Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional
da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional
Público e Privado
Centro econômico e político, palco dos acontecimentos mais
importantes que impactaram a história do Brasil, berço dos bandeirantes, berço
de vários pensadores e condutores nas ciências, nas artes e na política, não
pode se vergar a desideratos cegos de educação rígida, que serve para uma parte
dos cidadãos – dependentes das funções que vão exercer - e não para todos.
Ainda que assim não fosse, seria necessário não um engajamento incondicional e
irrestrito a ordens, mas uma reflexão, uma inteligência sobre o que é proposto
e a sua essência e finalidade. Não se educa para a guerra e para as armas,
educa-se para o progresso, para a convivência, para o descobrimento das ideias,
para a cidadania.
Educar é educar para a vida, que significa conhecimento,
raciocínio, diversidade, aceitação das diferentes opiniões, introdução e
discussão dos principais conceitos filosóficos, consciência para a cidadania, para
real finalidade do Estado e da República (que não é certamente o domínio e a
perpetuação no poder de uns) para a Democracia, para o exercício do voto e a
possibilidade de revezamento no poder, para a liberdade com os limites da
convivência comum, para a dialética, para o diálogo e o respeito à Justiça e aos
argumentos, a não para a obediência cega.
Educar não pode ser o acato a ordens, sem qualquer raciocínio,
sem quaisquer questionamentos (marcha, continência, determinações, disciplina
militarista); não, para crianças que ainda vão escolher o caminho a seguir na
vida adulta; uns podem vir a ser militares, outros, políticos, outros, artistas,
outros, poetas, outros, professores. Não se pode querer um militar que
questione as ordens de seus superiores, mas também não se pode ter um civil
(professor, artista, escritor, político) que obedeça deslumbrado, alucinado,
cego, a comandos de eventuais regimes antidemocráticos. A nação não se constrói
em valores e em progresso, não evolui, não compete internacionalmente, não se
administra internamente, não promove a vida plena, não diminui as diferenças
entre pobres e ricos, se não transmite de forma plena todas as possibilidades
do viver em sociedade. Queremos adultos conscientes, não marionetes, que se
dobram a ordens, pura e simplesmente, em nome de uma determinação pessoal,
radical e ditatorial de qualquer governante que queira impor seu domínio
exclusivo. Queremos DEMOCRACIA! Governo impessoal, civilização, cultura,
igualdade! Governo do povo! Do povo que toma decisões; do povo que conduz e que
não é conduzido!
Sobre a Democracia, muito se disse e pouco se compreende. No
Dicionário do Pensamento social do Século XX, alguma análise é proposta:
“...a ideia de o povo inteiro tomar uma decisão (não
uma decisão determinada, como se comanda o gado) implica a noção – resumida
no slogan ´um homem, um voto` - de cada indivíduo ter voz igual. Sem isso,
haveria uma decisão apenas de parte do povo, em vez de todo ele. Mas a conexão
é tão estreita que a igualdade às vezes se torna crucial para o próprio sentido
de democracia...(...) ´democracia` significa, a grosso modo, `uma sociedade na
qual existe igualdade`...(...), e em concepções tais como ´democracia social` e
´democracia econômica`, em que a ideia de um sistema caracterizado por
igualdade social e/ou econômica é crucial...(...). O significado de ´democracia`
está razoavelmente claro, mas esse fato tende a ser obscurecido devido à
diversidade de sistemas que foram chamados de democracias...(...) Na verdade,
para alguns parece que ´democracia` é meramente uma ´palavra de aclamação´
(como hurra! ou viva!), esvaziada de qualquer conteúdo descritivo, nada
significando além de ´viva esse sistema político` (ou viva este líder!). Uma
confusão desse tipo pode ser evitada, porém, estando-se atento às distinções entre
o significado admitido de ´democracia` - governo do povo – e julgamentos
discordantes a respeito do que é necessário para que tal governo exista, e,
daí, quais sistemas políticos de fato a exemplificam.”[1]
A democracia é difícil de ser compreendida e conquistada; o caminho mais fácil
é esquecê-la para aclamar ordens, pura e simplesmente, sem raciocínio crítico,
raciocínio esse que, necessariamente, contempla ideias opostas. Mesmo os
regimes de mando serão cada vez mais frágeis, à medida que impedem o raciocínio
e buscam apenas a obediência cega e a aclamação obcecada por mitos e símbolos
que envolvem e embotam o pensamento. Isto, serve para todos os radicais, de
esquerda ou de direita, que ao fim e ao cabo, se encontram em igual patamar
(Rússia, Venezuela, Coreia do Norte, Síria e outros). Por que devemos nos
engajar politicamente a um dos regimes, que no seu nascedouro teve como inspiração
uma ideia muito particular, comunista ou nazista, reacionária, emblemática de
uma personalidade, de um conquistador, de filosofia popularmente atraente, e
depois abandonada, só para favorecer o poder e a sua perpetuação?
Nada é muito claro, quando se trata do ser humano e do ser
humano vivendo em sociedade. Há virtudes e defeitos. Nenhum regime é perfeito,
mas preferimos a Democracia.
Uma bela comparação histórica, se faz entre Atenas e Esparta:
Atenas propôs ao longo de sua existência, diversas reformas até chegar à
Democracia; Esparta era intensamente conservadora e tradicional, ligada a um
sistema arcaico. Atenas viveu domínio político cultural, com florescimento das
artes, da ciência, do pensamento filosófico, da construção urbana, com o
cultivo da razão e a valorização da participação popular; Esparta apostava na
educação militar rígida, educando as crianças, desde os sete anos, para serem
guerreiras, cultivava a boa forma e o exercício militar, o domínio das armas e
da luta, valorizava a obediência irrestrita.
Preferível Atenas a Esparta.
[1] Dicionário do Pensamento Social do Século XX. Editado por Willian Outhawaite &
Tom Bottomore. Jorge Zahar Editor, p.179/180, 1996.
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