terça-feira, julho 25, 2023

A Escola, a cultura e a realidade

 


Por Carlos por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

 

Não se pode exigir da extrema juventude a exata ponderação das coisas; não há impor a reflexão ao entusiasmo.[1]

 

Com razão Machado de Assis, embora os tempos atuais demandem um pouco de reflexão e de direcionamento do entusiasmo.

De que juventude falamos? A juventude vem, de ordinário, considerada em termos de idade, entre 11 e 18 anos –para os mais antigos– estendendo-se até os 21 ou 22 anos –para os atuais– e, considerando o progresso da Medicina, até mais, atingindo os 30 ou trinta e poucos, já que se prolonga cada vez mais a vetusta idade, que hoje ultrapassa os 70 anos –idade média esta–, com a tendência de chegar aos limites dos 80 ou 80 e poucos, para só depois considerar-se a velhice como um marco, a partir daí.

Na verdade, se antes tínhamos a formação escolar como necessária etapa para a base do entusiasmo que não dispensava a reflexão, nos tempos de hoje, que voam céleres, do bebê ao velho –as décadas passam acopladas em anos cada vez mais diminutos– não se pode esperar do “jovem” muita reflexão; não há tempo, ou ele faz já, ou não faz nunca. E, aí, se perde a possibilidade da meditação e do aprimoramento.

É necessário alcançar, o mais depressa possível, o estrelato, a gerência, a diretoria, o aplauso, a riqueza, o espaço. Não se há de admitir o aprendizado, que demande tempo, nem muito menos o eventual fracasso no caminho: todos se entendem suficientemente maduros, para saber o que é melhor; e se assim não ocorrer, a desistência e a partida para outros objetivos, outras possibilidades é o que se descortina.

Lembro de uns versinhos, cujo autor, salvo engano, é anônimo: “O tempo Não me dá tempo/ de bem o tempo fruir/ e nesta falta de tempo/ nem vejo o tempo fugir.”

O que podemos esperar de nosso sistema de ensino, se não observamos o legítimo entusiasmo e a necessária reflexão, edificados no patamar da cultura e na transmissão de velhas lições?

Talvez estejamos produzindo folhas soltas, sem parágrafos coordenados, sem capítulos, sem conexão entre começo, meio e fim. Não depende das novas gerações, mas da divulgação e coordenação pelo Estado, da cultura –amplamente considerada–, que hoje, no Brasil, se encontra apartada das reais necessidades sociais.

Vale a notoriedade, o visual, o dizer sem dizer, o agir sem agir. Na sociedade da comunicação em rede: milhares de amigos, todos aplaudindo e batendo palmas, sem a efetiva aproximação e empatia, sem o olhar no olhar, sem o necessário abraço.

É o mundo do consumo. De um consumo de retalhos, de cores (caras, bocas), das aparências, da psicologia em algumas linhas, do apelo a veneração momentânea e, também, ao ódio desenfreado, à inveja, às demonstrações de brilho (nas roupas, nos lábios, nos olhos, nos carros), de “selfs” e de apelos fáceis. A profundidade das coisas e dos fatos, perdem-se em um abismo de intenções superficiais.

Milton Santos, analisa:

Também o consumo muda de figura ao longo do tempo. Falava-se, antes, de autonomia da produção, buscava também manipular a opinião pela via da publicidade. Nesse caso, o fato gerador do consumo seria a produção. Mas, atualmente, as empresas hegemônicas produzem o consumidor antes mesmo de produzir os produtos...(...) Tudo isso se deve, em grande parte, ao fato de que o fim do século XX erigiu como um dado central do seu funcionamento o despotismo da informação...(...) Como as atividades hegemônicas são, hoje, todas elas, fundadas nessa técnica, o discurso aparece como algo capital na produção da existência de todos. Essa imprescindibilidade de um discurso que antecede tudo – a começar pela própria técnica, a produção, o consumo e o poder – abre porta à ideologia.[2]

Educar na sociedade de consumo, pelo consumo e para o consumo, mal dirigidos pelo entusiasmo sem qualquer reflexão, dessa nossa juventude, dos 11 aos 70 anos, é tarefa para a qual o Estado não está preparado, e talvez, nem queira fazê-lo, dependendo dos seus objetivos ideológicos. Dividir para governar.

O engano e a magia das palavras soltas e dos gestos imitativos; espelhos sem fundo; sombras na caverna.

Todos buscam alcançar a notoriedade, em especial desfilando pelo Instagram. E o que se vê nas redes sociais? Uma infinidade de gestos e olhares e de palavras de ordem, sem lastro, e milhares de seguidores. A extensão comunicativa e a limitação do conteúdo, só expresso no intuito de agradar ou de contar os próprios momentos de alegria, de enfado, de tristeza. Espelho. Contentamos em ver, e quem sabe, seguir o mesmo caminho da comunicação plana e sem maiores comprometimentos. O mundo do faz de conta, com infinidade de “amigos”.

O Estado mudando a forma de exercer o poder, ou perdendo gradativamente suas garras sociais. Tem-se que se fragmentou diante dos diversos poderes privados, e só se mantém como ente de direito público interno, pelas regras institucionais.

O verdadeiro poder está na comunicação individualizada de pessoas, organizações, empresas que determinam os rumos a serem seguidos. O espelho não funciona para o Estado, que não se enxerga e não vê ou não quer ver os fatos e as possibilidades.

É fato que o mundo de cada um, gira em torno do próprio eu, pelo eu e para o eu: a um grande “self”, que globaliza o indivíduo, independente da busca, mais midiatizada do que concreta, de uma globalização efetiva.

Nosso entusiasmo direcionado na busca da realização pessoal, conflita com as razões do Estado, que deveriam pautar-se pelo comum. É uma luta surda; um braço de ferro, em que o perdedor –seja ele quem for– faz sucumbir a própria razão do jogo, ou se quiserem, a razão de viver.



[1] Assis, Machado. A nova geração in Machado de Assis e as primeiras incertezas, de Wilton José Marques. Editora Alameda, 2022, p.16.

[2] Santos, Milton. Por uma outra globalização – do pensamento único à consciência universal. Editora Record, 2021, os. 59 e 63.

Nenhum comentário:

Postar um comentário