quarta-feira, janeiro 20, 2021

A Vacinação política

 


Henrique Araújo Torreira de Mattos.

Coordenador e Professor no curso de pós-graduação latu sensu em Direito Internacional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (COGEAE) e Colaborador da ODIPP (Oficina de Direito Internacional Público e Privado). Professor de Direito Empresarial na ESEG (Escola Superior de Engenharia e Gestão).

 

Enfim temos duas vacinas aprovadas pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) do Brasil depois de muito se discutir sobre porcentagem de eficácia, o que seria sem dúvida razoável e importante dentro do contexto técnico, mas infelizmente ao mesmo tempo em que discutimos também sobre a sua capacidade de transformar o mundo Marvel em realidade por meio de mutações no DNA dos seres humanos vacinados. Pois é, clara é a necessidade de que o ser humano precisa de educação, não somente a formal, para saber a diferença entre a realidade e o ridículo.

Por óbvio, uma campanha de vacinação deve existe com caráter informativo pelo Governo, em todas as suas esferas, e com senso de urgência, para que as pessoas possam se conscientizar de sua importância, tendo em vista a realidade posta e, por seu livre arbítrio e, pensando na comunidade como um todo, tomar a decisão de se vacinar em prol da coletividade. Ao contrário disso, o que testemunhamos foi o absurdo de fomentar que a vacinação seria o fim dos tempos e da raça humana, desconsiderando totalmente o fato de que a pandemia em si já havia chegado antes e poderia desempenhar este papel.

Saindo do campo da educação mencionada acima e ficando somente no campo da informação, a OMS (Organização Mundial da Saúde), organismo multilateral que faz parte da estrutura da ONU (Organização das Nações Unidas), há um bom tempo já vem se manifestando sobre a pandemia, informando sobre as formas de evitar a doença enquanto a vacina ou um tratamento não chegam, de maneira a proteger os seres humanos do contágio, cumprindo assim o seu papel de zelo e padronização das recomendações internacionais no âmbito sanitário internacional, vez que o risco do contágio é global.

Mesmo assim, ao desempenhar seu papel institucional permitido pelas várias soberanias que a formam no cenário da comunidade internacional, a tal harmonização é difícil em função do palanque político internacional, cuja lógica é, no mínimo confusa, quando avaliamos que o direito à vida não é somente um princípio do ONU, mas também uma garantia constitucional de várias soberanias mundiais democráticas, inclusive o Brasil.

Portanto, dentro deste contexto de pandemia e de defesa à vida, não imaginamos espaço para discussões rasas sobre a natureza de tal recomendação da OMS ser meramente uma recomendação técnica em que cada governante soberano pode simplesmente considerar ou não, sob a desculpa jurídica e hipócrita de ser mera soft law e não hard law internacional, por se basear em opinião técnica, médica, sanitária e científica que pode simplesmente ser inobservada por países soberanos, pelo simples fato de discordar por discordar, quando os fatos e impactos mundiais não permitem qualquer tipo de contestação e pelo fato de que as soberanias neste momento precisam coletivamente agir para encontrar uma saída ao encontro do direito à vida.

Enfatizo que a irresponsabilidade política não pode se esconder atrás de vieses constitucionais retóricos e hipócritas de direito à soberania, quando na verdade a população mundial que vem morrendo e o direito à vida é desconsiderado. Não cabe a qualquer Governo, em respeito ao direito à vida negar a pandemia, ao mesmo tempo que não cabe a qualquer Governo negar o direito à vacina, seja em relação ao planejamento intempestivo quanto ao início do plano de imunização, seja em relação ao fornecimento de insumos farmacêuticos ativos (IFA) capaz de salvar vidas.

Nesta linha de raciocínio, não seria razoável esperar que China e Índia utilizem este momento em que vivemos para tripudiar ou barganhar com o Governo ou a diplomacia Brasileira antes de fornecer tais insumos para a produção da vacina no Brasil, simplesmente para fazer um jogo internacional, jogo este que proporcionaria a morte de muitos brasileiros.

Quero acreditar que neste cenário internacional existe somente uma falta momentânea de insumos decorrente da demanda grande por algo que se tronou tão ou mais valioso que a água ou o oxigênio que respiramos e que precisa de um tempo razoável para que o fornecimento se normalize, proporcionando assim uma imunização global que salve vidas.

Num momento como este, a politização da vacinação não favorece a ninguém à resolução do problema da pandemia. Assim, deveríamos usar este momento de dificuldades humanitárias para uma maior aproximação diplomática internacional fortalecendo  princípio da cooperação internacional evitando por completo o isolacionismo.

 

 

 


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