quarta-feira, outubro 09, 2024

Uma guerra no território brasileiro

 


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado


Hezbolah, Ramás, Putin, Netanyahu, Gaza, Líbano, Irã.  Milhares de pessoas mortas, soldados, civis, velhos, mulheres, crianças, escolas e hospitais destruídos, artefatos de guerra caindo sobre as cabeças, balas nos peitos, cérebros em desfazimento, sopas de sangue, pele e ossos, e quem não morre fica incapacitado para a vida. Um cenário de total destruição!

E aqui, é diferente?

Milhares já morreram no Rio de Janeiro e em São Paulo, e em algumas cidades e capitais do Nordeste, grupos terroristas de bandidos contra grupos terroristas de bandidos, e o Estado resolveu entrar na guerra, Netanyahus e Putins no comando do poder: crime contra crime, “olho por olho, dente por dente”. Não se pensa em escola, em saneamento básico, em livros, em professores, em civilidade. Só temos milícias, militâncias, relações militarizadas, armas aprovadas e difundidas, para os membros bem situados da sociedade civil, mas desaprovadas para os membros da periferia, que não se intimidam e furtam e roubam armamentos do exército e das polícias, e dos “cidadãos de bem”, já que não conseguem armas pelos meios legais. A legalidade da posse e a ilegalidade da posse de armas, e um único objetivo: matar.

É inquestionável, estamos em guerra interna de uma sociedade doente divorciada do governo.

Por que será que bandidos e governantes pensam como bandidos? Qual a diferença? Nós, do Estado, não seguimos a lei, como eles também não a seguem.

Governar – pensamento antigo – é fazer obras e combater com força total e liberdade dos “agentes da lei”, para lutar contra o crime, nem que para tanto tenham que atirar a torto e a esmo, acertando o núcleo da ação do meliante, ainda que inocentes estejam por perto. Contingência. É a vida! Na guerra, também morrem inocentes. Contingência. É a vida!

O que se pode esperar de um planejamento governamental que incentiva as armas e deplora os livros e os grandes escritores, pensadores e pedagogos, como aqueles que ousaram contrariar a lógica do poder? Nada, a não ser a continuação da guerra, a formação de um submundo social e a formação de futuros bandidos, estejam cobertos por capuzes ou que airosamente se mostrem orgulhosos de suas posições sociais.

Temos os nossos Hezbolahs, Ramás, Putins, Netanyahus, Gazas, Líbanos e Irãs, estão todos aqui, travestidos de civilização organizada, terra do samba e do pandeiro, do futebol e das praias, da bondade e da religião!

Das eleições democráticas podem sair vitoriosos, os que têm discursos de ódio e de domínio, para manter o quadro de organização aparente, de superficial obediência à Constituição e às leis, e de ataques às instituições; de desobediência, enfim, ao Estado Democrático de Direito. Com isso, produzem-se novos líderes e se influenciam novas gerações educando-as para a permanência do pensamento fantasista, de que “uns nasceram bons, para o bem, para mandar, e outros para a escória e marginalização social”. “Não dar pérolas aos porcos”, a estes, só cascas de banana.

A quem interessa a manutenção dos porcos?

A cegueira dos que andam aprumados, não faz com que percebam que sua condição de tiflose endêmica alimenta as sombras dos esfarrapados, que sempre os ameaça numa guerra social sem tréguas, e sem objetivo.

A ilusão da aparência social do progresso, é em si, a gestação do caos. Não há verdadeiro progresso, quando o corpo e o espírito de todos que vivem no território, não estiverem devidamente nutridos.

O número de mortos no Brasil, corpos desfeitos e espíritos dissolvidos pela química da incompreensão e do desamor, é bem maior do que as guerras que acontecem no Oriente médio e nas placas do continente euroasiático, porque permanentes no tempo e no espaço, como células cancerosas, que se multiplicam em todo tecido social. Os governantes, médicos políticos, não avançam na ciência do tratamento social, porque querem manter o hospital repleto de doentes.

Temos a nossa própria Gaza e a nossa própria Ucrânia.

Até quando?! 


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