terça-feira, dezembro 03, 2024

O Direito e sua transformação

 


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado


Na sua importante lição, Jónatas Machado, professor da Faculdade de Coimbra, em seu livro de Direito Internacional, ora na 5ª. edição, expõe de forma objetiva e clara: “As convenções internacionais constituem o mais importante instrumento de criação do direito internacional. Na sua acepção inicial, as convenções internacionais eram entendidas como acordos orientados para a disciplina jurídica das relações entre Estados. A doutrina tradicional subsumia o tratado às relações, recíprocas e de boa fé, `soberano-soberano`, ao passo que a lei surgia no contexto das relações ´soberano-súdito` A conceptualização tradicional dos tratados internacionais arrancava da sua clara demarcação relativamente às leis internas. As convenções internacionais são hoje muito mais do que isso. Elas fornecem hoje uma espécie de ´bloco de constitucionalidade internacional` universalmente válido e imediatamente vinculante. Do mesmo modo, elas permitem que se fale com propriedade da existência de uma ordem jurídica interna da comunidade internacional, extensiva aos mais variados domínios, distinta da mera disciplina das relações entre Estados soberanos.[1]

Há aqui o reconhecimento de uma nova dimensão das leis internacionais, que por vezes tentamos explicar aos nossos alunos, e que nem sempre somos felizes: O Direito Internacional não é mais o Direito dos tratados, enquanto regras de relação entre Estados, nem mais o Direito dos Estados soberanos; é algo muito maior, que envolve a sociedade humana, como um todo, em todas as suas relações, privadas e públicas.

O Estado moderno transformou-se – na sua grande maioria – em centros, vórtices, nos quais giram centrifugamente, todas as relações humanas, e o Estado que não se portar assim, tende a não ser mais um Estado soberano, nem, por óbvio se configuraria bem na figura de um Estado-nação, porque a globalização não o permite.

Há uma guerra surda travada entre o poder do Estado e os poderes privados, entre os interesses do Estado e os interesses privados, entre o mercado estabelecido pelas relações privadas e empresariais e os direitos humanos, às vezes coordenados pelos Estados e às vezes necessariamente administrados pelas empresas transnacionais, entre a comunicação pelos textos e livros, palavra escrita e falada, e a dos computadores e celulares, entre o direito interno e o direito internacional, entre o que é global e o que é doméstico, entre o espaço público e o espaço privado. Disso tudo, resultará algo, alguns vencedores e alguns vencidos, ou, o que seria mais desejável, uma simbiose, um casamento entre a realidade e o sonho, o possível e o desejável.

O Direito Internacional é o condutor de uma transformação no Direito, que influenciará o Direito interno, assim como este, em troca, influencia o Direito Internacional, quer nas suas instituições, quer na concretização de suas normas, nos diversos foros de discussão e de decisão.

Não há nítida separação entre os sistemas jurídicos, internos e internacional, e dependendo da constituição daqueles, como no caso do Brasil, é fato que um julgamento justo, pelos órgãos jurisdicionais internos, deverá levar em conta o que pensam os tribunais de outros países sobre igual matéria, e mesmo o que já decidiu a Justiça internacional, pelas suas diversas cortes, abrangendo os direitos humanos, o direito dos Estados, o direito das empresas etc.

Este é um mundo novo a ser descoberto. Os professores antigamente diziam com propriedade, que eram da área do direito público ou da área do direito privado, hoje, não sei se é possível ter tanta certeza, apesar da separação das matérias e dos princípios específicos por elas empregados, em cada campo.

Eu, por exemplo, dou aulas de Direito Internacional (gosto sempre de utilizar as letras maiúsculas, para bem observar a importância da matéria), mas vejo-me a cada momento, envolto em questões do Direito interno, em suas diversas áreas, todas influenciadas pelo Direito Internacional.

Conclusão: sou professor de Direito, e isto me basta e abre um campo de exploração acadêmica e jurídica de dimensões não previstas! Se pudesse, acho que reiniciaria os meus estudos de Direito, desde o primeiro ano! Quero entender e absorver as falas e pensamentos daqueles que vivem o dia a dia do Direito.

Vou tateando, com os meus óculos escuros e minha bengala branca, não enxergo quase nada do Direito; para ver se reconheço o contorno de algumas de suas clássicas colunas. Será que ainda existem, ou estou andando em círculos, em um pátio aberto e amplo?

Peço ajuda. Os caminhos do Direito aí estão e todos nós – um bando de cegos – precisamos nos dar as mãos sem preconceito.

Caminhar, a única possibilidade!

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