Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional
da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional
Público e Privado
A dúvida assola a todos nós, que vivemos sob a ordem jurídica
do Estado. Até que ponto a política interfere na interpretação jurídica,
principalmente dos tribunais superiores? É fato que de uns tempos para cá
vivemos de incertezas. Antes, um ex-Presidente da República estava condenado e
preso e o que estava no poder, segundo ele, não tinha contra si nem uma nódoa
de corrupção. Agora não só quem antes era condenado é o supremo chefe da nação,
como o que estava livre de manchas aparece todo malhado com envolvimento em
suas falcatruas, de pessoas dos três poderes e de elementos do exército,
aposentados ou não, segundo as notícias. Antes quem era juiz, estava acima do
bem e do mal, combatente do crime, de mãos limpas, perseguindo todos os que se
opunham ao Estado Democrático de Direito, no entanto, foi ser ministro da
Justiça, daquele que efetivamente contrariava a Constituição Federal, se opunha
a Organização Mundial da Saúde, cooptava pessoas para os seus desígnios,
mandava com voz autoritária e destituía dos cargos os que lhes contrariassem as
intenções políticas, como se fosse um ditador, pouco importando a repercussão
econômica e social de seus atos: “O Estado sou eu”. Antes membros do Ministério
Público perseguiam provas, expunham na mídia o trabalho incansável, atuavam a
bem da Justiça e da sociedade; ora, um desses antigos combatentes entrou para a
política, sofreu processo e perdeu o mandato, condenado por manipulação de
provas e pela “lei da ficha limpa”!
Parece que a voz da política é mais forte do que a voz da
Justiça! Qual a extensão e a medida? Até que ponto os fatos e as forças do
momento influenciam as decisões jurídicas?
É certo que influenciam, e é certo que devem influenciar,
posto que Direito não é matemática e a lógica do Direito lida com elementos
sociais, políticos, psicológicos, econômicos; se assim não fosse, bastaria
entregarmos os processos e as decisões jurídicas aos computadores e a
tecnologia, que não tem paixões, “resolveria” os nossos problemas. A Justiça
não é produto frio e lógico de aplicação da norma sobre um fato. O erro não
está na influência dos fatos, está em não considerar a superioridade das
regras, que, por óbvio, tem limites de interpretação, e tais limites estão, em
última análise, na Constituição Federal.
Os fatos de um dado momento político não podem ser
dominantes, a ponto de inverterem objetivo expresso na norma; mas também a
norma não se reduz à própria norma, como um elemento lógico, inequívoco, de
mensagem clara e insuscetível de interpretação. Poucas escapam disso, excepcionalmente,
e com cautela, aquelas que definem os fundamentos da República e da dignidade
humana.
Friedrich Muller, ao mencionar o pós-positivismo, faz crítica
ao pensamento kelseniano, que tinha no positivismo a resposta para tudo,
encerrando a sociedade, o bem e o mal, dentro da regra: “´Pós-positivista`
significa também: depois de Kelsen. Hans Kelsen marcou cientificamente o ponto
mais alto do Positivismo. Mas ele permanece ainda prisioneiro dos erros do
Positivismo: primeiramente, não ver as fronteiras, os limites da língua jurídica
–ele queria mesmo reduzir o direito ao raciocínio lógico, traduzi-lo para uma
lógica abstrata, uma lógica formal. E, em segundo lugar, excluir a realidade e
querer considerar a jurisprudência como ´pura´. Com isso, retira-se do Direito
o seu próprio conteúdo. Mas em toda essa atividade trata-se, sim, dos conteúdos
materiais (...) Então, a Teoria Estruturante do Direito é intencionalmente
´impura`”[1]
Rendemos nossas homenagens a Kelsen –e não poderia ser
diferente; trata-se na, Filosofia do Direito, de um divisor de águas– mas o
Direito é bem mais complexo, tendo em vista os elementos que o compõem, como
supramencionados, porquanto, em parte concretiza-se na norma mas, é também,
produto da sociedade, com todas as suas ambiguidades e irresoluções.
Julgar não é tarefa fácil, porque exige do julgador formação
ampla, não só jurídica. Concretizar a justiça –como valor– é, então, tarefa
quase impossível.
Entretanto, é factível uma aproximação do que se pode dizer
ideal, distante do fato, do furor, da cólera, do amor ardoroso e também
afastado da logicidade racional e fria. Será que podemos nos aperfeiçoar?
As lições de Bittar são importantes para as nossas
divagações: “O poder das mídias de massa (TV; rádio; jornal; revista; blog;
redes sociais; etc.) tem a ver com a irradiação, o alcance e capacidade, a
autoridade informacional, a facilidade de acesso, a imediatidade e a prontidão
da informação. O poder dissuasório das mídias de massa se realiza pela
multiplicidade das linguagens, pois se utilizam da imagem, do som, da palavra
oral, da palavra escrita, assumindo a capacidade de, em larga escala, veicular
com facilidade, sem prerrequisitos, com alcance consciente e inconsciente. Isto
tem provocado curiosidade crescente, uma difusão sem precedentes, mas também uma
anestesia de consciência e qualidade da informação...(...) Desta forma, o poder
das mídias de massa serve como um contrapoder em face de outros poderes sociais
(poder político; poder econômico; poder burocrático), de forma a colaborar para
informar, visibilizar, fazer-saber, conscientizar, pulverizar, irradiar,
garantir transparência, denunciar, controlar, tornar transparente. Não por
outro motivo, uma esfera pública midiática íntegra e forte é de fundamental
importância para a vitalidade democrática. No entanto, há fronteiras entre o
bom e o mal exercício do direito de informar, podendo-se, no exercício destas
atividades, conhecer-se de perto, o abuso, a distorção, o deslimite, a
manipulação, a sede de lucro, a ganância pelo furo profissional, o incentivo ao
rebaixamento qualitativo da informação, a aparência e neutralidade e o uso
ideológico real, o controle ideológico de mentalidades, a assunção de uma
posição política em face da luta de classes, a alienação e a anestesia na
seletividade de disseminação da
informação.”[2] E,
tudo isso está no julgar.
Não se iludam, todos nós julgamos, desde que acordamos; todos
nós somos juízes, e julgamos os próprios juízes, que têm a função
jurídico-político (poder do Estado) de julgar. Nós e estes últimos, entretanto,
temos que estar atentos à norma e aos fatos, para não incorrer em injustiças e
conservar a Democracia.
É o caminho para evolução.
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