quinta-feira, abril 18, 2024

A sinédoque sociopolítica do nosso tempo e os vendilhões do Templo

 


(aqui, uma explicação: o presente texto é de simples ironia, sem qualquer cor religiosa, embora a expressão “vendilhões do templo” e a figura da “sinédoque” – que em termos simplório é a troca do todo pela parte, uma espécie de metonímia, também serve para a nossa análise

 

por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado 

 

 

Apesar do título, vamos a uma metáfora, bem exemplificada por Mia Couto:

A guerra é uma cobra que usa nossos próprios dentes para nos morder. Seu veneno circulava agora em todos os rios de nossa alma. De dia já não saímos, de noite não sonhávamos. O sonho é o olho da vida. Nós estávamos cegos.

 

E uns versos de Thiago de Mello em os Estatutos do homem:

 

Fica decretado que todos os dias da semana,

Inclusive as terças-feiras mais cinzentas,

Têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

 

A humanidade está em um momento crucial de interpretação errônea dos fatos, dos atos e das pessoas. Parece que regredimos socialmente, ou então, estamos patinando no caminhar da história, repetindo eventos, apenas com a mudança de personagens e, por vezes, com a mudança dos palcos em que as ações se desenvolvem.

Século XXI! E continuamos a pisar nas pedras e areias da época de Cristo, e a crucificá-lo, ainda que os vendilhões do templo venham a ser expulsos, por aqueles poucos que em suas comunidades, em seus pequenos grupos de amigos, tomam a atitude de se posicionarem contra os acontecimentos.[1]

O Templo, dizem os exegetas, é o nosso próprio corpo, e nos dias de hoje pode ser considerado, também, o globo terrestre. Os vendilhões estão espalhados, encapuçados, exercem diversas profissões, e, principalmente, estão à frente dos poderes do Estado e das organizações criadas pelo homem.

Quem expulsará os vendilhões do Templo?

Julga-se o povo pelo seu líder: os judeus por Netanyahu, os palestinos pelo chefe dos grupos terroristas, os coreanos do norte por Kim Jong-un; os russos pelas ações de Putin; os iraquianos pelo Aiatolá que lá se encontre, em um ir e vir do todo pela coisa, do grupo pelo homem, da ideia pela ação.

Quem expulsará os vendilhões do Templo?

Pode-se fazer críticas às ações de um governo, sem que isto represente censura ou condenação ao seu povo ou reatualização dos atos desumanos de uma guerra; esta hipótese pode ocorrer, com todos os líderes supramencionados, sem que isso retrate a alma das pessoas que vivem em seus respectivos territórios.

Personificar um povo pela ação desumana, desastrosa, confusa, sanguinária daquele que detém a representação do Estado, é incentivar a incompreensão e a guerra, como, efetivamente querem seus expositores.

Quem expulsará os vendilhões do Templo?

 Aceitar e receber as críticas sobre as ações de vindita e de perseguição, é admitir que o líder daquele Estado, possa não estar totalmente certo nas suas avaliações políticas. Quem sabe as estratégias diplomáticas e de poder possam ser analisadas e qualificadas de forma diversa, e assim, mudar rumo da história!  Sabe-se, no entanto, que tal raciocínio é de difícil concretização, tendo em vista motivações históricas, geopolíticas, econômicas, religiosas e de domínio.

As dificuldades são muitas e muitas as variáveis do xadrez internacional; o povo, por vezes, age sem pensar, pega em armas e bandeiras e proclama sua raiva contra aqueles que são apontados como inimigos, provavelmente, outro povo, que não sabe com clareza as motivações da guerra.

Atacar para defesa de um território é possível, mas não se pode admitir a ultrapassagem dos limites aceitos pela comunidade internacional, principalmente os limites referentes aos direitos humanos; afinal, a humanidade é uma só, e a ideia, nas mais avançadas doutrinas, é a de que tais direitos constituem o “ius cogens” internacional, independentemente da existência de tratados assinados e compromissados pelos Estados.

Perigoso provocar o contra-ataque – que também deve ser reprimido - de outros povos que se veem atingidos pela demonstração de poder e de força, daquele que possui armas e razões iniciais para uma contraofensiva ou para um novo ataque.

Quem expulsará os vendilhões do Templo?

Não haverá parada, a não ser pelo número de mortos, e eventualmente, pela rendição (talvez seja este o objetivo de alguns líderes).

 

Vai aqui um versinho despretensioso, de quem vê o mundo pelos olhos da ingenuidade e pelas razões do idealismo:

 

Na crônica da desesperança

na metáfora da escrita,

ilude-se esta criança

entre vocábulos constrita.

Razões existem para tudo,

Irrefletidas e pessoais,

daqui a pouco no globo mudo

só restaram animais!

 



[1] Evangelho de São João. Jesus expulsa os vendilhões do Templo (vendedores de bois, ovelhas, pombas, cambistas). Foi um gesto de raiva e de purificação, de afastamento das iniquidades, de limpeza.

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