No nosso artigo anterior, falávamos do papel da diplomacia
presidencial e sua importância nas relações internacionais. A Presidência da
República, concluímos, não precisa ser ocupada por pessoa de conhecimentos
específicos nesta questão, ou mesmo na maioria das questões. Não se espera isso
daquela figura.
Nesta semana o Senado Federal negou (em situação com raríssimos
precedentes, um deles remontando a Jânio Quadros, o que só reforça a gravidade
do caso agora) a indicação feita pelo Itamaraty de diplomata para o posto de delegado
permanente do Brasil na ONU em Genebra. O cargo, importante por si próprio, tem
recebido mais destaque nos últimos tempos dada as posições que a diplomacia
brasileira vem defendendo a partir das ideias do atual Governo Federal. O que
nos leva à questão central: a representação internacional do Brasil é
posicionamento de Estado ou de Governo?
A Constituição Federal de 1988, no seu artigo 4º, define com clareza
que o Brasil se regerá, em suas relações internacionais, pelos princípios ali
definidos. Dentre eles, podemos observar a prevalência dos direitos humanos, a
defesa da paz, o repúdio ao racismo, anotando ainda a Constituição que o Brasil
buscará a integração dos povos da América Latina.
Naturalmente a cada mandatário é assegurado o direito de estabelecer
suas agendas, suas prioridades e se há algo do qual não se pode culpar a atual
Presidência é de estelionato eleitoral. Dito isto, é sua obrigação, nas
relações internacionais, seguir a posição de Estado, a partir dos princípios
constitucionais. Desvirtuar isso é desvirtuar o poder conferido para o
exercício da Presidência da República e parece claro que os princípios do
artigo 4º destacados acima não apenas não são observados mas também claramente
afrontados O próprio diplomata indicado, ainda que de carreira, vem atuando de
forma a claramente atender ao posicionamento político do atual governo,
contrário a tais princípios.
Ou seja, a Constituição define o posicionamento do Estado. A
Presidência da República deve definir suas prioridades e guiar suas ações no
plano internacional à luz de tais princípios. Nos parece claro que não é o que
vem ocorrendo.
Antônio Houaiss (o do dicionário mesmo) trabalhou na documentação
presidencial de Juscelino Kubitschek e “descrevia JK como homem aberto,
auditivo, receptivo, fino sistematizador. Recebia informações novas e as
incorporava de forma permanente, redisciplinando seu espírito. Ficava grato a
quem lhe trouxesse ângulos inesperados. Não tinha preconceitos ideológicos:
ouvia adversários e opiniões discordantes e não se importava com a orientação
filosófica ou doutrinária do interlocutor. Aceitava a palavra dos
estigmatizados da esquerda, assim como os conselhos moderados das raposas de
antanho. Vivia na transição de dois Brasis e saltitava na corredeira da
história, justificando o apelido pelo qual ficou conhecido”*
Juscelino usou, de forma intensa
inclusive, da prerrogativa de enviar aos postos nas embaixadas no exterior indicados
políticos, não diplomatas de carreira (o que, de resto, foi hábito comum aos
presidentes brasileiros até meados dos anos 2000). Mas não o fazia ao arrepio
da Constituição. Não apenas porque a Constituição de então não trazia definições
tão precisas, mas também pela ciência de que, nas relações internacionais,
ainda que por sua indicação, os diplomatas deviam defender posicionamentos de
Estado e não de Governo.
O peixe vivo sabia nadar aquelas
águas.
Por
Fabrício Felamingo
* Trecho
extraído de “JK - o artista do
impossível”, de Claudio Bojunga, Ed. Objetiva, Rio de Janeiro, 2001, página
358.
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