sexta-feira, dezembro 04, 2020

O MAL DO BRASIL

 


Carlos Roberto Husek

                           Professor de Direito Internacional da PUC de São Paulo

 

O mal do Brasil será o mal do mundo, o mal da humanidade, em geral, o mal da América Latina, o mal dos países subdesenvolvidos? Podemos por a culpa em alguém, em algum setor, geográfico ou histórico, à nossa formação deficiente, ao nosso componente racial, miscigenado, brancos, pretos, índios, mamelucos, ou aos portugueses que nos descobriram e por séculos só fizeram explorar, primeiro o pau brasil, depois, o açúcar, além, o dízimo para a Coroa portuguesa, pelos cobradores de impostos, ou, ainda, pelos povos que aqui vieram a se estabelecer, sem a devida integração, constituindo nichos de suas respectivas nacionalidade e carregando o sangue de família, para dizer sempre que eram nacionais de outro país e que seus filhos também o eram (ius sanguinis), ou, sobre outro aspecto, a nossa propensão para a subserviência aos estrangeiros, como se sempre estivéssemos em dívida, como se não tivéssemos forma uma sociedade, digna desse nome? Há alguma verdade nestas inferências?

Bem, quem quiser e se sentir mais tranquilo e justificável – por pertencer a este país (gigante adormecido!), que não consegue sair de sua condição de terceiro mundo, que adote uma delas, ou outra que satisfaça. Penso, repenso, condenso, e não encontro saída. Por que, em pleno século XXI, não temos direção de pensamento? Nenhuma liderança na América, nenhuma área de influência entre os países emergentes, nada que nos aponte grande no território, grande na ação, grande – que seja – para o futuro?

Claro que são questões angustiantes de quem se sente sem rumo e triste. Triste porque não ouve uma palavra de ponderação, de equilíbrio, de sensatez, nem do presidente da República, que somente aparece e fala para disseminar discórdia, empunhar gritos de guerra contra a COVID, contra as eleições norte-americanas, contra os gays, contra (indiretamente, talvez), as mulheres, contra os classificados como inimigos naquela semana, contra a Organização mundial da Saúde, contra a Organização Mundial do Comércio, contra o processo do “lava Jato”, contra a Justiça quando abre análise processual em relação aos filhos, contra, contra, sempre contra, e não administra o mínimo, apenas exigindo de seus ministros – que em tese deveriam ser os especialistas em cada área – subordinação total. Estes, os ministros, escondem-se sobre as asas presidenciais, porque apesar (talvez?) de entenderem que o caminho sobre determinado assunto deveria ser outro, não ousam contrariar o presidente. O ministro da Saúde, por exemplo, após analisar os números da pandemia, e após ter encomendado – em um gesto de autonomia ministerial louvável – vacinas, teve que abortá-las, porque desautorizado, e fala em rede de televisão que a aglomeração não espalha o vírus ( embora não seja médico, para contrariar toda fala da Medicina) ou do ministro da Justiça, que simplesmente se cala diante dos problemas da pasta, não dando força para qualquer investigação – salvo aquelas que possam contrariar o presidente – e nada se manifesta em relação às ações de bandidos em todo o país, com sequestros, mortes, assaltos, mesmo que haja a competência primária de atuação dos Estados, haveria espaço para uma coordenação, ou do ministro do Meio Ambiente, que deixou passar a boiada, e com ela se foi, deixando ao vice-presidente a necessidade de dar explicações à sociedade, ou do ministro das Relações Exteriores, que não intermedia um necessário meio de campo para restabelecer diálogos com países que se veem atingidos por falas impróprias, distorcidas, absurdas, incongruentes de parlamentares ou de agentes do próprio Executivo, que não faz, enfim, a ponte da amizade, tradicional em nossa diplomacia, e não busca ( ao que se sabe ) influenciar o presidente da República nas falas e ações públicas, no que tange aos demais países soberanos.    

Temos um governo de centralização do poder, sem atuação do poder de administrar, e que só se anuncia para impor obediência irrestrita, mas, ao que se percebe, mantém – que isso continue – a liberdade de manifestação. Pelo menos isso, caso contrário, a democracia já estaria enterrada.

Enfim, por que temos todos esses males? Será que está em nosso DNA histórico, sociológico, e mesmo biológico, a impossibilidade de irmos na direção correta do bem público, independentemente da ideologia professada ou da religião, ou do time do coração, ou da filosofia de vida diária, daquele que toma posse ( que bom que temos eleições, é o mínimo) no poder?

Vamos dar mão à palmatória, não somos tão ruins assim: é do ser humano essa constância em ir e vir, por vezes, sem qualquer gerenciamento, sem qualquer plano maior, só pela emoção, pela amizade, pelo compadrio.

Freud, em “O Mal Estar na Civilização”, já estudava e analisava naquela época (1930), algo que serve para os dias atuais; afinal, a Psicanálise é universal e atemporal:

É difícil escapar à impressão de que em geral as pessoas usam medidas falsas, de que buscam o poder, sucesso e riqueza para si mesmas e admiram aqueles que os têm, subestimando os autênticos valores da vida. E no entanto, corremos o risco, num julgamento assim genérico, de esquecer a variedade do mundo humano e de sua vida psíquica. Existem homens que não deixam de ser venerados pelos contemporâneos, embora sua grandeza repouse em qualidades e realizações inteiramente alheias aos objetivos e ideais da multidão. Provavelmente se há de supor que apenas uma minoria reconhece esses grandes homens, enquanto a maioria os ignora. Mas a coisa pode não ser tão simples, devido à incongruência entre ideias e os atos das pessoas e à diversidade dos seus desejos.” (Mal Estar da Civilização, Sigmund Freud, Obras Completas, Companhia das Letras, p. 14).

Darcy Ribeiro, em uma visão crítica aos intelectuais brasileiros (eles existem), após descrever sobre a consciência nacional (a sociedade que aí está e o que dela se espera), diz:

Tudo isso significa que não teria cabimento exigir dos intelectuais brasileiros – sobretudo os de um passado remoto – a capacidade de formular projetos próprios de reordenação social, então inviáveis (seriam viáveis agora?). Mas significa também que permanece aberto o desafio de compreender as razões pelas quais aquela intelectualidade, em muitos casos apaixonadamente nativista, raramente explorou os limites de sua consciência possível. A verdade é que poderiam, mesmo então, ter atingido o limiar da consciência crítica que nada mais é do que a percepção da realidade como problema e a predisposição de transformá-la. Só em casos excepcionais se atingiu efetivamente essa consciência crítica (...) De um modo geral, a intelectualidade atuando em conveniência com os interesses da ordem desigualitária e da manutenção da dependência e tendo como matriz inspiradora a erudição europeia (e, talvez, a erudição norte-americana do governo de lá, não presidente eleito, em 2020), produziu nada mais que uma consciência ingênua, alienada e alienante. Suas criações não são discursos próprios sobre a realidade circundante elaborados à medida que esta vai sendo diretamente percebida e expressa em suas variações. Seu discurso típico é uma reelaboração com materiais exemplificativos locais de compreensões alheias alcançadas em outra parte e concernentes a outros contextos.” (não parece similar ao que está acontecendo?) (“Os Brasileiros: 1. Teoria do Brasil, Estudos de Antropologia da Civilização, Darcy Ribeiro, Vozes, 1985, p. 156) 

Não temos resposta para nenhuma das questões inicialmente propostas. Resta pensar, e pensar não encontra campo fértil na atualidade. Vamos crer em Deus, ou nos deuses, ou nos milagres, ou que estamos prestes a acordar de um pesadelo. Afinal, como uma conjunção de astros – consultem os astrólogos – estamos no Brasil e em vários países do mundo vivendo um encontro macabro entre Júpiter e Saturno.

 


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