Seguindo nossa intenção de contar com a colaboração dos colegas neste blog, postamos abaixo as observações pertinentes da Profª Fernanda Miranda Abreu, especialista em Direito Internacional e mestranda (PUC/SP) em Direito das Relações Econômicas Internacionais.
Mali: chance de reinício ou mais do mesmo?
Hoje
o Secretário Geral da ONU, o sul-coreano Ban Ki-moon, expressou o apoio das
Nações Unidas à iniciativa francesa de intervir em Mali, um pequeno país
africano que já foi sua colônia e apenas se libertou quando a política
imperialista se mostrou insustentável, lá pelos idos de 1960.
Desde
janeiro de 2012 a pequena república africana está mergulhada em um estado de
guerra civil, entre as forças do governo e rebeldes da etnia Tuareg, extremistas
islâmicos que recorreram às armas para enfrentar um poder que julgam ilegítimo.
Sabe-se que as Nações Unidas não intervêm em situações de conflito interno, de
guerra civil. Tanto que apesar da situação calamitosa da Síria não foram
autorizadas medidas armadas em repúdio às atrocidades perpetradas pelos
governantes daquele país.
Qual
seria o diferencial, então, da situação de Mali? As forças rebeldes armadas
estariam em franca e crescente cooperação com os terroristas da Al-Qaeda,
ameaçando a paz internacional e a integridade de diversos cidadãos não-
maleses. Tais ameaças foram abordadas e
enfrentadas pela Resolução 2085 do Conselho de Segurança da ONU, em outubro de
2012, autorizando uma missão de paz com a utilização de forças militares para
impedir o avanço dos extremistas islâmicos.
Com
o aumento da violência naquele país e tendo como estopim o sequestro de oito
reféns franceses, a França decidiu intervir militarmente em sua antiga colônia,
atendendo ao pedido feito pelo presidente malês, Dioncounda Traoré. François
Hollande, contrariando o seu discurso de campanha, retoma velhos hábitos de
políticos franceses.
Hollande
subiu ao poder com a promessa de ser um sopro de ar fresco na vetusta e
engessada política francesa, ainda eivada dos ranços da sua política
imperialista de intervir em todas as esferas em suas antigas colônias, com as
quais se mantém umbilicalmente ligadas.
Expressando sua discordância com a política da “Françafrique” (corruptela com
France e Afrique), o novo presidente francês disse que não interviria naquele
desolado continente, mantendo a esfera de atuação francesa apenas em questões
de desenvolvimento humano e de infraestrutura.
No
entanto, velhos hábitos não perecem facilmente e desde 11 de janeiro as forças
armadas francesas, juntamente com as outrora inimigas forças argelinas, têm
atacado os rebeldes, procurando coibir sua disseminação e reprimir a sua
atuação violenta. Dos 5 membros permanentes do Conselho de Segurança, apenas a
França resolveu agir, sob os auspícios da Resolução 2085.
A
Sociedade Internacional observa assombrada o novo episódio da triste epopeia
que se constituiu a atuação do Conselho de Segurança – cujas atuações armadas
se mostraram desastrosas no passado. Questiona-se a capacidade do governo
francês para lidar com tal intervenção e se, mais uma vez, o povo local será
sacrificado sem perspectivas auspiciosas. Nos resta esperar as cenas dos
próximos capítulos.
No mundo real são poucas as oportunidades em que nos deparamos em um conflito maniqueísta, ou que pelo menos se aproxime disso... Em geral, aqueles que brigam estão certos e errados ao mesmo tempo, dada a complexidade de interesses e a (i)legitimidade de pleitos... Daí, julgamos que, ao final, estão todos errados, somente pelo fato de estarem guerreando e provocando sofrimento e morte...
ResponderExcluirA meu ver, um dos poucos casos maniqueístas na história da humanidade ocorreu na 2ª Guerra Mundial... Difícil não creditar aos países do eixo (Alemanha, Itália e Japão) o papel de vilão e de não entregar aos aliados (Estados Unidos, Reino Unido e União Soviética) o personagem de mocinho...
No atual contexto do Mali, vislumbro situação semelhante... Não enxergo interesses econômicos reais por trás da intervenção francesa, mas sim, o interesse em coibir que grupos fundamentalistas jihadistas, defensores do radicalismo religioso, da opressão às mulheres e as outras minorias, do retrocesso tecnológico, da destruição de patrimônios históricos, e das penas cruéis de mutilação, conquistem um território estratégico para expandir as suas práticas terroristas por toda a região do Magreb e até da Europa...
Além disso, vale frisar que a legitimidade da França em intervir no Mali é inquestionável, dada a autorização concedida pelo Conselho de Segurança da ONU (Resolução 2085) e o pedido pessoal do Presidente do país africano em apuros para que uma ação imediata fosse tomada. Toda a comunidade internacional apoia o ato francês, em uma cena semelhante à ação das tropas lideradas pelos Estados Unidos em resposta à invasão do Kuwait pelo Iraque, em 1990, configurando a Guerra do Golfo... Em suma, a ameaça à paz e à segurança internacional estão em jogo, e, dessa vez, é de verdade (sem armas químicas escondidas nas cavernas).
Perdoem-me se me acharem demasiadamente ingênuo, mas, nesse episódio singular, não titubeio em vestir a camisa do Mali, da França e de todos os demais países da União Africana Ocidental que se engajarem para conter os radicais islâmicos... Dessa vez, sim, estou do lado dos mais fortes.