Por Carlos Roberto Husek – professor de Direito da PUC/SP e
um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e
Privado
Poesia e Direito, Direito e Poesia,
um território único a ser explorado. Peter Haberle, considerado um dos grandes
constitucionalistas europeus, incorporou as duas áreas. Em entrevista a Hector
Lopes Bofill, professor de Direito Constitucional e uma das mais destacadas
vozes da jovem poesia catalã, diz:
“Há aspectos do direito constitucional
que são especialmente sensíveis à atividade criadora dos poetas. O preâmbulo
das constituições é um bom exemplo, bem como os enunciados empregados nos
catálogos dos direitos. Os poetas proporcionam a suficiente dose de utopia que
orienta o sentido da realidade constitucional. Poder-se-ia citar o caso da nova
Constituição Federal suíça de 1999, uma parte de cujo preâmbulo foi concebida
pelo poeta suíço A. Mushg ao proclamar que a força do povo se mede no bem-estar
dos débeis. Os valores derivados de alguns princípios e objetivos
constitucionais, como a tolerância e a educação democrática, podem fundar-se na
formulação linguística e no conteúdo material enunciado pelos poetas. No que
concerne aos direitos fundamentais, só haveria de referir-se à Declaração de
Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, cujo sucesso universal foi em parte propiciada
pelo caráter contundente, sugestivo e penetrante do estilo que lhe conferiram
alguns literatos reunidos na Assembleia Nacional francesa como Mirabeau.”
Fico pensando que o mesmo se dá com o
nosso Texto Maior, produto do momento político-jurídico de 1988, carta política
e ao mesmo tempo jurídica, e de inspiração de seus próceres, sensibilizados
pelo momento. O seu Preâmbulo não é obra de juristas, nem de políticos, mas de
uma metamorfose que transformam uns e outros, em uma simbiose poética que deve
servir de base para a interpretação de quaisquer de suas regras: “Nós, representantes
do povo brasileiro, reunidos em Assembleia nacional Constituinte para instituir
um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na
ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,
promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República
Federativa do Brasil.”
É possível dizer que aquele que na
vida político-administrativa age por conta própria, discriminando, ressaltando
as diferenças sexuais e raciais, tecendo longos laudatórios favoráveis às armas
e aos armados, exaltando os ricos e menosprezando os pobres, protegendo as
famílias de posse e pouco ou nada fazendo para minorar a vida dos pobres, estão
agindo de acordo com o referido Preâmbulo?
É necessário um pouco de poesia para
cumprir o mandamento constitucional. Atitude de vida, de desapego das
honrarias, de amor, de mais apreço pelo povo e menos apreço pelos cargos
públicos; quem possui tais caracteres? Só o ser humano público, que não defende
privilégios e nem se assenta nos louros da glória, pode ler e entender o
Preâmbulo da Constituição Federal, texto poético que inspira o documento
fundamental da República.
Algumas palavras (figuras), postas no
Preâmbulo são emblemáticas da emoção em se proclamar a Carta Magna, a saber: Estado
Democrático, direitos sociais, direitos individuais, segurança,
bem-estar, desenvolvimento, igualdade, justiça, sociedade
fraterna, sociedade pluralista, sociedade sem preconceitos, harmonia
social, solução pacífica dos conflitos.
Tem alguma conexão com armas, com
neonazistas, com raça pura, com domínio sobre as mulheres, com perseguições?
Temos uma Constituição avançada, em
consonância com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, com
a Carta da ONU, em harmonia com os princípios internacionais, representativa da
preocupação com o ser humano e com a humanidade, mas há ainda, no meio do povo
grupos pequenos, refratários ao progresso, radicais; para os quais o raciocínio
e o argumento não fazem parte do dia a dia; para os quais, o mar não é azul, o
céu não é amplo, as árvores não são verdes; para os quais não há brilho no
olhar: só ódio, só vingança, só ganância, só morte, só galhos secos, só águas
barrentas, só nuvens plúmbeas; que só tem presente a cólera assassina e
psicótica, dos que não entendem o mundo.
Eles estão espalhados nos mais
diversos setores sociais, e mesmo entre aqueles que deveriam ter uma vida
intelectual, supostamente superior.
Acho que nunca leram o Preâmbulo da
Constituição Federal, como provavelmente, nunca leram Machado de Assis, Vinicius
de Moraes, Drummond, Fernando Pessoa, Castro Alves, Guilherme de Almeida, para
dizer o mínimo, sem entrar na seara dos pensadores, estes, então, passam ao
largo das leituras, porque os simbolismos que alimentam a execração, a
malquerença, o nojo, a repulsa, a gana, o rancor, a sanha aniquiladora do
humano, fala mais alto e repercute em todos os primitivos neurônios de seus
cérebros deformados. Estão cegos e surdos. Não os comove a delicadeza. Gostam
das guerras, dos braços e cabeças amputados, dos fígados expostos, do sangue correndo
pelo chão.
Nunca leram o Preâmbulo da Constituição
Federal, ou se o fizeram, não conseguiram entender o texto, que o povo, por
seus representantes, declarou como profissão de fé para o Brasil.
A bem da verdade, não é que poesia e
Direito andam juntas, e sim que têm o mesmo princípio informador: a poesia,
como o que é humano, sensível, racional, lúdico, alegre, vivo; e, o Direito,
como o que é desejável, para manter e crescer o ser humano, em uma sociedade
organizada, com base nos princípios maiores de paz, de afeto, de compreensão.
Nunca leram o Preâmbulo da
Constituição Federal.
Triste miopia...
Nenhum comentário:
Postar um comentário