quarta-feira, fevereiro 26, 2014

Uganda e um olhar sobre a proteção internacional dos direitos humanos.





As recentes notícias vindas de Uganda sobre a aprovação de legislação contra os homossexuais, que poderão ser presos pelo simples fato de serem gays, mostra o quanto um país pode atentar contra os direitos de seus próprios cidadãos, aqueles a quem na verdade deve proteção. A identidade sexual da pessoa humana não se confunde com conduta ou ato de vontade da própria pessoa, pelo que não poderia ser criminalizada –seria como criminalizar alguém por sua cor de cabelos, por exemplo. Mas o fato é que isso não inibe ações como essa que se assiste agora no país africano.

A desinibição com que o poder legislativo de Uganda formulou a lei somente compete com a desenvoltura com que o Presidente daquele país a aprovou, promulgando-a a despeito de protestos internacionais. Ainda assim, este é um exemplo de como é importante o desenvolvimento e fortalecimento de mecanismos internacionais de proteção dos direitos humanos, uma vez que o Estado, como grande violador clássico e histórico dos direitos humanos, não se contém por si só muitas vezes. Na mesma medida em que é importante que o Estado seja o guardião único das leis, retirando das pessoas o direito da vingança e evitando com isso a barbárie cometida por pessoas contra pessoas, o que se vê muitas vezes é o Estado agindo de forma a violar os direitos de seus nacionais. A pressão internacional constitui arma importante contra essa violação e é, senão a única, das poucas alternativas para a solução do problema.

Hoje no mundo há alguns instrumentos importantes de controle internacional, sendo um dos mais conhecidos nossos o sistema interamericano de proteção dos direitos humanos da OEA, ao qual o Brasil se submete e graças ao qual violações relevantes ocorridas no nosso país estão sendo revistas. A legislação contra violência doméstica (lei Maria da Penha) e a criação da Comissão da Verdade para averiguação dos crimes cometidos durante a ditadura militar são exemplos de frutos desse monitoramento internacional.

A Europa também conta com seu sistema regional próprio de proteção, modelo aliás para o regional interamericano e igualmente para o sistema africano que, apesar de existir formalmente, ainda caminha a passos lentos. É admissível na Europa que uma pessoa ingresse com uma petição diretamente a uma jurisdição acima dos Estados, a Corte Europeia, contra uma suposta violação de seus direitos, fato que ainda não é realidade no sistema americano e que, fosse uma possibilidade aos africanos, seria eventualmente a solução para os homossexuais que agora passarão a ser perseguidos na Uganda com ainda mais força, já que oficialmente são considerados criminosos pela legislação nacional. Ao contrário do senso comum, de que o controle de outros países é “intromissão indevida” nos assuntos internos do Estado, quando se fala de direitos humanos é importante que organizações internacionais, como ONU, OEA e outras, nos limites de sua competência, sejam chamadas a agir e evitar barbáries como a que se apresenta agora na Uganda. Não apenas na economia há o chamado “risco sistêmico”, um país abalando o outro. As normas e tratados internacionais de proteção aos direitos humanos devem, por isso, ter sua importância reforçada. Somente assim se evitaria esse risco sistêmico na proteção dos direitos humanos.

(publicado originalmente no Estadão online - 25/fev/2014)


Um comentário:

  1. Talvez um tratado sobre dignidade sexual, ou direito das pessoas homossexuais, transexuais e transgêneros, desse à ONU um meio de fazer pressões econômicas a países como a Uganda. O problema, ao meu ver, é que infelizmente ainda não há consenso sequer sobre a tolerância aos homossexuais. A grande prova é que muitos Estados ocidentais ainda não reconhecem os efeitos jurídicos das uniões homoafetivas. Casamento, então, é tema ainda mais espinhoso. Nesse cenário, fica difícil pensar em uma solução para a violação de direitos humanos que a Uganda cometeu, ao propor e sancionar a lei infame.

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