Carlos
Roberto Husek
Professor de Direito Internacional da PUC/SP.
Membro da Comunidade de Juristas da Língua Portuguesa. Membro da Academia
paulista de Direito. Desembargador da Justiça do Trabalho. Coordenador da
Especialização em Direito Internacional da PUC/SP COGEAE e Coordenador do Grupo
de Estudos Direito Transnacional – ODIP – Oficina de Direito Internacional
Público e Privado.
3.
Soberania absoluta/Cooperação
Não há
aqui, entre esses termos ou figuras, oposição plenamente configurável, porquanto
nos parece mais fácil a compreensão. A soberania é característica essencial do
Estado moderno. A capacidade política do Estado não depende de entidades a ele
externa e, portanto, do aval de outro estado e/ou organização internacional.
Apresenta-se a soberania como uma capacidade interna do Estado de ter a
criatividade e iniciativa de tudo que ocorre em seu território, o controle de
suas questões, problemas e obstáculos, e a propriedade dos instrumentos de ação
para resolver. No plano externo, basta o reconhecimento dessa capacidade por
seus iguais (teoria declarativa). Estruturas modernas que podem dividir o poder
(power-sharing), como na União Europeia, não são ameaças à soberania, uma vez
que entendemos que a própria soberania justifica o movimento de atrelar-se a
grupo de estados, à estruturas maiores, delegando poderes, que sem estas
inserções seriam próprias e exclusivas do Estado soberano. Viver em uma
comunidade internacional, e nesta comunidade agrupar-se em instituições
superiores, é prerrogativa soberana dos Estados que podem se submeter A
obrigações que lhes pareçam importantes para a sua própria sobrevivência.
Por
sua vez, a cooperação internacional com os demais entes da sociedade
internacional, nos dias hodiernos, diz respeito à própria incolumidade do
Estado para manter-se íntegro e ativo. É certo que a nenhum Estado é dada a
possibilidade de submeter outro, invadir suas terras, escravizar o seu povo e assim
não acontecerá ainda que o Estado posto na berlinda das relações internacionais
não cooperar com a sociedade internacional, mas o encadeamento dos interesses,
não só econômicos, é a medida da sobrevivência estatal, que no mínimo se verá
impossibilitado de bem gerir e alimentar a sua soberania. Cooperação é o
caminho em todos os campos vitais que dizem respeito, principalmente ao ser
humano, parte integrante e principal do Estado (território, povo e poder). Sem
povo, sem elemento humano, atendido, agindo, respirando, não há Estado.
Conclusão
Voltamos
ao mote que deu ensejo a este artigo “A inteligência em pandemia”. Ou nós, brasileiros, saímos rapidamente desse isolamento intelectivo, de entendimento
do mundo, de cooperação com os demais Estados, de observação das nossas
riquezas, de amparo às nossas matas e espécies animais (flora e fauna) e de,
principalmente, defesa do ser humano que habita de norte a sul o Brasil, de
engajamento com os tratados e convenções internacionais de que somos parte e de
respeito à Constituição Federal, em seus princípios e regras, ou estaremos
fadados a uma Idade Média particular nas terras da América Latina, caudilhos de
uma concepção irresponsável do poder.
Não
há, efetivamente, uma ameaça chinesa, que de pronto devamos afastar, e nem, por
certo, a consumação da existência de fabricação de um vírus para dominar o
mundo (COVID 19). Este pensamento ou declaração sem lastro, quando posto pelos
lábios de nossos representantes, deixa-nos atônitos, a todos, porque remete ao
imaginário de uma conspiração internacional contra o globo.
A
questão amazônica, tão cara, e sempre provocadora das nossas melhores ações,
não pode servir de lema, de dístico, para a defesa da pátria, com a abertura a
interesses de grupos internos ou internacionais, para o seu povoamento e
desmatamento, bem como o extermínio do elemento indígena e favorecimento de
grupos econômicos, pela palavra de próceres da república. Não há aí,
inteligência em defesa da pátria, nem afirmação de soberania.
Ricardo
Seitenfus, em seu livro “Para uma Nova Política Externa Brasileira” explicita:
“...observe-se que mesmo os tradicionais motes que justificam a atuação
coletiva internacional, como restauração da democracia ou o combate ao
genocídio ou a proteção às populações civis em caso de guerra, encontram
infinitas dificuldades de mobilização. Atestam os casos recentes do Haiti e da
Bósnia o impasse em que se encontram as possibilidades de ação coletiva, mas
sobretudo sua justificação. Deve-se, de pronto, destacar essa ameaça
imaginária, até por força da inexistência absoluta de qualquer base jurídica a
permitir tal ingerência. Mas também é necessário excluir a já referida, e
incrustada no sendo comum nacional, crença de que temos o direito de destruir o
habitat natural amazônico, sob o argumento de que a Europa e os EUA já sacrificaram
seu meio ambiente em nome do desenvolvimento e restaria ao Terceiro Mundo o
sacrifício de preservar a saúde global. Essa manifestação exacerbada de
nacionalismo retrógado constitui, na verdade, o exemplo perfeito de afronta ao
próprio interesse nacional, que é o de tornar possível a conservação das
riquezas amazônicas simultaneamente ao desenvolvimento das populações que lá
estão radicadas. Ocorre que o desenvolvimento concebido no Brasil é o que se
volta ao enriquecimento potencializado de alguns reduzidos núcleos. Este modelo
efetivamente é incompatível com a preservação ambiental da Amazônia. Os
interesses dos predadores não podem ser identificados com os interesses do país.”
(edição de 1994). Já, naquela época, 1994, estávamos às voltas com os mesmos problemas.
A diferença é que, para efeitos internacionais, observava-se a possibilidade de
diálogo e de esclarecimento, e que as autoridades constituídas tinham pejo em
agir, o que ora não tem ocorrido.
Não
sei o quanto realmente melhoramos como país, no conjunto das décadas, dentro do
século XX e o quanto ainda estamos devendo no conjunto de tais décadas que
marcará o século XXI, pela atuação dos nossos administradores, que podem
impulsionar a nação para um futuro melhor, que todos, desde o início da República
esperamos, paralisá-la ou, o que é pior, desacelerar o seu efetivo crescimento
humano e social, sem os quais não haverá crescimento econômico efetivo. Só por
magias de estruturações econômicas sem base humana, passar-se-á a imagem de
progresso. Bolo sem real conteúdo, vazio, disfarçado em estrutura sólida.
Tínhamos
um caminho, o que trilhamos agora? Celso Lafer, no livro “A Identidade
Internacional do Brasil e a Política Externa Brasileira” analisou: “...a
sociedade brasileira mudou de maneira significativa a partir de 1930, em função
do conjunto de políticas públicas, inclusive a externa, inspirada por um
´nacionalismo de fins`. O Brasil urbanizou-se, industrializou-se,
democratizou-se, diversificou sua pauta de exportações, ampliou seu acervo de relações
diplomáticas. Em síntese, modernizou-se e melhorou seu ´locus standi`
internacional sem, no entanto, ter equacionado uma das “falhas’ constitutivas
de sua formação – o problema da exclusão social (p.112). E concluindo “(e)m
síntese, e para concluir com uma metáfora musical, o desafio da política
externa brasileira, no início do século XXI, é o de buscar condições para
entoar a melodia da especificidade do país em harmonia com o mundo. Não é um
desafio fácil dada a magnitude dos problemas internos do país, as dificuldades
de sincronia dos tempos na condução das políticas públicas e a cacofonia
generalizada que caracteriza o mundo atual, em função das descontinuidades
prevalecentes no funcionamento do sistema internacional. É, no entanto, um
desafio para o qual o histórico da inserção e da construção da identidade
internacional do Brasil, analisada neste texto, oferece um significativo lastro
para a ação bem-sucedida.” (f. 122, edição de 1941).
Pergunta-se:
O desafio da política externa brasileira, no início do século XXI, de buscar
condições para entoar a melodia da especificidade do país em harmonia com o
mundo, está sendo enfrentado e superado pelos pronunciamentos oficiais (Presidência da República, Ministério das Relações Exteriores, Ministério do Meio
Ambiente, Ministério da Educação)? Há uma dúvida que se equilibra na aposta de
que estamos apenas atravessando um momento de pane e que tudo voltará na
senda da estabilidade, da harmonia e da serenidade. Sem isso, a resposta será
negativa.
Referências:
BOBBIO,
Norberto, Direita e Esquerda – razões e significados de uma distinção política,
Editora Unesp, 3ª. ed.
LAFER,
Celso, A Identidade Internacional do Brasil e a Política Externa Brasileira,
Editora Perspectiva S.A. 1941.
ROBEIRO,
Manuel de Almeida, COUTINHO, Francisco Pereira, CABRITA, Isabel, Enciclopédia
de Direito Internacional, Almedina, 2011.
SANT´ANA,
Afonso Romano, Epitáfio para o Século X X, Poesia.
SEITENFUS,
Ricardo, Para Uma Nova Política Externa Brasileira, Livraria do Advogado
Editora, 1994.
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