Carlos Roberto
Husek – professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da
ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado
A Organização de Libertação da Palestina
(OLP) foi criada em 28 de maio de 1964 com o propósito de garantir o direito à
autodeterminação do povo palestino.
Tal propósito está de acordo com os
princípios de Direito Internacional, lembrando que o mencionado princípio se
encontra em nossa Constituição Federal (art.4º), e é indiscutivelmente uma das
premissas de afirmação do Direito Internacional
Observe-se que a Assembleia Geral, pela
Resolução de n.3237 (XXIX), em 22 de novembro de 1974, convidou a OLP a
participar como observadora, em suas sessões, o que é um meio caminho para
considerá-la possuidora de uma subjetividade internacional. Explico que tal
subjetividade –sujeito de direito internacional– tradicionalmente somente se
dava aos Estados soberanos, e a partir de uma certa evolução, principalmente a
partir da Convenção de Viena de 1986, também às organizações internacionais,
dependentes de seus tratados constitutivos. Assim, a OLP, que não era e não é
considerado um Estado, bem como a Palestina, seu objetivo de libertação, e que
também não tem as características de uma organização internacional, estaria numa
espécie de limbo jurídico internacional.
A partir daí a OLP estabeleceu uma
missão permanente (um escritório na cidade de Nova Iorque) junto das Nações
Unidas, o que se tem como similar a uma espécie de embaixada. A aceitação, por
parte das Nações Unidas, de uma missão permanente da organização, seria um
passo relevante para os propósitos do movimento libertário.
Todavia, em dezembro de 1987, os EUA
promulgaram uma lei que declarava a OLP como uma organização terrorista, para
os interesses norte-americanos, proibindo que qualquer relação fosse mantida
com a organização, o que de certo modo, contrariaria o princípio supramencionado,
mas que evidenciava um posicionamento mais pragmático em relação aos interesses
políticos e econômicos norte-americanos e à ideia do Estados soberanos que,
efetivamente, não era o caso da OLP.
Aqui, uma simples reflexão: a
política e o Direito que produzem os sistemas jurídicos, internos e
internacional, andam de mãos dadas, na formação do arcabouço que sustenta as
sociedades. Entendemos que a autodeterminação dos povos é um princípio básico e
maior, mas os fatos e os interesses constroem o pano de fundo sobre o qual
–espera-se– que este princípio, como outros voltados para o ser humano, devam
prevalecer. A contrariedade a algumas regras e princípios faz parte da
confirmação dessas mesmas regras e princípios, porque não há unanimidade na
condução das coisas públicas. O que realmente interessa é que os organismos
internacionais, como a Organização das Nações Unidas e a Corte Internacional de
Justiça, dentre os maiores, reafirmem tais princípios, o que mantém a higidez
do sistema. Uma espécie de freios e contrapesos, que faz o diálogo entre a
aplicação da norma desejável e os fatos.
O Secretário-geral das Nações Unidas
considerou à época que a lei norte-americana violava o acordo entre as Nações
Unidas e os Estados Unidos (acordo de sede/território), pelo qual a organização
maior se estabelecia em território norte-americano, uma vez que a cláusula 21ª
do referido Acordo estabelecia que qualquer tipo de litígio entre o país sede e
as Nações Unidas, que não fossem resolvidos por negociação, deveria ter solução
por arbitragem.
Apesar dos EUA não quererem
submeter-se a arbitragem, a Assembleia Geral adotou a Resolução 42/229 A, em
que reafirmou o direito da missão da OLP de manter uma missão permanente junto
das Nações Unidas.
A reação norte-americana foi a de prescrever,
por um ato decisório, de um tribunal próprio, a execução coercitiva de
encerramento da representação da OLP, mas a Corte Internacional de Justiça –como
não poderia deixar de ser– considerou irrelevante a decisão do tribunal interno
à luz do Direito internacional, porque outro princípio se impunha, o de que o
direito internacional prevalece sobre o Direito Interno. Em outras palavras,
nas relações entre Estados, que são partes em um tratado, as disposições do
direito interno não podem prevalecer.
O governo norte-americano não
recorreu da decisão, e embora continuasse a considerar a OLP uma organização de
cunho terrorista, acabou aceitando a missão permanente desta junta às Nações
Unidas.
Importante a medida entre os
princípios e as motivações políticas e a prevalência daqueles.
Uma coisa é a Palestina, como Estado
soberano, o que ainda é um objetivo a ser conquistado, outra a organização interna,
de luta, que busca tal intento, outra, ainda, a atuação desta organização no
mundo ou em território dos EUA, ou em países amigos deste, com atos terroristas,
e mais outra, a sua procura de aceitação pelas Nações Unidas, o que contrariaria
o objetivo meramente terrorista da organização.
Enfim, há que se pensar com clareza
nestas questões.
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