por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional
da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional
Público e Privado
“longe é um lugar que
não existe”
Fernão Capelo Gaivota
Primeiro a terra começou a tremer, depois passou a
chacoalhar, por fim deu saltos para cima e para baixo, fez caírem os templos e
as colunas, as pontes, os prédios, as velas dos altares, as panelas que estavam
no fogo, os inflamáveis caseiros e industriais sobre as madeiras das casas, de dois
e três andares, que iam ao chão engolidas pelas fendas, e no lugar as labaredas
subiam ao céu; e multiplicavam-se os mortos – crianças, velhos, mulheres,
pecadores, cristãos e ateus, bons e maus, crentes, religiosos e piedosos,
ladrões e fidalgos. O odor de carne queimada e o som dos gritos, pedidos de
socorro e de “valha-me Deus” igualavam-se no terror. A terra estava escura e
cortada em fendas, de onde saiam línguas rubras, enquanto as pedras das
calçadas zumbiam por sobre as cabeças. E, quando tudo parecia estabelecido, o
oceano veio irado e sufocante do horizonte, em mais de dez metros de altura, engolindo
a tudo e a todos, relampejando e invadindo quilômetros de terra até atingir as
mais altas. Essa sinfonia da catástrofe, executada com sons equívocos e
estrondos alucinantes sob a pele enrugada e ferida da terra, era agora só
escombros e mortes.
E tudo isso não seria visto nem sentido, se não houvesse
palavras.
Antes, concomitante e após Lisboa, muitos terremotos
aconteceram, e muitos outros acontecerão. Do Norte da África à Escandinávia, o
subsolo em ondas, veio avisar que vivemos sobre uma gelatina que pensamos
sólida. São Francisco, 1906, e os sismos de 1920, 1927 e 1932, na China, 1930,
em Tóquio. A lista seria infindável: 2004 (Oceano índico), 2005 (Sumatra), 2006
(Java), 2007 (Ilhas de Salomão), 2010 (Sumatra), 2010 (Haiti), 2010 (Chile).
2010 (Indonésia), 2011 (Japão), e todos com mais números de morte do que
Lisboa! Mas, Lisboa, Lisboa, foi diferente, arruinou uma cultura, uma forma de
ser, de enxergar a vida e a religiosidade; tanto assim é que, hoje a Capital
portuguesa tem um museu só do “Terramoto” (como eles falam).
E tudo isso, não seria visto nem sentido, se não houvesse
palavras.
A natureza imita o ser humano, que imita a natureza, no que é
menos científico e estudado e mais humano. Temos muitos terremotos, que a Geografia,
a História, a Sismologia, a Ciência explicam, mas não respondem, simplesmente
aceitam...é assim.
Temos muitos terremotos internos, que a Psicologia, a
Psicanálise, a Biologia, a Religião explicam, mas não respondem, simplesmente
aceitam ...é assim.
Em quantos destes sismos particulares e solitários escapamos
com vida?
“Às vezes, pequenos terremotos
ocorrem do lado esquerdo do meu peito.
Fora, não se dão conta os desatentos.
Entre a aorta e a omoplata rolam
alquebrados sentimentos.
Entre as vértebras e as costelas
há vários esmagamentos.
Os mais íntimos
Já me viram remexendo escombros.
Em mim há algo imóvel e soterrado,
em permanente assombro.
“Assombro” de Afonso Romano Sant´Anna
E o caminho é por tudo um caminhar, e continuar, ação e
movimento, como adivinhava Heráclito.
Os governantes não administram a sociedade e não buscam
minorar o sofrimento do povo pela educação, pelo trabalho e pelo estudo.
O nosso governo interior,
em tudo desgovernado:
ação, reação, ação, reação,
sem raciocínio, sem contemplação.
E os sismos interiores,
em tudo se identificam
com os sismos exteriores:
cismarentos, sismográficos,
ficamos, a maior parte das vezes,
em nossas vitórias e revezes,
apáticos
...é assim.
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