legítimo objetivo de  qualquer partido político, em um Estado Democrático de Direito -  mas não nas mãos de um só, de uma só cabeça, de um só interesse encarnado em figuras mitológicas, da esquerda ou da direita.

Um partido político pressupõe participação política de cidadãos atentos à evolução da coisa pública, capazes de escolher entre alternativas apresentadas pelo ideário político-administrativo, embora, na realidade atual, o interesse político fique circunscrito a poucas pessoas, ávidas do poder e do ganho econômico-financeiro que ele possa trazer.  

Que mundo vivemos! Vamos recordar: escolas cívico-militares, privatização das praias, armas para todos (num Estado que abdica do seu dever de administrar o que é básico – segurança, saúde, educação - e deixa nas mãos de interesses particulares – o bem-estar social), divisão de dinheiro dos ganhos dos servidores para os titulares do gabinete de órgãos públicos, censura a livros que buscam, didaticamente, ensinar que não há diferenças entre raças, desprestígio daqueles que ganham pouco e que trabalham muito, como o professor, criminalização do aborto, feminicídio como consequência da insubordinação ao desejo contrariado do parceiro. E no mundo internacional, alianças preocupantes, como a de Putin e Kim Jong-un, ditador da Coreia do Norte, para defesa mútua e troca de armas, e outras (que a lista é grande!).

Os partidos políticos descaracterizados e desprevenidos, servem de roupagem para os psicóticos do poder.

O ser humano acredita mais no que ouve e mais no que vê na mídia tecnológica, do que constata com os seus próprios e orgânicos mecanismos sensoriais e seu próprio raciocínio, isto é, pensar por conta própria, duvidando de tudo o que falam e fazem os influenciadores do momento.

 

Se o sim do poder

    é o não do povo,

     pobre do povo

      que diz sim

ao poder de novo.”

“Se o não do poder

    é o sim do povo,

     morra o povo

      que diz sim

ao poder de novo.”

“Seja vivo, seja morto,

  o poder é sempre

         o corvo

sobre o sim e sobre o não

        do povo

    que diz sim

ao poder de novo.” (Mário Chamie – O sim do poder, in Horizonte de Esgrimas)

terça-feira, junho 04, 2024

Nada do que escrevo pode ter sentido (admito meu fracasso em convencer)...

 


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional de PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

 

 

Não vamos ser amargos, ou talvez o sejamos, se é que ainda todos nós possamos exercer a liberdade de escrever! Também, o que esperar de tempos políticos tão difíceis?!

Mas, se não me engano foi Fernando Pessoa que escreveu algo impactante: “Sucede, porém, que a estupidez humana é grande e a bondade humana não é notável.

Como explicar o nascimento da direita radical e neonazista no mundo atual, ou de qualquer coisa parecida, radical, vestida de mera opinião democraticamente posta, protegida sob o manto de uma seita, de uma religião ou de uma razão superior ou mesmo de eleições regulares? Talvez a frase acima explique esse fato!

Há tantas lideranças escuras! Verdadeiros buracos negros que atraem e chupam tudo o que está à sua volta. Absorvem toda luz e jorram ideias macabras, contrárias à sociedade, ao progresso e ao bem-estar dos indivíduos, e que são acolhidas e aplaudidas!

Trump está aí; Kim Jong-un está aí, Bashar al-Assad está aí, Benjamin Netanyahu está aí, Nicolás Maduro está aí, Putim está aí, e tantos outros, que só querem a guerra e a conquista! A atitude desses líderes se justifica pela história, pelo passado, pela religião, pela ideologia? Nada justifica a barbárie e a falta de bom senso dos atos praticados na atualidade, em nome do governo, do Estado, da raça, ou seja, lá do que for. Porque o ímpeto de manter o poder e de atacar os inimigos, repete épocas, em que alguns familiares desses líderes, talvez tenham sofrido, ou que grupo sociais minoritários tenham padecido nas mãos de sanguinários: “olho por olho, dente por dente”

É doentio, psicótico, injustificável sobre o ponto de vista do progresso e do bem-estar social. E, as nações modernas e soberanas têm que escolher algum lado! Qual lado? No caso de Israel não dá para escolher o Ramás – organização terrorista -, mas é possível escolher Netanyahu? Tais possibilidades não significam a escolha do povo judeu ou do povo palestino; este não é e não pode ser um real conflito. Os povos respectivos, que têm todo direito de existir e de serem respeitados, estão além das atitudes dos líderes atuais. O sonho do planeta irmanado, em diversas culturas e possibilidades, sempre foi somente um sonho. Pena que não tenhamos a grandeza de escapar da história negra da humanidade e fazer algo diferente!

E o que dizer dos propósitos da política interna de alguns países e do nosso próprio País?

- Vivam as armas?

- Construir escolas “Cívico-militares”, comandadas por militares e não por professores vocacionados ao ensino. É isso? Qual o papel dos militares: determinar ordens aos alunos, programarem como devem agir e obedecer, fiscalizarem os livros de ensino, para não incentivar raciocínios contrários ao que se entende por moral e bons costumes, em determinada época de domínio. Tornar cada criança capacitada em fazer exercícios marciais? É isso? Se é isso, estaríamos regredindo inexoravelmente como sociedade e como Estado.

Deviam construir, cada vez mais, “Escolas Cívico-civis”, que englobariam a defesa do Estado pelos órgãos institucionalizados para isso, mas sob o raciocínio da ótica das instituições organizadas pelo Estado-Democrático de Direito, em que todos falam e exercem o voto e podem ser votados, e em que a ignorância é afastada pelo ensino amplo, sem censura, e sem a consideração de classes mais aquinhoadas e de classes menos aquinhoadas (ninguém nasce para ser pobre, para ser burro e para sofrer; isto é, falácia dos dominadores) e em que a oportunidade apareça para todos, e em que a água potável, a comida, o lazer e o progresso, sejam as únicas sendas administrativas a serem perseguidas. Tudo em respeito à Constituição Federal e aos princípios maiores da República, em tempos democráticos.

Entendemos que a filosofia militar, em benefício do Estado, advém de uma base cívica da sociedade.  Escolas voltadas para a construção da cidadania, do voto democrático, da Literatura, da Filosofia, da Diplomacia, do pensamento crítico, do diálogo, da aceitação do outro, da alternância do poder e da defesa de nossas fronteiras.

É uma ideia estranha essa da “Escola Cívico-militar”, do jeito que está sendo divulgada, mais estranho ainda é ter pessoas que simplesmente a aplaudam, sem discutir os fundamentos e os propósitos

Mas não é só. Querem privatizar as praias! O que dizer de tão absurda hipótese? Tais privatizações favoreceriam a quem? O pobre, cada vez mais pobre, não ia poder mais usufruir do sol, da areia e do mar? A Marinha perderia o seu poder de fiscalizar as praias, que são por natureza públicas, e defender o Estado de invasores alienígenas? Por que passar um bem público para as mãos de particulares? Neste ponto, há de prevalecer a instituição militar, que não pode – na defesa da sociedade e do Estado estar paralisada por interesses privados!

Acham certo que os aparelhos que controlam a atividade policial, nos uniformes, sejam desligados pelo próprio policial, quando este bem entender, para não sofrer a fiscalização de seus atos no exercício da função. Isto é correto? Há a falsa ideia que se deve combater o crime e privilegiar a ação policial, estando este livre para ultrapassar os limites da lei. Deve-se prender o bandido e reagir quando for necessário – o que pode redundar na morte -, mas não se pode dar carta branca para matar. Claro, vão dizer que não é esta a ideia, então, o que justifica a possibilidade de agir sob os muros?

Nada que possa escapar à supervisão da sociedade e das instituições, e, principalmente do Judiciário, pode ser bom.

 

                                    “O essencial é saber ver

                                      E nem pensar quando se vê

                                      E nem ver quando se pensa” (Fernando Pessoa)