sexta-feira, setembro 01, 2023

Normas internacionais: “hard law” ou “soft law”


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

As normas de Direito Internacional, como todo e qualquer norma, tem a sua proposição – o que é de direito – e estabelece as consequências. Sua estrutura, portanto, geralmente advinda dos tratados internacionais, não é diferente da estrutura das normas internas dos diversos Estados.

Entretanto, põe-se em dúvida a sua real efetividade, uma vez que ela não advém de um Poder legislativo ou equivalente, que imponha aos seus jurisdicionados uma determinada conduta.

Lembremos que, de certa forma, a vida jurídica internacional busca seus modelos básicos no
Direito Interno dos Estados, e até propicia esferas de julgamento de casos conflituosos, por Cortes específicas, com regras sobre “quórum”, apresentação de provas, argumentação de defesa e de ataque e alguma espécie de penalidade para os infratores.

Lembremos, ainda, que não só os Estados entram em conflitos, tendo em vista a interpretação de princípios e normas, e a atuação dos organismos internacionais, bem como, na vida atual, o próprio ser humano se vê envolvido em questões internacionais e pode vir a ser julgado pelo cometimento de atos ilícitos na esfera mundial, independentemente dos Estados.

Por outro lado, os princípios internacionais e o costume são tidos “lato sensu” como normas, que devem ser obedecidas, embora nem sempre se tem certo, a consequência de eventual infringência.

Assim, temos uma variedade de normas internacionais, das mais diversas origens, que buscam harmonizar e mesmo uniformizar as relações internacionais.

A grande maioria das normas internacionais são produzidas pelos próprios Estados, em tratados internacionais multilaterais e bilaterais, que eles mesmos se propõem a cumprir; isto é, são ao mesmo tempo os legisladores e aqueles para os quais as normas são dirigidas, quando não os julgadores do descumprimento. Em suma: na sociedade internacional, o poder de impor normas, de cumpri-las e julgá-las, é diversificado e fragmentado, inexistindo poderes eleitos e com organicidade, perfeitamente delimitada.

Entretanto, as normas existem, são tidas como tais e em geral são acatadas. Se entendermos que a sociedade, seja ela qual for, interna ou internacional, se mantém íntegra por instrumentos de contenção, de repressão e de premiação das boas práticas, as normas internacionais cumprem o seu papel e formam um sistema jurídico, porque sobreleva no horizonte internacional um “ius cogens” composto de normas tidas como fundamentais, como as que são de direitos humanos, ainda que não provindas de tratados.

A pergunta que fica para a pesquisa acadêmica é se tais normas prevalecem por serem “hard law” e/ou por serem “soft law”?

Aqui há uma provocação, porque muitos estudiosos não dão ao Direito Internacional a natureza de Direito e não veem no sistema internacional, um sistema jurídico.

Opiniões à parte – todas respeitáveis – entendemos que são normas e que o sistema jurídico existe: algumas rigidamente postas, com consequências estabelecidas pela eventual indisciplina; outras, revelam-se mais atuantes pela expectativa do cumprimento por todos, e caso este não ocorra, o efeito será de prejuízo econômico, social ou político, o que às vezes é mais temido, do que uma decisão judiciária, do que uma condenação.

Por tais motivos, concluímos que o mundo internacional vive basicamente desse desiderato, dessas expectativas, do que de considerações técnico-jurídicas, muito agosto dos ordenamentos jurídicos internos.

O que releva dizer que as normas internacionais são intrinsecamente de “soft law”. Adaptáveis, às situações, interpretativas, de textura aberta, maleáveis, inquebrantáveis – ou, o que se deseja assim – porque se dobram às intempéries dos ventos políticos, mas não se rompem em definitivo; as revoluções, com total quebra do sistema, não são alimentadas e queridas: discute-se; existem celeumas e críticas, mas o Direito Internacional mantém-se hígido; a sua força está na sua aparente fraqueza.

Entender que o Direito, como sistema, somente funciona pela hierarquia das normas e por regras de imputação (Kelsen) até chegar à Constituição Federal e/ou, mais adiante, à chamada “norma hipotética fundamental”, é empobrecê-lo.

O sistema internacional funciona pelo convencimento, pela cooperação, pela idealização do conviver social, em paz, em todas as áreas, no Direito considerado público (que envolve Estados) e no considerado Direito privado (que envolve particulares), tendo em vista o compromisso dos Estados e relativizar as suas soberanias, e criar regras de aceitação do direito estrangeiro.

Não há necessidade de punição e medo, mais do que aceitação. Se aquelas funcionam para o Direito interno, não é certo que funcionem de igual forma, para o Direito Internacional.

Na área internacional somos, basicamente, “soft law”.

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