segunda-feira, maio 08, 2023

Sobre a Palestina, sua condição e os princípios internacionais

 



Foto: Frank van Beek/ICJ via Getty Images

 

Carlos Roberto Husek – professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

A Organização de Libertação da Palestina (OLP) foi criada em 28 de maio de 1964 com o propósito de garantir o direito à autodeterminação do povo palestino.

Tal propósito está de acordo com os princípios de Direito Internacional, lembrando que o mencionado princípio se encontra em nossa Constituição Federal (art.4º), e é indiscutivelmente uma das premissas de afirmação do Direito Internacional

Observe-se que a Assembleia Geral, pela Resolução de n.3237 (XXIX), em 22 de novembro de 1974, convidou a OLP a participar como observadora, em suas sessões, o que é um meio caminho para considerá-la possuidora de uma subjetividade internacional. Explico que tal subjetividade –sujeito de direito internacional– tradicionalmente somente se dava aos Estados soberanos, e a partir de uma certa evolução, principalmente a partir da Convenção de Viena de 1986, também às organizações internacionais, dependentes de seus tratados constitutivos. Assim, a OLP, que não era e não é considerado um Estado, bem como a Palestina, seu objetivo de libertação, e que também não tem as características de uma organização internacional, estaria numa espécie de limbo jurídico internacional.

A partir daí a OLP estabeleceu uma missão permanente (um escritório na cidade de Nova Iorque) junto das Nações Unidas, o que se tem como similar a uma espécie de embaixada. A aceitação, por parte das Nações Unidas, de uma missão permanente da organização, seria um passo relevante para os propósitos do movimento libertário.

Todavia, em dezembro de 1987, os EUA promulgaram uma lei que declarava a OLP como uma organização terrorista, para os interesses norte-americanos, proibindo que qualquer relação fosse mantida com a organização, o que de certo modo, contrariaria o princípio supramencionado, mas que evidenciava um posicionamento mais pragmático em relação aos interesses políticos e econômicos norte-americanos e à ideia do Estados soberanos que, efetivamente, não era o caso da OLP.

Aqui, uma simples reflexão: a política e o Direito que produzem os sistemas jurídicos, internos e internacional, andam de mãos dadas, na formação do arcabouço que sustenta as sociedades. Entendemos que a autodeterminação dos povos é um princípio básico e maior, mas os fatos e os interesses constroem o pano de fundo sobre o qual –espera-se– que este princípio, como outros voltados para o ser humano, devam prevalecer. A contrariedade a algumas regras e princípios faz parte da confirmação dessas mesmas regras e princípios, porque não há unanimidade na condução das coisas públicas. O que realmente interessa é que os organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas e a Corte Internacional de Justiça, dentre os maiores, reafirmem tais princípios, o que mantém a higidez do sistema. Uma espécie de freios e contrapesos, que faz o diálogo entre a aplicação da norma desejável e os fatos.

O Secretário-geral das Nações Unidas considerou à época que a lei norte-americana violava o acordo entre as Nações Unidas e os Estados Unidos (acordo de sede/território), pelo qual a organização maior se estabelecia em território norte-americano, uma vez que a cláusula 21ª do referido Acordo estabelecia que qualquer tipo de litígio entre o país sede e as Nações Unidas, que não fossem resolvidos por negociação, deveria ter solução por arbitragem.

Apesar dos EUA não quererem submeter-se a arbitragem, a Assembleia Geral adotou a Resolução 42/229 A, em que reafirmou o direito da missão da OLP de manter uma missão permanente junto das Nações Unidas.

A reação norte-americana foi a de prescrever, por um ato decisório, de um tribunal próprio, a execução coercitiva de encerramento da representação da OLP, mas a Corte Internacional de Justiça –como não poderia deixar de ser– considerou irrelevante a decisão do tribunal interno à luz do Direito internacional, porque outro princípio se impunha, o de que o direito internacional prevalece sobre o Direito Interno. Em outras palavras, nas relações entre Estados, que são partes em um tratado, as disposições do direito interno não podem prevalecer.

O governo norte-americano não recorreu da decisão, e embora continuasse a considerar a OLP uma organização de cunho terrorista, acabou aceitando a missão permanente desta junta às Nações Unidas.

Importante a medida entre os princípios e as motivações políticas e a prevalência daqueles.

Uma coisa é a Palestina, como Estado soberano, o que ainda é um objetivo a ser conquistado, outra a organização interna, de luta, que busca tal intento, outra, ainda, a atuação desta organização no mundo ou em território dos EUA, ou em países amigos deste, com atos terroristas, e mais outra, a sua procura de aceitação pelas Nações Unidas, o que contrariaria o objetivo meramente terrorista da organização.

Enfim, há que se pensar com clareza nestas questões.

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