Carlos Roberto Husek
Professor de Direito Internacional da PUC de São Paulo
Coordenador da ODIP – Oficina de Direito Internacional
Público e Privado
Preferir fuzil ao feijão bem como não permitir que o
Ministério da Educação homenageie o “Patrono da Educação Brasileira”, Paulo
Freire, bem como incentivar os procedimentos de milicianos e a aplicação de
remédios sem comprovação médica e, não usar máscara, além do reiterado desprezo
pelo Judiciário e pelo Parlamento é contrário ao bom senso, à Educação, à
Inteligência, à Democracia.
Um país sem feijão e sem educação e que incentiva o uso de
armas, é um país sem rumo.
Algumas frases de Paulo Freire, serve como antídoto:
“Glorificar a democracia e silenciar o povo é uma farsa;
discursar sobre o humanismo e negar as pessoas é uma mentira.”
“Ninguém liberta ninguém. As pessoas se libertam em
comunhão.”
“As terríveis consequências do pensamento negativo são percebidas
muito tarde.”
“É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o
que se faz.”
Completamos:
A única possibilidade do Brasil ser um Estado soberano e ter
uma posição de respeito na América Latina e no mundo é de manter-se responsável
diante das reivindicações de seu povo e das necessidades internacionais, de
diálogo, objetividade e clareza.
A quem interessa a desqualificação do Poder Judiciário? E a
quem interessa o fechamento das instituições e os gritos de guerra?
Em seu discurso na abertura dos trabalhos da ONU, o
Presidente brasileiro, deixou mais ou menos claro o que pensa; é necessário ler
nas entrelinhas, além e não se ateve, com correção, à exatidão dos fatos.
Mesclou conceitos de ordem pessoal e alguns (poucos) de ordem
impessoal, fazendo propaganda do governo e não do Estado, embora a tradição é
que, o Estado se mostre para o mundo; o que efetivamente, ele, Estado,
representa e o que faz para seguir os ditames internacionais; princípios,
tratados, acordos, convenções; principalmente as regras sobre direitos humanos
(incluindo a saúde e a cooperação internacional, neste ponto), meio ambiente,
democracia, bem como, a concretização do Estado Democrático de Direito, com
estrita obediência à Constituição do país e respeito aos poderes constituídos.
Tal discurso teria o condão de atrair a boa vontade dos demais Estados, das
organizações internacionais, da ONU, das empresas e dos investidores em geral.
Não foi, no entanto, o que se observou no dia de hoje (21.09.2021).
A fala do representante do Estado na ONU, necessita ser
expressão fiel dos atos que pratica em nome do governo e em nome do Estado, sob
pena de descrença, decorrente da infidelidade do que é expresso e do que é
praticado. Caso tal aconteça, haverá inevitável divórcio entre a fala e a
realidade, entre a declaração e os acontecimentos. Conclusão: descrédito,
desconfiança, contradição.
Os discursos políticos, como qualquer espécie de comunicação,
devem ter o mínimo básico de verdade, e não se pautarem pela ficcionalidade,
pela fantasia.
Toda interlocução, exposição, mensagem, aviso, recado,
transmissão, colóquio, sermão, oração, prédica, dissertação oral, pregação,
deve casar-se com o que se ouve, se escreve, se gesticula. A comunicação é um
todo, que não se reduz às palavras, posto que, ao mesmo tempo, expressa os
olhos, as mãos, os gestos, as ações, e o silêncio em seus contextos e a
loquacidade sem fundamento, abrangendo, enfim, o todo comportamental.
Falar por falar ou calar por calar, ou ainda, comunicar o que
não existe ou o que existe não comunicar, é uma dissociação mental, uma
incoerência do pensamento e da conduta. E, por mais que se desculpe o viés
político, este também tem limites na realidade.
Dizem Paul Watzlawick, Janet Helmick Beavin e Don D. Jackson:
“...todo comportamento, numa situação interacional, tem valor de mensagem,
isto é, é comunicação, segue-se que, por muito que o indivíduo se esforce,
é-lhe impossível não comunicar. Atividade ou inatividade, palavras ou silêncio,
tudo possui um valor de mensagem...(...) A impossibilidade de não comunicar é
um fenômeno de interesse mais do que simplesmente teórico. Por exemplo, faz
parte do ´dilema` esquizofrênico. Se o comportamento esquizofrênico for
observado pondo de lado considerações etiológicas, parecerá que o
esquizofrênico tenta não comunicar. Mas como disparate, o silêncio, o
ensimesmamento, a imobilidade (silêncio postural) ou qualquer outra forma de
renúncia ou negação é, em si, uma comunicação, o esquizofrênico defronta-se com
a tarefa impossível de negar que está comunicando e, ao mesmo tempo, negar que
a sua negação é uma comunicação. A compreensão desse dilema básico é uma chave
para numerosos aspectos da comunicação esquizofrênica que, de outro modo,
permaneceriam obscuros. Como qualquer comunicação, como veremos, implica um
compromisso e, por conseguinte, define a concepção do emissor de suas relações
com o receptor, podemos formular a hipótese de que o esquizofrênico se comporta
como se evitasse qualquer compromisso – não comunicando.”[1]
Celso Amorim, ensina: “A abertura da Assembleia Geral das
Nações Unidas é um dos momentos mais importantes da diplomacia multilateral
contemporânea. Chefes de Delegação dos 192 Estados Membros da ONU, hoje em dia
muitas vezes Chefe de Estado e de Governo, apresentam à comunidade
internacional suas posições sobre uma vasta gama de temas. Os assuntos tratados
vão desde a paz e a segurança internacionais até o combate à fome e à pobreza.
É nas Nações Unidas que ressoam, desde 1946, as visões nacionais sobre como a
comunidade internacional deve agir para impedir a guerra, tragédia que está na
origem da criação da ONU. Ali se articulam consensos legitimadores de temas com
crescente impacto sobre a vida cotidiana das pessoas, como as questões
referentes ao meio ambiente, aos direitos humanos, à proteção de grupos
vulneráveis e à promoção do desenvolvimento econômico e social.”[2]
O representante do Brasil primou, no discurso de abertura por
fugir da grandiosidade da missão, que deve ultrapassar as fronteiras o Estado.
Alguns pontos podem ser destacados:
“Estamos a 2 anos e 8 meses sem qualquer caso concreto de
corrupção (há casos graves que estão sendo investigados)”;
“O Brasil tem um Presidente” (fala impessoal,
referindo-se a ele mesmo) “que acredita em Deus” (o único que elimina
todas as demais crenças), “respeita a Constituição” (houve manifesto
desejo de fechar o Congresso e o Judiciário);
“Um Presidente que deve lealdade a seu povo” (massa de
pessoas de uma determinada sociedade, e não só os de determinado partido,
ideologia ou religião);
“Temos tudo que o investidor procura...(...) tradição,
respeito aos contratos e confiança no nosso governo” (este último aspecto
necessita ser confirmado);
“Qual o país do mundo que tem uma política de preservação
ambiental como a nossa?” (e as queimadas, desmatamentos, venda ilegal de
madeira?);
“Ratificamos a Convenção Interamericana Contra o Racismo e
Formas Correlatas de Intolerância” (a tolerância, uma das virtudes cristã,
das mais apreciadas, deve ser desenvolvida e praticada no dia a dia, por todos
aqueles que exercem o poder, principalmente com os que pensam e vivem em
situações diversas);
“Concede visto humanitário para cristãos, mulheres e
juízes afegãos” (não cremos que a religião possa ser um discriminador
político-jurídico para fins humanitários);
“Não entendemos porque muitos países com grande parte da
mídia, se colocam contra o tratamento inicial” (Muitos países, não, quase
todos, incluindo orientações da OMS. Além do mais, a reiterada atividade em um
tratamento inicial sem eficácia comprovada; o descalabro na experiência com o
povo amazonense, e hospitais que impingiram o Kit-Covid e subnotificaram as
mortes, como de outras doenças, que não a advinda da Covid 19, por tratamento
inicial).
Não dá para entender?
Consideramos que o discurso na abertura da ONU, pelo
representante brasileiro, não necessitaria e não precisaria falar de nossas
mazelas, mas explicitar apenas os bons aspectos (e muitos) que o Brasil oferece
e que, efetivamente pode liderar.
Não se trata de esconder o que há de ruim ou inconveniente
(qual país não os tem?), mas ressaltar as nossas efetivas e exequíveis
possibilidades. O que não é adequado, e foge ao padrão e ao que é esperado em
tais eventos, é o apostolado pessoal do próprio governo, objetivando a fala
para um público interno específico, em época pré-eleitoral.
Em todas as aberturas de trabalho da ONU, o Brasil sempre se
apresentou de forma íntegra, e sempre apoiando o concerto internacional, a paz,
a solução pacífica dos conflitos, mostrando-se com uma possível liderança na
América, acolhendo todos os pensamentos, filosofias e religiões. Hoje, estamos
marcados pelo sectarismo, pela visão estreita, pelo uso abusivo de razões
pessoais, por mensagens sem valor universal. Falta-nos amplitude, magnitude,
nobreza, dignidade, generosidade, superioridade, humildade.
Tudo se traduz bem no gesto do Ministro da Saúde, parte da
comitiva do Presidente, apontando o indicador, para os que protestavam ao lado
do carro da comitiva; do gesto do Ministro das Relações Exteriores, imitando
com as mãos uma arma; dos gestos dos acólitos do Presidente, quando
internamente também apontam para os interlocutores como efetuando um disparo de
arma; das falas imbuídas de inflexibilidades, partidarismos, intransigências, e
de torpeza e sordidez no mesmo âmbito, contra homossexuais, negros e mulheres;
afora o ódio, o preconceito, e a valentia (armas, armas, armas) com que são
tratados os desafetos.
Esta é a nossa atual comunicação, para o Brasil e para o
mundo, que nem as palavras inflamadas, nem os discursos e nem os eventuais silêncios
disfarçam.
Que as Nações Unidas relevem e possamos, apesar de tudo,
seguir em paz!!
[1] Watzlawick,
Paul, Beavin, Janet Helmick e Jackon, Don D. Pragmática da Comunicação Humana,
Do Instituto de Pesquisa Mental de Palo Alto, Califórnia, Tradução de Álvaro
cabral,Editora Cultrix, 1967, 2002, p. 44 a 47.
[2]
Corrêa, Luiz Felipe de Seixas, organizador. O Brasil nas Nações Unidas.
Apresentação da Segunda Edição, por Celso Amorim, Ministro das Relações
Exteriores, Editora Brasília, 2007, p. 13.
Nenhum comentário:
Postar um comentário