quinta-feira, fevereiro 15, 2024

O terremoto de 1755 em Lisboa e os terremotos internos da vida

 


por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

  

 

                                                               longe é um lugar que não existe

                                                                                   Fernão Capelo Gaivota

 

 

Primeiro a terra começou a tremer, depois passou a chacoalhar, por fim deu saltos para cima e para baixo, fez caírem os templos e as colunas, as pontes, os prédios, as velas dos altares, as panelas que estavam no fogo, os inflamáveis caseiros e industriais sobre as madeiras das casas, de dois e três andares, que iam ao chão engolidas pelas fendas, e no lugar as labaredas subiam ao céu; e multiplicavam-se os mortos – crianças, velhos, mulheres, pecadores, cristãos e ateus, bons e maus, crentes, religiosos e piedosos, ladrões e fidalgos. O odor de carne queimada e o som dos gritos, pedidos de socorro e de “valha-me Deus” igualavam-se no terror. A terra estava escura e cortada em fendas, de onde saiam línguas rubras, enquanto as pedras das calçadas zumbiam por sobre as cabeças. E, quando tudo parecia estabelecido, o oceano veio irado e sufocante do horizonte, em mais de dez metros de altura, engolindo a tudo e a todos, relampejando e invadindo quilômetros de terra até atingir as mais altas. Essa sinfonia da catástrofe, executada com sons equívocos e estrondos alucinantes sob a pele enrugada e ferida da terra, era agora só escombros e mortes.

E tudo isso não seria visto nem sentido, se não houvesse palavras.

Antes, concomitante e após Lisboa, muitos terremotos aconteceram, e muitos outros acontecerão. Do Norte da África à Escandinávia, o subsolo em ondas, veio avisar que vivemos sobre uma gelatina que pensamos sólida. São Francisco, 1906, e os sismos de 1920, 1927 e 1932, na China, 1930, em Tóquio. A lista seria infindável: 2004 (Oceano índico), 2005 (Sumatra), 2006 (Java), 2007 (Ilhas de Salomão), 2010 (Sumatra), 2010 (Haiti), 2010 (Chile). 2010 (Indonésia), 2011 (Japão), e todos com mais números de morte do que Lisboa! Mas, Lisboa, Lisboa, foi diferente, arruinou uma cultura, uma forma de ser, de enxergar a vida e a religiosidade; tanto assim é que, hoje a Capital portuguesa tem um museu só do “Terramoto” (como eles falam).

E tudo isso, não seria visto nem sentido, se não houvesse palavras.

A natureza imita o ser humano, que imita a natureza, no que é menos científico e estudado e mais humano. Temos muitos terremotos, que a Geografia, a História, a Sismologia, a Ciência explicam, mas não respondem, simplesmente aceitam...é assim.

Temos muitos terremotos internos, que a Psicologia, a Psicanálise, a Biologia, a Religião explicam, mas não respondem, simplesmente aceitam ...é assim.

 

Em quantos destes sismos particulares e solitários escapamos com vida?

 

Às vezes, pequenos terremotos

ocorrem do lado esquerdo do meu peito.

Fora, não se dão conta os desatentos.

Entre a aorta e a omoplata rolam

alquebrados sentimentos.

Entre as vértebras e as costelas

há vários esmagamentos.

Os mais íntimos

Já me viram remexendo escombros.

Em mim há algo imóvel e soterrado,

em permanente assombro.      

                          “Assombro” de Afonso Romano Sant´Anna

 

E o caminho é por tudo um caminhar, e continuar, ação e movimento, como adivinhava Heráclito.

Os governantes não administram a sociedade e não buscam minorar o sofrimento do povo pela educação, pelo trabalho e pelo estudo.

 

O nosso governo interior,

em tudo desgovernado:

ação, reação, ação, reação,

sem raciocínio, sem contemplação.

E os sismos interiores,

em tudo se identificam

com os sismos exteriores:

cismarentos, sismográficos,

ficamos, a maior parte das vezes,

em nossas vitórias e revezes,

apáticos

...é assim.   

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