Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional
da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional
Público e Privado
Os parlamentares, de partidos e ideologias diferentes, se
unem para defender o seu quinhão! Mais do que isso: elegem o Judiciário – que
não acerta sempre, é claro – como inimigo número um e perseguem o poder de
decisão dos juízes, tentando aprovar lei que contrarie as decisões do Supremo
Tribunal Federal, em retaliação às decisões que são contrárias aos interesses
partidários!
O fato é simples: os presidentes da Câmara dos Deputados e do
Senado Federal, e os parlamentares das respectivas casas, querem ter o poder de
fazer emendas que lhes possibilitam todo dinheiro do mundo, sem dar satisfação
ao povo e a ninguém (emendas secretas), e o Judiciário, agindo corretamente,
pelas mãos de um dos seus ministros, disse que isso não é possível. Alguma
dúvida de que seja possível em um Estado Democrático de Direito?!
Agora querem aprovar uma regra que suspende e anula
julgamentos da Suprema Corte que sejam contrários aos seus interesses. Em
outras palavras, o Judiciário pode decidir tudo, menos contrariar o Parlamento!
Atacar o STF e os juízes em geral – por mais que errem em
algumas decisões – é dizer que o Parlamento é supremo, e que o Executivo, em
certo sentido, também o é. Nada segura os interesses pessoais e políticos
daqueles que não pensam na sociedade e na república.
Há uma campanha contra os membros do STF, mesmo por aqueles
que lidam com o Direito. O Judiciário é um dos poderes do Estado, assim como o
Legislativo e o Executivo. Pergunta-se: esses outros poderes pela fala e ação
de seus membros, erram menos?
Todos erramos, é certo, mas o Parlamento deve ser respeitado
quando exerce as suas funções – que certamente não é a de aprovar orçamentos
secretos -, o Executivo deve ser respeitado, mas erra quando busca no “toma lá
da cá” fazer “vistas grossas” para a administração dos interesses do Estado,
apenas para favorecer os que estão no poder e o Judiciário erra, quando seus
membros fazem manifestações e/ou ações políticas, e não preservam a sua atuação
por intermédio de decisões fundamentadas na Lei. Todavia, na grande maioria das
vezes, e nos assuntos mais fundamentais que temos vivido, pelo que vimos, o
Judiciário tem agido dentro da Lei, ainda que não pelo gosto particular de uma
ou outra classe de interesses.
A quem favorece desqualificar o Judiciário?
Uma decisão do Judiciário não pode ser anulada por interpretação
e ação do Parlamento; tal lei, se vingar, seria inconstitucional.
Claro que o Judiciário pode anular ações de outros poderes,
pois isso está dentro de suas funções, quando devidamente acionado por algum
interessado, pessoa natural ou organização, nos termos constitucionais; o que
significa dizer que o STF, assim como todo magistrado somente deve agir se
provocado, e não por conta própria.
Existem males na atuação do Judiciário, como os existem em
todos os poderes e na sociedade, que é o substrato do Estado soberano que se instalou
sobre o território brasileiro – aliás o juiz que temos, o parlamentar que temos
e o executivo que temos são produto dessa mesma sociedade - mas a correção
desses males deve ter o caminho previamente traçado pelo ordenamento jurídico.
A crucificação política de um ou outro ministro, pela sua atuação, e em
consequência do próprio Poder Judiciário, é erro de interpretação jurídica e
institucional.
Isto não significa a impossibilidade de crítica fundamentada à
atuação do Judiciário. A crítica deve existir sempre no sagrado direito da
liberdade de manifestação e pensamento.
Os abusos devem ser combatidos em quaisquer esferas e em
quaisquer dos poderes; no entanto, é necessário verificar o que, efetivamente é
abuso, e o que é exercício de competência institucional.
Embora, com todos os erros de julgamento que, eventualmente,
podem ser apontados nas atividades dos magistrados da Suprema Corte, é fato que
basicamente a ação desse Poder salvou o Brasil de um possível regime ditatorial.
Só isso vai no crédito das ações do Judiciário.
A ninguém deve interessar amesquinhar o Judiciário, bem como
os demais poderes; criticá-los, sim, com base na ordem jurídica: quem não o faz
dessa forma tem interesses que não se coadunam com o Estado Democrático de
Direito.
O Parlamento é um todo e não um ou outro parlamentar; o
Executivo é um todo, e não um ou outro presidente ou administrador; o
Judiciário é um todo, e não um ou outro juiz.
A quem interessa desqualificar o Judiciário ou quaisquer dos
poderes da república?
É uma onda sísmica, que faz tremer alguns espaços, para
depois instalar o terremoto: ou respeitemos as instituições dentro de suas
respectivas competências, em obediência às normas e princípios constitucionais,
ou ficaremos à deriva no mar social, à guisa dos ventos interpretativos dos
interesses pessoais dos que exercem algum poder, público ou privado.
Talvez não tenhamos os juízes dos nossos sonhos, mas temos
seguramente, o que é possível dentro das regras do sistema jurídico.
Podemos eleger pelo voto, aqueles que melhor nos represente na
Câmara do Deputados, no Senado Federal, no legislativo da municipalidade,
também o fazemos nos diversos cargos executivos, embora o voto não funcione
como gostaríamos; quanto ao Judiciário acolhemos e acreditamos que o sistema de
concurso e a regra do quinto constitucional para as instâncias superiores seja
a mais adequada, do que a eleição de juízes ou outro sistema de escolha,
subordinada a interesses de grupos dominantes.
O que temos não é perfeito, mas serve na evolução dessa etapa
da sociedade brasileira, e assim vamos nos aperfeiçoando: basta que haja
democracia, com o seu componente de discussão, respeito e voto, bem como
compreensão do papel de cada poder, dentro das colunas que sustentam a
Constituição Federal e a ordem jurídica.
O que devemos temer são os radicalismos, as paixões escudadas
por prévias concepções do que é certo ou errado, religiosas ou ideológicas.
Cautela e racionalidade, convivência com opiniões e decisões
contrárias, obediência aos estritos comandos de cada poder, em suas específicas
esferas, e acima de tudo, respeito à Lei Maior.
Como se diria na linguagem dos jovens de hoje: “funciona?”
“Super”.
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