Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional
da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional
Público e Privado
Qualquer tentativa de golpe de Estado, venha de qualquer
setor da sociedade e do poder, é uma vergonha.
Quem se arvora em saber o que é melhor para o país?
Juristas, forças armadas, juízes, políticos, parlamentares,
donos de empresas, associações civis, particulares, professores, que se
envolvam em atos golpistas, com desforço físico ou intelectual, para
estabelecer o que entendem por Estado de Direito, são agentes cancerígenos que
buscam disseminar metástases antidemocráticas em todas as instituições.
Fora da Constituição Federal (não das “quatro linhas” adrede
argumentadas, de forma insidiosa), mas de todas as suas linhas, como, por
exemplo, as traçadas pelos art. 1º. ao 4º. – Princípios Fundamentais -, as
alinhavadas pelos art. 5º. ao 17º. – Direitos e Deveres Individuais e
Coletivos, Direitos Sociais, Direitos Políticos –, as desenhadas pelo art.18º.
ao 43º - Organização do Estado -, as pontuadas pelos arts. 44º. ao 135º. –
Organização dos poderes -, as delineadas pelos arts. 136º. ao 144º. – Defesa do
Estado e das Instituições Democráticas -, as projetadas pelos arts. 145º. ao 169º.
– Tributação e Orçamento -, as esboçadas pelos arts. 170º. ao 181º. – Ordem
Econômica e Financeira -, as constituídas pelos arts. 193º. ao 232º. – Ordem
Social -, tudo será estratagema, desfalque, injúria constitucional,
insurreição, motim, rebelião, revolta, que rasga a Constituição Federal, atinge
o povo, fere o Brasil mortalmente, e não condiz com a sua essencial vocação
democrática.
Juristas não podem interpretar inocentemente a Constituição
Federal, a favor de golpistas.
Militares não podem esquecer as funções constituições e de Estado,
a favor de golpistas.
Parlamentares não podem contrariar o voto que receberam
democraticamente, para atuar contrariamente ao próprio parlamento, a favor de
golpistas.
Magistrados não podem se desviar de seus desideratos constitucionais
e da imparcialidade e da independência, a favor de golpistas.
Ministros de Estado, não podem, à guisa de serem escolhidos
pelo Presidente eleito, praticarem atos a favor de golpistas.
Nada, absolutamente nada, justifica qualquer golpe, pouco
importando a ideologia que venha atapetando o caminho dos que almejam a fissura
institucional e a perpetuação no poder.
Liberdade sim, de falar, de agir, de fundar partidos, de professar
convicções religiosas, de abraçar ideias filosóficas, de pensar no Estado, sem
abolição de liberdades, sempre nos limites da Constituição Federal.
Não há nenhum dispositivo constitucional que ampare pretensões
contrárias ao Estado Democrático de Direito, nem os que pretensamente entendem
defendê-lo e justificá-lo, com hermenêutica canhestra que arrime a argumentação
– com base na própria Lei Maior - que explique a defesa do país, pela incisão e
cancelamento das garantias constitucionais.
A famigerada interpretação do art. 142 da Constituição Federal,
feita pelos golpistas, não se sustenta pelo mínimo crivo de luz inteligente,
porque foi realizada sob a indução da força e do poder, não do poder do povo,
mas dos governantes de plantão.
Diz o art. 142. “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha,
pelo exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes
e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a
autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da
Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer
destes, da lei e da ordem.”
O objetivo maior é a defesa da Pátria, pela garantia dos
poderes constituídos, a garantia da lei e da ordem, e das fronteiras. A quebra
de tais poderes, da lei e da ordem, e dos limites físicos, econômicos e
culturais, não é defesa da Pátria. A Pátria é constituída pelo território, pelo
povo, pelo governo eleito, pela cidadania, pela busca do estudo, pela busca das
oportunidades, da coerência de uma mesma visão política e social, baseada na
Democracia, pela conservação da língua e dos costumes.
Nada, absolutamente nada, enseja a interpretação de que o
Presidente da República se sirva das forças constituídas para anular os poderes
constitucionais, e, muito menos se utilize, para tanto, de seu temporário poder
para constituir novas forças e órgãos.
Os poderes exercidos no passado, os exercido no presente e a
pretensa interpretação futurista de exercício inadequado posterior, não são
suficientes para justificar um golpe revolucionário. Só a quebra institucional,
efetiva e concreta, é que poderia encetar alguma espécie de reação, desde que
baseada na vontade popular, não a do povo enganado, manuseado, alimentado por
expressões de ódio e de revolta, conduzido por palavras de ordem e de gritos, à
guisa de condução de gados, meios que se servem tanto os da direita
reacionária, como os da esquerda inconsciente.
O povo, na sua
expressão individual e coletiva, deve ser informado claramente e raciocinar
sobre os destinos da nação, o que só se consegue com a liberdade de imprensa,
com a comunicação ampla, não direcionada para objetivos escusos, com o ensino
não subordinado a ideologias, com a divulgação da ciência, com o embate de
ideias. De outra forma, não será o povo soberano, senão, o povo manietado,
subordinado, abúlico, pronto para pegar em armas, de forma religiosa, cega,
movido pela fé e não pelas ideias claras, em busca apenas de ídolos.
Os órgãos da Administração Pública devem agir no tempo
presente, e não no tempo passado e não no tempo futuro, salvo para administrar
as questões sociais (educação, alimentação, saúde, combate ao crime, etc). Não
há pitonisa, vidente de bolas de cristal, de cartas, de búzios, de horóscopos,
que possam afirmar que o Estado necessita se defender por intermédio de um
golpe de dominações futuras. Tais argumentações são armadilhadas, usadas para
afirmar as próprias razões de mando (não se pode esquecer que Maduro da
Venezuela, quando assumiu o poder, disse para o povo que havia recebido de
madrugada, o espírito do Hugo Chaves, com mensagens de governança. E o povo
acreditou!), o mesmo, faz, com outras palavras ou gestos, Putin (Rússia), Kim
Jong-un (Coreia do Norte), Bashar al-Assad (Síria). As mal chamadas “Direita” e
“Esquerda” agem iguais.
A melhor defesa do Estado é seguir a Constituição Federal,
garantindo aos eleitos o exercício democrático advindo da eleição – não
fraudada – e garantindo a possibilidade de troca de governantes em eleições
futuras. A alternância do poder, o
respeito ao diálogo, a obediência às regras estabelecidas – não pelo ditador –
mas pela Democracia, é a única forma de progresso real.
O Brasil passou por fases ditatoriais e tem, lá no fundo,
alguns resquícios de ditadura, que vira e mexe tentam abalar a Democracia. Quem
se arvora, como pessoa (carnes, ossos, mente), a falar em nome de milhões?
Enquanto não nos preocuparmos com a miséria, orgânica,
intelectual do povo, a vitória será dos aquinhoados das benesses, por
nascimento ou por manipulação do poder.
Alessandra Pearce de Carvalho Monteiro, estudiosa,
pós-graduada em Coimbra, explica:
“A primeira postura antidemocrática que partidos políticos
podem assumir é a incitação ao ódio e à discriminação contra grupos da
população, especialmente as minorias estigmatizadas, como os imigrantes,
pessoas não brancas, homossexuais e mulçumanos...(...) Em sua famosa obra
`Ensaio sobre a Liberdade`, Stuart Mill desenvolveu a teoria de defesa da
liberdade de expressão mais influente de todo o pensamento liberal, que tem
como fundamento dois princípios postulados: i) as pessoas devem ser livres para
fazerem o que quiserem, desde que não prejudiquem terceiros; ii) o Governo não
pode legislar para proteger uma pessoa de si própria ou impor a crença da
maioria acerca de noções sobre virtude e moral. Ou seja, eis uma teoria que
busca proteger os interesses de minorias que não se adequam aos padrões
culturais dominantes ao garantir que as suas escolhas possam ser realizadas com
autonomia. Se para Millo o grande motivo para a defesa da liberdade de
expressão era evitar a tirania estatal ou a tirania da maioria, apenas mediante
a completa subversão dos fundamentos de sua teoria é que se pode utilizá-la
para defender a liberdade de expressão daqueles que buscam, ao revés,
incentivar a discriminação, a opressão e o ódio às minorias. Contudo, é
precisamente isso que tem acontecido no debate sobre censura ao discurso do
ódio. Doutrinadores utilizam os argumentos desenvolvidos por Mill de forma
descontextualizada, ou seja, sem levar em consideração o fundamento de proteção
às minorias, e terminam por concluir que a liberdade de expressão também pode
ser exercida para atacar, inclusive, essas mesmas minorias!”
Manipulação!
Vamos ficar
alertas!
Nota: Alessandra Pearce de Carvalho Monteiro - Extremismo Político - como as democracias podem lidar com as novas ameaças antidemocráticas, Arraes Editores, 2019, p.43 a 45
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