quarta-feira, novembro 25, 2020

A culpa é de Charles Darwin

 

Carlos Roberto Husek

 

A África, o continente pobre, em grande parte o continente negro, produto exportação para os países colonizadores, espalhou o ouro humano por diversos cantos da Terra. E por que motivo uns serviram de escravos e outros de senhores, e por que se concretizou a indecifrável biologia de passar pelo DNA dos descendentes, a característica da servidão, e principalmente dos últimos, o vezo da superioridade? Freud, Jung, Lacan, certamente explicariam, ou quem sabe os antropólogos, historiadores, geógrafos, Darcy Ribeiro, Gilberto Freire, Milton Santos, Galeano, podem nos dar alguma ideia? A ciência, a psicologia, a sociologia, a medicina, poderiam definir que, às vezes, tudo isso não passa de uma organela esférica e alongada do citoplasma de uma célula eucariótica, informativa de uma condição biológica, perfeitamente humana e explicável. Somos animais, não há dúvida. Darwin tinha total razão. Fazemos parte da classe dos mamíferos – a condição vem pelo leite materno – descendentes de um ancestral comum. Pobres mães, culpadas de tudo! Não pode ser! O leite materno também azeda? Azedume. Cheiro ácido, picante, acre, de quem verte pelos poros suas idiossincrasias, pensando em apenas ser.

“Ser ou não ser”, eis a questão! Ser o quê? Será tratar-se apenas de ideologia? Acho que a questão, embora não tão simples, deve ser estudada no mundo da ótica, dos espelhos. Há aqueles – todos nós, possivelmente – que não enxergam o verdadeiro rosto e a verdadeira natureza. Não o do símio bruto e peludo que se esconde por trás de pele lisa, mas o do primitivo ser, repleto de pedregulhos depositados no fundo do inconsciente, lá onde o espírito faz morada e lança na atmosfera do consciente suas pedras e artefatos para enfrentar o dia a dia. E ninguém compreende! Não pode compreender mesmo. Agimos todos – voltamos a Freud – por impulso; somos impulsivos, reativos, e no mais das vezes radioativos. Somos de uma mesma raça, a humana? O planeta é ainda habitado por bichos, que falam e gesticulam e negam a existência dos fatos, e que produzem fatos e os negam ou os afirmam, em simbiose fatídica e miseravelmente animalesca – animal superior, é claro – que não evolui social e psicologicamente, somente tecnologicamente. A tecnologia é algo que produzimos, aperfeiçoando as máquinas, a ponto de nos tornamos, aos poucos, parte delas. É isso, acabei de descobrir, ó aclamados homens da ciência: De hoje em diante, vamos substituir – já o fazemos – o coração, o fígado, os rins, o pulmão e o cérebro, por artefatos mecânicos e assim desenvolveremos uma outra raça: androide, humanoide, e talvez, debiloide!

Os casos acontecem e não se explicam, e são infindáveis, e são constrangedores, e são, ainda que repetitivos, inusitados! Contradição? Por que não podemos ter nossas contradições ao enfrentar as diárias contradições do animal civilizado? Afinal, sufocar o outro com a perna, o joelho, o próprio corpo, até matá-lo é perfeitamente, justificável. Xingá-lo, então, é natural. Dizer que morrer - aos milhares - e com queixas, não é coisa de homem, também é perfeitamente aceitável, e que a devastação da floresta não contraria a natureza, é razoável, ou, por fim – reavivemos o tema central – anunciar que o racismo é importado, tem sua lógica de dominação. E, cá entre nós, é realmente importado, afinal estamos matando igual aos nossos queridos irmãos norte-americanos, a quem devemos copiar sempre o bem e o mal, principalmente o mal, porque um líder é um líder e manda, independente de leis maiores ou menores. Vivam as armas! Os antigos com tacape na mão, ou o urumi (espada), o atlatl (da Idade da Pedra), o kakuti (anel de ferro), o lança fogo (para cegar usando pólvora); por falar em pólvora... deixa pra lá... estavam certos. Substituindo todas as armas – as de mão são preferidas para que as famílias de bem se defendam (para quê o Estado, não serve para nada!). O soco inglês é bem moderno e três ou quatro contra um funciona sempre, e se esse um não tiver a pele clara, melhor, entretanto, se a pele for alva e a ignorância também, é aceitável um corretivo (para quê o Estado, não serve para nada!). Estou enlouquecendo, é verdade. Um mundo moderno é o dos direitos humanos. É dos direitos humanos? Quando João Ramalho dominava o planalto com uma penca de mulheres índias, e a principal Bartira, e filhos, e andava nu, e impunha sua própria lei, tinha lá seus filhos preferidos, que preferiam, assim como o pai, morder e atacar, foi eleito pelos jesuítas e subgovernadores gerais e demais autoridades, comandante das terras de Piratininga, capitão do mato, viu-se o que seria do futuro: o Brasil já estava nu. Nos dobramos, desde aquela época, aos interesses do momento, olhos tapados – não era o pano da pandemia que tapa nariz e boca – era pior, porque imprimiu em nosso gene, a ignorância da dominação. Não vemos, não enxergamos, não ouvimos e as palavras ressoam em nossos cérebros como oráculos não codificáveis, incapazes que somos de raciocinar, e as imagens dos fatos chegam aos nossos olhos sob os efeitos de uma bruma que impede a configuração e o desenho.

A bem da verdade, tudo isso não é novo, é só triste. Cá como lá, ou alhures, há episódios na “humanidade”, que se os animais falassem iam dizer: Meu Deus! Heine, nascido às margens do Reno, em 1797, fala pela voz do contratador, em Navio Negreiro:

 

“Pimenta e pelas de borracha,

Marfim do bom e ouro em pó –

Tonéis e caixas – mas eu acho

A carga escura bem melhor.”

 

Seiscentos negros lá do Níger

Que barganhei no Senegal;

Tendões de aço e pele rija,

Tal qual estátuas de metal.

 

Troquei por caixas de birita,

Contas de vidro e armamento;

Caso a metade sobreviva,

Hei de lucrar uns mil por cento.”

 

 

E Castro Alves, nascido em 1847, no sertão baiano, em Vozes da África, já se indignava:

 

“Deus! Ó Deus! Onde estás que não respondes!

Em que mundo, em qu´estrela tu t´escondes

             Embuçado nos céus?

Há dous mil anos te mandei meu grito,

que embalde, desde então, corre o infinito...

             Onde estás, Senhor Deus? 

(...)

 Cristo! Embalde morreste sobre um monte...

Teu sangue não lavrou da minha fronte

              A mancha original.

Ainda hoje são, por lado adverso,

Meus filhos – alimária do universo.

             Eu – pasto universal.”

 

 

Até quando vai ecoar esse grito?

A Constituição Federal, não faz eco?

As convenções internacionais, não persuadem?

Darwin apenas constatou uma verdade, mas não nos deu saída?

A culpa é do Darwin.

 


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