segunda-feira, julho 17, 2023

“Non ducor, duco” – “Não sou conduzido, conduzo”

 


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

Centro econômico e político, palco dos acontecimentos mais importantes que impactaram a história do Brasil, berço dos bandeirantes, berço de vários pensadores e condutores nas ciências, nas artes e na política, não pode se vergar a desideratos cegos de educação rígida, que serve para uma parte dos cidadãos – dependentes das funções que vão exercer - e não para todos. Ainda que assim não fosse, seria necessário não um engajamento incondicional e irrestrito a ordens, mas uma reflexão, uma inteligência sobre o que é proposto e a sua essência e finalidade. Não se educa para a guerra e para as armas, educa-se para o progresso, para a convivência, para o descobrimento das ideias, para a cidadania.

Educar é educar para a vida, que significa conhecimento, raciocínio, diversidade, aceitação das diferentes opiniões, introdução e discussão dos principais conceitos filosóficos, consciência para a cidadania, para real finalidade do Estado e da República (que não é certamente o domínio e a perpetuação no poder de uns) para a Democracia, para o exercício do voto e a possibilidade de revezamento no poder, para a liberdade com os limites da convivência comum, para a dialética, para o diálogo e o respeito à Justiça e aos argumentos, a não para a obediência cega.

Educar não pode ser o acato a ordens, sem qualquer raciocínio, sem quaisquer questionamentos (marcha, continência, determinações, disciplina militarista); não, para crianças que ainda vão escolher o caminho a seguir na vida adulta; uns podem vir a ser militares, outros, políticos, outros, artistas, outros, poetas, outros, professores. Não se pode querer um militar que questione as ordens de seus superiores, mas também não se pode ter um civil (professor, artista, escritor, político) que obedeça deslumbrado, alucinado, cego, a comandos de eventuais regimes antidemocráticos. A nação não se constrói em valores e em progresso, não evolui, não compete internacionalmente, não se administra internamente, não promove a vida plena, não diminui as diferenças entre pobres e ricos, se não transmite de forma plena todas as possibilidades do viver em sociedade. Queremos adultos conscientes, não marionetes, que se dobram a ordens, pura e simplesmente, em nome de uma determinação pessoal, radical e ditatorial de qualquer governante que queira impor seu domínio exclusivo. Queremos DEMOCRACIA! Governo impessoal, civilização, cultura, igualdade! Governo do povo! Do povo que toma decisões; do povo que conduz e que não é conduzido!

Sobre a Democracia, muito se disse e pouco se compreende. No Dicionário do Pensamento social do Século XX, alguma análise é proposta:

...a ideia de o povo inteiro tomar uma decisão (não uma decisão determinada, como se comanda o gado) implica a noção – resumida no slogan ´um homem, um voto` - de cada indivíduo ter voz igual. Sem isso, haveria uma decisão apenas de parte do povo, em vez de todo ele. Mas a conexão é tão estreita que a igualdade às vezes se torna crucial para o próprio sentido de democracia...(...) ´democracia` significa, a grosso modo, `uma sociedade na qual existe igualdade`...(...), e em concepções tais como ´democracia social` e ´democracia econômica`, em que a ideia de um sistema caracterizado por igualdade social e/ou econômica é crucial...(...). O significado de ´democracia` está razoavelmente claro, mas esse fato tende a ser obscurecido devido à diversidade de sistemas que foram chamados de democracias...(...) Na verdade, para alguns parece que ´democracia` é meramente uma ´palavra de aclamação´ (como hurra! ou viva!), esvaziada de qualquer conteúdo descritivo, nada significando além de ´viva esse sistema político` (ou viva este líder!). Uma confusão desse tipo pode ser evitada, porém, estando-se atento às distinções entre o significado admitido de ´democracia` - governo do povo – e julgamentos discordantes a respeito do que é necessário para que tal governo exista, e, daí, quais sistemas políticos de fato a exemplificam.[1] A democracia é difícil de ser compreendida e conquistada; o caminho mais fácil é esquecê-la para aclamar ordens, pura e simplesmente, sem raciocínio crítico, raciocínio esse que, necessariamente, contempla ideias opostas. Mesmo os regimes de mando serão cada vez mais frágeis, à medida que impedem o raciocínio e buscam apenas a obediência cega e a aclamação obcecada por mitos e símbolos que envolvem e embotam o pensamento. Isto, serve para todos os radicais, de esquerda ou de direita, que ao fim e ao cabo, se encontram em igual patamar (Rússia, Venezuela, Coreia do Norte, Síria e outros). Por que devemos nos engajar politicamente a um dos regimes, que no seu nascedouro teve como inspiração uma ideia muito particular, comunista ou nazista, reacionária, emblemática de uma personalidade, de um conquistador, de filosofia popularmente atraente, e depois abandonada, só para favorecer o poder e a sua perpetuação?

Nada é muito claro, quando se trata do ser humano e do ser humano vivendo em sociedade. Há virtudes e defeitos. Nenhum regime é perfeito, mas preferimos a Democracia.

Uma bela comparação histórica, se faz entre Atenas e Esparta: Atenas propôs ao longo de sua existência, diversas reformas até chegar à Democracia; Esparta era intensamente conservadora e tradicional, ligada a um sistema arcaico. Atenas viveu domínio político cultural, com florescimento das artes, da ciência, do pensamento filosófico, da construção urbana, com o cultivo da razão e a valorização da participação popular; Esparta apostava na educação militar rígida, educando as crianças, desde os sete anos, para serem guerreiras, cultivava a boa forma e o exercício militar, o domínio das armas e da luta, valorizava a obediência irrestrita.

Preferível Atenas a Esparta.

 

 

 

 



[1]  Dicionário do Pensamento Social do Século XX. Editado por Willian Outhawaite & Tom Bottomore. Jorge Zahar Editor, p.179/180, 1996.

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