quinta-feira, agosto 29, 2024

E todos se unem contra o Judiciário!

 


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

Os parlamentares, de partidos e ideologias diferentes, se unem para defender o seu quinhão! Mais do que isso: elegem o Judiciário – que não acerta sempre, é claro – como inimigo número um e perseguem o poder de decisão dos juízes, tentando aprovar lei que contrarie as decisões do Supremo Tribunal Federal, em retaliação às decisões que são contrárias aos interesses partidários!

O fato é simples: os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, e os parlamentares das respectivas casas, querem ter o poder de fazer emendas que lhes possibilitam todo dinheiro do mundo, sem dar satisfação ao povo e a ninguém (emendas secretas), e o Judiciário, agindo corretamente, pelas mãos de um dos seus ministros, disse que isso não é possível. Alguma dúvida de que seja possível em um Estado Democrático de Direito?!

Agora querem aprovar uma regra que suspende e anula julgamentos da Suprema Corte que sejam contrários aos seus interesses. Em outras palavras, o Judiciário pode decidir tudo, menos contrariar o Parlamento!

Atacar o STF e os juízes em geral – por mais que errem em algumas decisões – é dizer que o Parlamento é supremo, e que o Executivo, em certo sentido, também o é. Nada segura os interesses pessoais e políticos daqueles que não pensam na sociedade e na república.

Há uma campanha contra os membros do STF, mesmo por aqueles que lidam com o Direito. O Judiciário é um dos poderes do Estado, assim como o Legislativo e o Executivo. Pergunta-se: esses outros poderes pela fala e ação de seus membros, erram menos?

Todos erramos, é certo, mas o Parlamento deve ser respeitado quando exerce as suas funções – que certamente não é a de aprovar orçamentos secretos -, o Executivo deve ser respeitado, mas erra quando busca no “toma lá da cá” fazer “vistas grossas” para a administração dos interesses do Estado, apenas para favorecer os que estão no poder e o Judiciário erra, quando seus membros fazem manifestações e/ou ações políticas, e não preservam a sua atuação por intermédio de decisões fundamentadas na Lei. Todavia, na grande maioria das vezes, e nos assuntos mais fundamentais que temos vivido, pelo que vimos, o Judiciário tem agido dentro da Lei, ainda que não pelo gosto particular de uma ou outra classe de interesses.

A quem favorece desqualificar o Judiciário?

Uma decisão do Judiciário não pode ser anulada por interpretação e ação do Parlamento; tal lei, se vingar, seria inconstitucional.

Claro que o Judiciário pode anular ações de outros poderes, pois isso está dentro de suas funções, quando devidamente acionado por algum interessado, pessoa natural ou organização, nos termos constitucionais; o que significa dizer que o STF, assim como todo magistrado somente deve agir se provocado, e não por conta própria.

Existem males na atuação do Judiciário, como os existem em todos os poderes e na sociedade, que é o substrato do Estado soberano que se instalou sobre o território brasileiro – aliás o juiz que temos, o parlamentar que temos e o executivo que temos são produto dessa mesma sociedade - mas a correção desses males deve ter o caminho previamente traçado pelo ordenamento jurídico. A crucificação política de um ou outro ministro, pela sua atuação, e em consequência do próprio Poder Judiciário, é erro de interpretação jurídica e institucional.

Isto não significa a impossibilidade de crítica fundamentada à atuação do Judiciário. A crítica deve existir sempre no sagrado direito da liberdade de manifestação e pensamento.

Os abusos devem ser combatidos em quaisquer esferas e em quaisquer dos poderes; no entanto, é necessário verificar o que, efetivamente é abuso, e o que é exercício de competência institucional.

Embora, com todos os erros de julgamento que, eventualmente, podem ser apontados nas atividades dos magistrados da Suprema Corte, é fato que basicamente a ação desse Poder salvou o Brasil de um possível regime ditatorial. Só isso vai no crédito das ações do Judiciário.

A ninguém deve interessar amesquinhar o Judiciário, bem como os demais poderes; criticá-los, sim, com base na ordem jurídica: quem não o faz dessa forma tem interesses que não se coadunam com o Estado Democrático de Direito.

O Parlamento é um todo e não um ou outro parlamentar; o Executivo é um todo, e não um ou outro presidente ou administrador; o Judiciário é um todo, e não um ou outro juiz.

A quem interessa desqualificar o Judiciário ou quaisquer dos poderes da república?

É uma onda sísmica, que faz tremer alguns espaços, para depois instalar o terremoto: ou respeitemos as instituições dentro de suas respectivas competências, em obediência às normas e princípios constitucionais, ou ficaremos à deriva no mar social, à guisa dos ventos interpretativos dos interesses pessoais dos que exercem algum poder, público ou privado.

Talvez não tenhamos os juízes dos nossos sonhos, mas temos seguramente, o que é possível dentro das regras do sistema jurídico.

Podemos eleger pelo voto, aqueles que melhor nos represente na Câmara do Deputados, no Senado Federal, no legislativo da municipalidade, também o fazemos nos diversos cargos executivos, embora o voto não funcione como gostaríamos; quanto ao Judiciário acolhemos e acreditamos que o sistema de concurso e a regra do quinto constitucional para as instâncias superiores seja a mais adequada, do que a eleição de juízes ou outro sistema de escolha, subordinada a interesses de grupos dominantes.

O que temos não é perfeito, mas serve na evolução dessa etapa da sociedade brasileira, e assim vamos nos aperfeiçoando: basta que haja democracia, com o seu componente de discussão, respeito e voto, bem como compreensão do papel de cada poder, dentro das colunas que sustentam a Constituição Federal e a ordem jurídica.

O que devemos temer são os radicalismos, as paixões escudadas por prévias concepções do que é certo ou errado, religiosas ou ideológicas.

Cautela e racionalidade, convivência com opiniões e decisões contrárias, obediência aos estritos comandos de cada poder, em suas específicas esferas, e acima de tudo, respeito à Lei Maior.   

Como se diria na linguagem dos jovens de hoje: “funciona?” “Super”.

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