Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito internacional
da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito internacional
Público e Privado
Os ditadores não respeitam nada, nem a própria ordem jurídica
interna nem a ordem internacional. A lei Maior de um país, quando
democraticamente posta, e os tratados e convenções internacionais não
representam qualquer responsabilidade para aqueles que só pensam no poder.
A liberdade de falar e de agir, contrária às mínimas regras
de convivência, estabelecidas, não pode ser maior do que os princípios e normas
constitucionais, ou pode?
Quadrinhos do Calvin:
“- Sua professora disse que você precisa dedicar mais
tempo ao dever de casa.
- Mais tempo? Eu já gasto dez minutos todinhos nele! Dez
minutos desperdiçados ralo abaixo!
- Você escreveu aqui 8 + 4 = 7? Isto está errado e você sabe
disso.
- Tá eu arredondei um pouco, me processa então.
- Você não pode somar dois números e acabar com menos do que
começou.
- Posso, sim! Este é um país livre! Eu tenho meus
direitos!”
(grifos nossos).
No Brasil vivemos assim: tenho direitos de falar e agir, como
eu quiser, mesmo contrariando a ordem natural, material ou jurídica das coisas.
“Me processe quem discordar”
Há necessidade de explicar o óbvio; que não se pode agir e
falar o que se quer, a qualquer hora, e impor a própria vontade contra decisões
coletivas, fazendo pouco caso da sociedade, e buscando não pagar o preço da
responsabilidade de agir assim? (...mas há os querem anistia, por tentarem dar
um golpe de Estado, rasgarem a Constituição, destituírem o governo, planejarem
mortes, derrubarem e estraçalharem o patrimônio público, e sabe-se lá o que
mais)!
Faz-me lembrar o personagem Fabiano de Vidas Secas, de
Graciliano Ramos, que preso no cárcere, por pouca coisa, viu-se obrigado a
obedecer a um “soldado amarelo”, que o empurrou para o cárcere e nele bateu,
com o auxílio de outros (covardes sempre agem em grupo), só porque ele não soube
responder o que lhe perguntara. Somos todos fabianos diante dos governos
despóticos, que vomitam as próprias razões e se acham donos da verdade.
A Venezuela é comandada por um ditador (não tenho medo da
palavra, não sou diplomata, nem represento o Estado), que manda no Parlamento e
no Judiciário interno, escudado pela força militar.
Há, também, os que buscam dominar povos e nações por
intermédio do capital, apoiados pelos interesses de grupos que justificam a
desobediência civil só para manterem a posição econômica, e pior, atacam quem
decide, qualificando-o como ditador e criminoso!! Quem espera ditar as normas
pelo poder do dinheiro e pratica o crime? Afinal, desobedecer a normas
constitucionais e infraconstitucionais, é permitido para alguns e proibido para
outros? Os que são influenciadores e têm dinheiro podem fazê-lo, o resto do
povo, não?
Em relação ao domínio de grupos econômicos, a única saída é a
manutenção da ordem pública, a ordem do Estado, que, no caso do Brasil, ainda
que não seja perfeita, foi democraticamente estabelecida e não se baseia na
vontade de um homem ou de um grupo ou partido, o que vem garantido por eleições
regulares.
Em relação à Venezuela – que não é simplesmente um regime “desagradável”
– ficou clara a ditadura em que vive, cuja origem, da esquerda ou da direita,
não tem o condão de justificá-la, porque os ditadores deixam de lado suas
eventuais origens ideológicas, religiosas ou filosóficas para concretizarem uma
satisfação estritamente pessoal, esquizofrênica, egoística e psicótica.
Voltando a pensar no Brasil, que alívio vivermos em regime
democrático, que admite todas as falas e ações, mas não pode admitir tais ações
e falas que busquem acabar com a própria democracia.
Injustificável! “Dou a você todo direito de ir contra mim,
incluindo a arma que ponho na sua mão para me matar...!!” Não, não!
Derrubar a ordem jurídica, queimar livros, eleger mitos e inimigos da pátria,
apontar bruxas, chamar juristas para justificar interpretações estapafúrdias e
direcionadas da Constituição, e fazer discursos elegendo um inimigo, porque ele
usa toga e decide (bem ou mal), dentro da competência que lhe dá a Lei Maior, é
a motivação dos que ignoram qualquer relação social, com base na lei e qualquer
possibilidade de progresso democrático (Ditadura a exerce quem tem nas mãos a arma
e o poder, não quem interpreta a lei e exige o seu cumprimento, que se errar
nessa interpretação, pode ser combatido por caminhos processuais postos na própria
ordem jurídica, e não por discursos inflamados).
O mundo passa por uma tempestade de dominadores e
repressores, que se instalam em quase todos os países, protegidos pelas regras
democráticas, de que podem falar e agir abertamente (direito de falar e agir), tentando
derrubar a própria ordem jurídica!
Quem é o verdadeiro repressor? O que após um processo regular
decide ou o que busca impor sua vontade pelas redes sociais a favor de
interesses particulares?
Há uma linha tênue entre liberdade e libertinagem, entre
decisão oficial e decisões particulares, entre praticar atos a favor da
sociedade e praticar atos a favor de grupos de interesse.
A responsabilidade é de todos pelos próprios atos. Alguns
desses atos, vindos a lume pelos que estão no poder do Estado, se contrários ao
sistema jurídico, podem ser combatidos pelos meios legais; outros, no entanto,
que se utilizam de todos os meios de divulgação para fundamentá-los e
influenciar os poderes paralelos do Estado, se obtiverem sucesso no seu
intento, ficarão à margem de qualquer regra.
Lembro o artigo 3º. Da Constituição Federal:
“Constituem objetivos fundamentais da República Federativa
do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir
o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.” E para completar, nas relações privadas que ultrapassam as
fronteiras do Estado, há o vetusto e esquecido artigo 17 da LINDB: “As leis,
atos e sentenças de outros país, bem como quaisquer declarações de vontade, não
terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem
pública e os bons costumes.”
É uma luta insana. Quem aparece em vídeos dançando, sorrindo,
correndo atrás de pombas, fazendo pouco caso da ordem jurídica, e circundado de
uma áurea de vencedor, está certo de possuir o domínio da opinião pública. E,
talvez o possua, porque vivemos no mundo das redes sociais.
Bem, esta é uma opinião minha, posta na ODIP, que está livre
para todas as divergências. Claro, posso estar errado e admito as divergências.
Convido a todos a pensar, ou podem dizer, como deu a entender o Calvin: o
resultado da minha soma é aquele que eu quero, e não o que diz a Aritmética!