Carlos Roberto Husek
Professor de Direito
Internacional da PUC de São Paulo
O mal do Brasil será
o mal do mundo, o mal da humanidade, em geral, o mal da América Latina, o mal
dos países subdesenvolvidos? Podemos por a culpa em alguém, em algum setor,
geográfico ou histórico, à nossa formação deficiente, ao nosso componente
racial, miscigenado, brancos, pretos, índios, mamelucos, ou aos portugueses que
nos descobriram e por séculos só fizeram explorar, primeiro o pau brasil,
depois, o açúcar, além, o dízimo para a Coroa portuguesa, pelos cobradores de
impostos, ou, ainda, pelos povos que aqui vieram a se estabelecer, sem a devida
integração, constituindo nichos de suas respectivas nacionalidade e carregando
o sangue de família, para dizer sempre que eram nacionais de outro país e que
seus filhos também o eram (ius sanguinis), ou, sobre outro aspecto, a nossa
propensão para a subserviência aos estrangeiros, como se sempre estivéssemos em
dívida, como se não tivéssemos forma uma sociedade, digna desse nome? Há alguma
verdade nestas inferências?
Bem, quem quiser e se
sentir mais tranquilo e justificável – por pertencer a este país (gigante
adormecido!), que não consegue sair de sua condição de terceiro mundo, que
adote uma delas, ou outra que satisfaça. Penso, repenso, condenso, e não
encontro saída. Por que, em pleno século XXI, não temos direção de pensamento?
Nenhuma liderança na América, nenhuma área de influência entre os países
emergentes, nada que nos aponte grande no território, grande na ação, grande –
que seja – para o futuro?
Claro que são
questões angustiantes de quem se sente sem rumo e triste. Triste porque não
ouve uma palavra de ponderação, de equilíbrio, de sensatez, nem do presidente
da República, que somente aparece e fala para disseminar discórdia, empunhar
gritos de guerra contra a COVID, contra as eleições norte-americanas, contra os
gays, contra (indiretamente, talvez), as mulheres, contra os classificados como
inimigos naquela semana, contra a Organização mundial da Saúde, contra a
Organização Mundial do Comércio, contra o processo do “lava Jato”, contra a
Justiça quando abre análise processual em relação aos filhos, contra, contra,
sempre contra, e não administra o mínimo, apenas exigindo de seus ministros –
que em tese deveriam ser os especialistas em cada área – subordinação total.
Estes, os ministros, escondem-se sobre as asas presidenciais, porque apesar
(talvez?) de entenderem que o caminho sobre determinado assunto deveria ser
outro, não ousam contrariar o presidente. O ministro da Saúde, por exemplo,
após analisar os números da pandemia, e após ter encomendado – em um gesto de
autonomia ministerial louvável – vacinas, teve que abortá-las, porque
desautorizado, e fala em rede de televisão que a aglomeração não espalha o
vírus ( embora não seja médico, para contrariar toda fala da Medicina) ou do
ministro da Justiça, que simplesmente se cala diante dos problemas da pasta,
não dando força para qualquer investigação – salvo aquelas que possam
contrariar o presidente – e nada se manifesta em relação às ações de bandidos
em todo o país, com sequestros, mortes, assaltos, mesmo que haja a competência
primária de atuação dos Estados, haveria espaço para uma coordenação, ou do
ministro do Meio Ambiente, que deixou passar a boiada, e com ela se foi,
deixando ao vice-presidente a necessidade de dar explicações à sociedade, ou do
ministro das Relações Exteriores, que não intermedia um necessário meio de
campo para restabelecer diálogos com países que se veem atingidos por falas
impróprias, distorcidas, absurdas, incongruentes de parlamentares ou de agentes
do próprio Executivo, que não faz, enfim, a ponte da amizade, tradicional em
nossa diplomacia, e não busca ( ao que se sabe ) influenciar o presidente da
República nas falas e ações públicas, no que tange aos demais países soberanos.
Temos um governo de
centralização do poder, sem atuação do poder de administrar, e que só se
anuncia para impor obediência irrestrita, mas, ao que se percebe, mantém – que
isso continue – a liberdade de manifestação. Pelo menos isso, caso contrário, a
democracia já estaria enterrada.
Enfim, por que temos
todos esses males? Será que está em nosso DNA histórico, sociológico, e mesmo
biológico, a impossibilidade de irmos na direção correta do bem público,
independentemente da ideologia professada ou da religião, ou do time do
coração, ou da filosofia de vida diária, daquele que toma posse ( que bom que
temos eleições, é o mínimo) no poder?
Vamos dar mão à
palmatória, não somos tão ruins assim: é do ser humano essa constância em ir e
vir, por vezes, sem qualquer gerenciamento, sem qualquer plano maior, só pela
emoção, pela amizade, pelo compadrio.
Freud, em “O Mal
Estar na Civilização”, já estudava e analisava naquela época (1930), algo que
serve para os dias atuais; afinal, a Psicanálise é universal e atemporal:
“É difícil escapar
à impressão de que em geral as pessoas usam medidas falsas, de que buscam o
poder, sucesso e riqueza para si mesmas e admiram aqueles que os têm,
subestimando os autênticos valores da vida. E no entanto, corremos o risco, num
julgamento assim genérico, de esquecer a variedade do mundo humano e de sua
vida psíquica. Existem homens que não deixam de ser venerados pelos
contemporâneos, embora sua grandeza repouse em qualidades e realizações
inteiramente alheias aos objetivos e ideais da multidão. Provavelmente se há de
supor que apenas uma minoria reconhece esses grandes homens, enquanto a maioria
os ignora. Mas a coisa pode não ser tão simples, devido à incongruência entre
ideias e os atos das pessoas e à diversidade dos seus desejos.” (Mal Estar
da Civilização, Sigmund Freud, Obras Completas, Companhia das Letras, p. 14).
Darcy Ribeiro, em uma
visão crítica aos intelectuais brasileiros (eles existem), após descrever sobre
a consciência nacional (a sociedade que aí está e o que dela se espera), diz:
“Tudo isso
significa que não teria cabimento exigir dos intelectuais brasileiros –
sobretudo os de um passado remoto – a capacidade de formular projetos próprios
de reordenação social, então inviáveis (seriam viáveis agora?). Mas
significa também que permanece aberto o desafio de compreender as razões pelas
quais aquela intelectualidade, em muitos casos apaixonadamente nativista,
raramente explorou os limites de sua consciência possível. A verdade é que
poderiam, mesmo então, ter atingido o limiar da consciência crítica que nada
mais é do que a percepção da realidade como problema e a predisposição de
transformá-la. Só em casos excepcionais se atingiu efetivamente essa
consciência crítica (...) De um modo geral, a intelectualidade atuando em
conveniência com os interesses da ordem desigualitária e da manutenção da
dependência e tendo como matriz inspiradora a erudição europeia (e, talvez,
a erudição norte-americana do governo de lá, não presidente eleito, em 2020), produziu
nada mais que uma consciência ingênua, alienada e alienante. Suas criações não
são discursos próprios sobre a realidade circundante elaborados à medida que
esta vai sendo diretamente percebida e expressa em suas variações. Seu discurso
típico é uma reelaboração com materiais exemplificativos locais de compreensões
alheias alcançadas em outra parte e concernentes a outros contextos.” (não
parece similar ao que está acontecendo?) (“Os Brasileiros: 1. Teoria do Brasil,
Estudos de Antropologia da Civilização, Darcy Ribeiro, Vozes, 1985, p.
156)
Não temos resposta
para nenhuma das questões inicialmente propostas. Resta pensar, e pensar não
encontra campo fértil na atualidade. Vamos crer em Deus, ou nos deuses, ou nos
milagres, ou que estamos prestes a acordar de um pesadelo. Afinal, como uma conjunção
de astros – consultem os astrólogos – estamos no Brasil e em vários países do
mundo vivendo um encontro macabro entre Júpiter e Saturno.
Nenhum comentário:
Postar um comentário