segunda-feira, junho 05, 2023

Dos recursos narrativos à narração dos discursos



Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

 

São discursos narrativos o diálogo, a descrição, a narração e a dissertação.

Nos diálogos, temos as falas de personagens, em diálogos diretos, por meio de aspas, travessão e outros expedientes e o diálogo indireto, quando aquele que comunica diz: “ele disse que...” ou expressões similares, bem como o monólogo interior, uma espécie de fala mental. A descrição corresponde a enumeração dos componentes e pormenores de objetos, paisagens, pessoas. A narração implica em acontecimento, ação e movimento e a dissertação diz respeito à explanação das ideias ou conceitos.

Como ensinam os professores de Português, estes recursos podem não aparecer estanques, e sim, misturados, e entremeados de gestos, dificultando aquele que escuta ou vê de entender o seu conteúdo.

Os políticos – sem qualquer ciência, é verdade, mas com muita perspicácia – utilizam-se muito disso. Misturam tudo a seu bel prazer, embutem diálogos nas descrições, fazem narrativas nas suas dissertações, e quando se vai verificar, não sobra nada aproveitável. O fato desaparece nas expressões, significados e significantes, falas discursivas e falas que se dizem técnicas, a ponto de nós – pobres mortais – ficarmos perdidos nessa floresta de amarrações comunicativas.

Fatos não são fatos, tortura não é tortura, repressão não é repressão, corrupção não é corrupção, abuso do poder não é abuso do poder. São somente narrativas.

A Rússia é o país vítima da guerra impetrada, indiretamente pela Ucrânia?

O Lava Jato e os petrodólares, todos envolvidos, uns e outros, são vítimas?

Maduro é, na verdade, um democrata, que luta contra as forças da economia mundial, e contra o gigante do Norte, defendendo o seu povo e o seu “Estado de Direito”, ainda que, para tanto, mande prender os considerados inimigos do povo, perpetua-se no poder, para que não haja involução dos objetivos da república, desfaz o Congresso, que lhe é contrário e os juízes independentes, tudo em nome da Venezuela. Um herói que prossegue na saga grandiosa e generosa de Hugo Chaves, o seu mentor espiritual? Ele recebeu comunicação espiritual de Hugo Chaves, assim que tomou conta do poder!

Narra-se de um e de outro lado, todos convictos de que podem convencer e de serem favoráveis à Democracia e à República.

Para vencer uma batalha, tudo é possível, desde exércitos bem armados e “fake news” nas redes de comunicação até discursos inflamados.

Não querer a volta de um desenho de ditador, não pode significar que se deva assinar, em baixo, de todas as narrativas oficiais e oficiosas.

Pobre leitor e cidadão que se farta de ouvir narrativas dissertativas, com diálogos embutidos e descrições imaginosas, e acaba por crer que um ex-presidente é defensor da família e dos princípios religiosos e da bandeira nacional e que os que estão no poder são contundentes contra os despóticos ditadores, do presente e do passado.

O Brasil melhorou – não há dúvida – em termos de suas relações internacionais; reconstruiu pontes desfeitas, buscou o diálogo, mostrou-se disposto a ouvir narrativas, sem tomar uma posição que fuja da postura de interlocutor confiável e mediador possível, pelo menos, até agora.

Ouvir é sábio, para agir e falar, necessário cautela, e principalmente confiar em assessores acostumados aos diálogos internacionais: os membros da Diplomacia

As eventuais narrativas – narrativas de narrativas - podem vir a desfazer o caminho ora percorrido, ou isso também é uma narrativa?

Somos um país de extensas e infindáveis narrativas, internas e externas.

Vamos descansar em uma clareira – deve haver alguma – nesta floresta comunicativa de desejos, e olhar para ver se através das copas das árvores aparece a luz. 

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