Em nossos estudos acadêmicos, necessitamos mais do que ler,
observar o que está por trás da leitura, mais do que isso, observar o mundo ao
redor, que é a leitura da realidade. Reconhecer que o Direito está em crise:
crise do Estado, crise do sistema jurídico internacional, crise do ser humano,
crise nas empresas, crise no trabalho, é o primeiro passo.
O Estado soberano não tem mais o poder absoluto de ditar
normas e de administrar o seu próprio território, porque os ventos da vida
internacional ultrapassam suas fronteiras, quer pela ação humana, quer pela
ação dos Estados mais poderosos e que estabelecem as regras – principalmente
econômicas – e que movimentam a vida em sociedade, quer pela ação das empresas
transnacionais, multinacionais e globais, quer pelas novas relações de
trabalho, envolvendo empregados, não-empregados e autônomos, quer pela revolta
da própria natureza, que em face da atividade humana de poluição do ar e do
mar, e pela destruição das florestas, cria condições desastrosas de
sobrevivência, que o Estado não tem mecanismos administrativos eficientes para
resolver.
O Estado – membro da sociedade internacional – em crise,
provoca a crise desta própria sociedade e do direito que a ampara. Há, pois,
uma crise do sistema jurídico internacional, estabelecido a partir de 1945, com
a instituição da Organização das Nações Unidas. A ONU conseguiu resolver o
mundo pós-guerra, estabelecendo a paz, e um sistema que buscou a segurança
internacional, com um órgão forte e ativo, o Conselho de Segurança, composto
pelos EUA, França, Grã-Bretanha, Rússia e China, países estes que possuem o
poder de veto. No entanto, já de algum tempo, este órgão não funciona mais,
porquanto os países estão divididos, EUA, França e Grã-Bretanha, de um lado,
Rússia e China, de outro. Os princípios básicos do ordenamento jurídico
internacional, igualdade entre Estados e soberania absoluta destes, revelam-se
abaladas.
Por outro lado, há um sistema jurídico internacional de
natureza privada, posto que as regras decorrentes do capitalismo, das empresas e
do mercado, impingem aos Estados e às pessoas um caminho, quase único, nas
relações internacionais. Em outras palavras, os Estados e os organismos
internacionais por eles criados se veem obrigados a considerar as atividades empresariais
privadas, em virtude dos interesses econômicos.
A crise do ser humano e das empresas é sentida na mudança
sensível que se processa no mundo internacional. O ser humano não é mais
somente o beneficiário das normas internacionais de direitos humanos, mas é
também responsável por seus atos internacionais, podendo ser considerado agente
de crime internacional e, como tal, ser processado e julgado pelo Tribunal
Penal Internacional – TPI, ainda dentro do sistema clássico dos Estados soberanos.
Será que funciona?
Por sua vez, as empresas, ganharam, também “status” de sujeitos
de Direito Internacional, porque atuam na vida internacional, independentemente
dos Estados, e, portanto, podem ser responsabilizadas na área internacional. Além
do que, estabelecem o perfil e conteúdo do que se convencionou chamar de
“mercado”: o mercado nacional, o mercado regional e o mercado internacional.
Tendo em vista a importância do “mercado”, na modernidade, acontece um fenômeno
sociopsicológico, porque, atualmente parece que o mercado tem individualidade
(“o mercado está triste”; “o mercado está nervoso”), e o indivíduo desaparece,
como uma simples peça dessa engrenagem.
Tudo se reflete no trabalho, com vínculo ou não. Tradicionalmente
o trabalho era o subordinado, com carteira assinada, e toda uma gama de valores
pessoais, familiares e profissionais giravam em torno desse fato. O labor se
desenvolvia dentro das paredes da empresa, e a empresa situava-se no território
do Estado. Havia uma cultura histórica da empresa, para aqueles que quisessem
pertencer aos seus quadros; não são poucos os casos em que o funcionário
admitido tinha uma semana de palestras sobre a empresa, como esta nasceu, como
se desenvolveu, quais foram seus líderes etc. Hoje tal cultura se dilui,
desapareceu. O funcionário não necessita mais do encontro físico nas
dependências da empresa, nem esta se situa em algum lugar específico, porque
pode virtualmente estar em todos os lugares, até na própria casa de seu
funcionário. A regra é “anywhere office”, trabalhe em qualquer lugar, em
qualquer horário, com qualquer roupa; apenas produza. Quando possível, torne-se
um cooperador autônomo, com mais vantagens pessoais do que ser um empregado;
seja um empreendedor e tenha o seu próprio negócio.
Com tudo isso, vem a revolução tecnológica, o mundo
cibernético, com normas próprias e de comunicação. Os relacionamentos mudam de
natureza, olho no olho da tela, da máquina, do computador, do celular.
É interessante como alunos de um curso se apresentam – quando
se apresentam! – numa classe de aula, sem caderno, sem livro, sem caneta, sem
lápis, só com o iPad e os olhos voltados para o celular. Quando há uma prova
escrita – o que é raro e sob protestos – sempre com a possibilidade de consulta
tecnológica, nem é preciso o professor se preocupar com eventual cola de um
companheiro pelo outro, porque colar já não é um caminho de malandragem, para
uma nota razoável, confia-se mais no computador e não no colega, que poderia
ter estudado a matéria. É o mundo virtual que se tornou, de vez, o mundo real:
namora-se vitualmente, comunica-se virtualmente, tem-se milhares de “amigos”,
no mundo virtual. A vida não é a das estrelas, da Lua, das montanhas, dos rios,
dos mares, do sol, das praias, das ruas, dos cafés, dos encontros. A vida se
apresenta nas telas. A visibilidade das pessoas ali se encontra; não estar em
alguma tela, e não ser apontado nas comunicações tecnológicas, é não existir:
só existo se pertencer ao grupo tecnológico, sem ele não tenho olhos, não tenho
pernas, não tenho braços, não tenho coração, não tenho personalidade.
O mundo está em crise!
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