sexta-feira, junho 20, 2025

À sombra dos castiçais

 


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

“Ilusão que a minha alma coitada, hoje em dia de ilusão é que vive, é chorando minhas glórias passadas, é carpindo uns amores que tive”
                                                                                                 Casimiro de Abreu


A vida dita real, a que nós enxergamos, é um castelo construído com cartas marcadas pelo egocentrismo humano, de algumas poucas cabeças que dominam o mundo.
Os mundos políticos, o militar, e mesmo o jurídico, que contornam o primeiro, fazem do dia a dia o que ele é, uma ilusão que se traveste em realidade, a ponto de pensarmos —pelo menos nós, acadêmicos e idealistas— que, tudo não passa de uma imagem social construída sobre o deserto de nossas intenções.

Qual a realidade, da guerra entre a Rússia e Ucrânia, que começou com o ataque da Rússia —e todos se esquecem disso, pois transformaram a guerra, sem qualquer obtenção de paz, por exclusiva culpa da Ucrânia— que foi a que teve seu território atacado, contrariando todos os princípios e regras internacionais?

Qual a realidade da guerra de Israel e Palestina e de Israel e Irã, em que o início e o meio parecem também terem sido absorvidos pelo tempo, entre mentiras narrativas e crenças de ordem jurídica e social construídas ao sabor dos governantes e seus generais?
E todas as nossas forças policiais e todas as interpretações jurídicas e todos os conteúdos jornalísticos vivem e gastam rios de dinheiro em torno desses fatos!

O que fazer da vida comum, que deve ser vivida, com estudo, trabalho, desejos, família, ambições profissionais, saúde; o chamado bem-estar social, dever de todo Estado?
Ilusões. Vivemos delas e a única realidade que importa é aquela vemos, com os nossos olhos mortais, ávidos de drama e de violência.

Pois é, também perco meu tempo com tudo isso!


segunda-feira, abril 14, 2025

Protocolo de Quioto, Acordo de Paris, COP 30, eventos climáticos e nossa responsabilidade de eleitores e de eleitos

 


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

Está na hora de nós, cidadãos, termos responsabilidade pela eleição daqueles em que votamos.

Lembro que o ex-presidente, que ora pede anistia pela condenação dos atos de 8 de janeiro, entendia por bem seguir de olhos fechados o que dizia e fazia o Presidente dos Estados Unidos Donald Trump, incluindo, entre outras coisas, a retirada do país do Acordo de Paris, sob o argumento simplista de que o que era bom para os EUA, era bom para o Brasil.

Reeleito Trump, novamente, sem explicação cientifica e juridicamente convincentes, salvo a explicação econômica e monetária de vantagens para os norte-americanos, cumpriu a promessa de campanha, de retirar os EUA do referido Acordo.

Breve explicação:
O mundo reuniu-se em Paris, pela COP 21, em encontro ambiental de 2016, com assinaturas de 195 países, para comprometerem-se em reduzir os gases de efeito estufa na atmosfera, porque tais gases tendem a acabar com a vida na Terra, isto é, em todo o globo terrestre, incluindo os Estados Unidos.

Os objetivos básicos do Acordo de Paris, que substituiu o Protocolo de Quioto, de 2005 são:
. assegurar que o aumento da temperatura global fique abaixo de 2 graus na escala Celsius;
. aumentar a capacidade de adaptação aos impactos e resiliência do clima;
. criar um fluxo financeiro que controle a emissão de gases de efeito estufa.

O Brasil ratificou o Acordo em 21.09.2016, e desde então busca cumprir as metas propostas, que não depende só da soberania nacional, mas da cooperação dos demais países, principalmente daqueles com maior potencial econômico e que produzem muito mais o gás indesejável.

Nossa meta é a de reduzir os gases em 37% até 2025 e de 43% até 2030, para tanto devemos combater o desmatamento, providenciar práticas sustentáveis para a agricultura e promover energias limpas.

Ao que parece o Brasil está fazendo um esforço incomensurável para alcançar tais objetivos, mas é fato que os países que não aderiram ao referido Acordo, que representa uma consciência mundial, necessária para a sobrevivência da espécie humana, podem inviabilizar os objetivos do Acordo.

Em tese, todos estão (menos alguns irresponsáveis – esperamos que o Brasil nunca entre nessa lista) se preparando para a chamada “pegada ecológica” e para a chamada “pegada de carbono”, que nada mais são do que uma medição da quantidade de áreas produtivas de terra e mar para gerar os recursos que consumismo e absolver os resíduos que produzimos (pegada ecológica), bem como medir as emissões de gases de efeito estufa gerado pelas atividades cotidianas de uma pessoa, de uma empresa, de uma organização, de uma sociedade, para saber as toneladas de gás carbônico que é jogado na atmosfera por ano (pegada de carbono). Existem métodos para tanto e existem possibilidade de, mesmo sem saber os métodos, evitar o máximo possível tais procedimentos danosos e fatais à raça humana, como aqueles já descritos em parágrafo anterior.

É inacreditável como todos nós, do planeta, podemos perecer diante da irresponsabilidade de poucos!

Estamos na época da cooperação mundial, hoje infelizmente voltada apenas para os “tarifaços” estabelecidos por Trump, que não deseja um planeta saudável e não deseja o comércio multilateral nem a diplomacia, mas apenas o domínio total e completo sobre as pessoas e os bens.

Claro está que, o Brasil, independentemente da ideologia partidária, não pode se curvar a tais irresponsabilidades. Nossa Constituição Federal não o permite, e as Convenções internacionais que assinamos, também não nos permite. Basta a quem for eleito, democraticamente, para os cargos do Executivo e do Legislativo, tenha essa consciência e antes de quaisquer injunções político-partidárias, se comprometa com o Estado Democrático de Direito e com a nossa histórica participação cooperativa internacional.

A COP 30, que será realizada em Belém do Pará – 30ª. edição da Conferência das Partes, países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCCC), tem como objetivo discutir questões relacionadas ao aquecimento global e às mudanças climáticas, principalmente no que se refere ao financiamento climático, à Justiça climática e às transições energéticas.

O Brasil, presidirá essa reunião, e é mais um passo para a nossa participação responsável para o concerto mundial.

A esperança, dizem, é a última que morre, mas ela pode agonizar perigosamente e evoluir para a morte!


segunda-feira, março 31, 2025

À guisa de entendimento da ordem jurídica

 


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

Vamos refletir, anistia não pode ser, pura e simplesmente um perdão para isentar de punição todos que infringiram a ordem jurídica, independente de seus crimes, e das consequências deles resultantes.

Não se pode, simplesmente, “passar uma borracha no passado”, quando este passado está tão presente e representa, de certa forma, por suas ideias e líderes, um crime permanente e continuado.

Perdoar é humano e revela uma proximidade com o divino, quando os eventuais perdoados se mostrarem conscientes.

A Democracia, a ordem jurídica, a Justiça e a sociedade podem pagar um preço irreparável pela tolerância, quando em jogo as próprias instituições criadas pela Democracia, embora o perdão seja sempre uma possibilidade humana de prática fundamental

Qual a defesa da Democracia?

A ordem jurídica, em um Estado Democrático de Direito, deve ser suficientemente forte, com juízes íntegros, parlamentares idôneos e administradores preocupados com o povo para, ainda assim, dar oportunidade aos que erram e abrir diálogo com aqueles que enxergam o mundo por prismas diferentes.

Algum país alcançou este patamar?

Observe-se que há casos em que países conhecidos pelos ensinamentos na defesa de princípios republicanos, podem eleger líderes que desejam, em pleno séculos XXI conquistas territoriais e buscam mudar a própria geografia do mundo hoje baseada na soberania dos Estados e em fronteiras previamente traçadas, não levando em conta os princípios da paz e da não intervenção em outros países!

É uma luta constante, diuturna, incansável porque os próprios líderes e pensadores ficam na dúvida como proceder. Os instrumentos que têm aqueles que pensam com humildade e duvidam dos caminhos imaginados, são constituídos de ideias, pensamentos, incredulidades, e não de armamentos preparados para a guerra O mais forte, em um primeiro momento, sempre vence: a verdade do diálogo e da democracia demora anos para se concretizar.

Não há dúvida que o Judiciário tem lá os seus erros – qual instituição que não sofre de erros, se constituídas de seres humanos? -, mas há que se reconhecer que magistrados, que decidem com fundamento na Lei Maior, têm coragem essencial para aplicar a lei e para manter a ordem jurídica, e são as colunas que sustentam a Democracia.

Parece haver uma onda social, que de tempos em tempos ultrapassa os limites do razoável, e a sociedade pode aparentar regredir e sucumbir ao que há de pior, para reagir e depois reafirmar valores maiores, reconhecidos como fundamentais para o progresso do indivíduo e da coletividade. No entanto, poderá vir a aplaudir novos fatos amparados pela nova (velha) religião política de domínio!

O que fazer?

Combater sempre, resistir sempre, ainda que isto se transforme em doença estressante e quase sem fim. Na verdade, ao final, cremos que mesmo a passos pequenos, alguma evolução mínima existirá, porque a sociedade humana já saiu, em grande parte, da escravidão, da morte do inimigo e da vingança, para um patamar de argumentos e de ideias, ainda que eivadas de desinformação. Já é um progresso!

Vamos lembrar aqui alguns artigos da Constituição Federal – nossa bíblia -, “Artigo 1º. que estabelece: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; Parágrafo único. Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” 

Artigo 3º. “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:” “I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;” “II – garantir o desenvolvimento nacional; “III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;” “IV – promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” 

“Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” “I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;” “II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;” “III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano e degradante;” “XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido o prévio aviso à autoridade competente;” “XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícito, vedada a de caráter paramilitar”. “Artigo 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante.” 

O artigo 17. “É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos;”

“Par. 4º. É vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar.”

Tem outros artigos fundamentais, como é possível sempre lembrar. Entendemos que se deva ler a nossa Constituição Federal com os olhos das primeiras letras, olhos que descobrem as primeiras lições e se entusiasmam com as novas descobertas; e que se deva, depois, esmiuçá-la, decompô-la em suas partes, com os olhos de um cientista que em seu laboratório jurídico decifra a essencialidade do ordenamento que dela deriva.

Não se diga que a Constituição Federal de 1988 é perfeita, mas é obra do tempo e de uma sociedade, e tem virtudes que podem ser identificadas e dimensionadas, na esfera da Justiça e do Direito.

Tê-la ao lado da cama, antes de dormir, para uma leitura básica, pode ajudar a melhor entender os valores em jogo que se acomodaram nos seus artigos, itens e parágrafos.

Boa leitura a todos!

segunda-feira, fevereiro 24, 2025

Inépcia das falas e dos escritos e de seus componentes no exercício da liberdade, como justificativa de um inexistente golpe de Estado

 


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

Não se trata, este aqui, de um texto técnico, mas de reflexões de fatores técnicos utilizados nos discursos, aleatoriamente, para firmar o exercício da liberdade e da defesa democrática.

Na verdade, na vida política, cada um diz o que quer e justifica como pode, para alcançar seus desideratos.

Uma petição é inepta quando há falta de pedido e ou de causa de pedir, quando não há narração lógica dos fatos, quando o pedido se mostra juridicamente impossível, quando existem pedidos incompatíveis, e nesses casos, e outros, o juiz não a considera apta para o prosseguimento da demanda.

Será esse o caso da denúncia feita pelo Procurador Geral sobre os fatos de 8 de janeiro, da chamada tentativa de golpe de Estado?

Baseou-se o Procurador em narrações fantasiosas e toda denúncia firmou-se apenas no depoimento de uma delação premiada?

A tentativa de golpe não é golpe e, portanto, não é crime; mas se o golpe fosse consumado, não estaríamos diante de uma nova ordem jurídica estabelecida, por golpe sobre a ordem anteriormente existente? Nesse caso, a ordem jurídica atual e a democracia estabelecida pelo Estado, deveria esperar o sucesso do eventual golpe ou deveria estar preparada para a defesa do Estado e de suas instituições?

Quando as opiniões atingem os próprios princípios constitucionais e a própria ordem jurídica do Estado, incitando pessoas e grupos a agirem não há defesa possível? Tratar-se-ia de simples exercício de liberdade individual e coletiva?

Hitler exerceu com plenitude sua liberdade de agir contra o Estado e contra os judeus, provocando a 2ª. Guerra Mundial!

A história contada pela denúncia (e qualquer petição ou ato judicial, aptos, baseiam-se em histórias, com começo, meio e fim), pelo que observei tem lógica narrativa e tem provas dos atos ocorridos, também foram amplamente demonstrados pela mídia falada, escrita e televisiva, com depoimento dos próprios envolvidos.

Diminuir o tempo de inelegibilidade, por uma lei que foi gerada por reivindicação da sociedade, só para favorecer objetivos políticos, não pareceria a todos nós, mesmo para aqueles com pouca leitura e discernimento, algo antidemocrático, ilegítimo e, provavelmente, inconstitucional?

É possível dar anistia para grupos interessados que depredam patrimônio público, aliciam vozes de comando, subvertem a ordem posta, buscam planejar a eliminação do Presidente eleito, do Vice-presidente e de um Ministro do Supremos Tribunal Federal, para que depois de anistiados voltarem a planejar outras iguais tentativas?

Ser de direita não é uma pecha, assim como não o é ser de esquerda, a mácula está na utilização dessas bandeiras para perpetuação no poder, porque, salvo engano, nenhum desses caminhos fundamenta-se, validamente, na supressão de direitos e na derrubada das instituições. Em muito países a direita vence as eleições e busca administrar o Estado e suas instituições com um olhar diverso da esquerda. Não se busca, em princípio, a quebra da ordem jurídica, que convive com a diversidade de opiniões e planeja vencer essa diversidade, com argumentos e não com a força militar; no entanto, se o faz em algum discurso ou arrazoado escrito ou oral, na verdade, está utilizando de frases e palavras de ordem para fazer aflorar o inconsciente primitivo do domínio e da submissão.

Não se desconhece que existem teorias que justificam tudo, mas quase sempre escondem vetores dissimulados de apreço ao poder e à própria imagem. Há um narcisista escondido em cada ditador, que só admira o próprio reflexo e só considera amigos os bajuladores.

Estamos longe da Democracia, porque dos porões do inconsciente coletivo ainda surgem os espíritos que espalham os seus próprios e inconfessáveis atavismos e os seus fétidos propósitos.

Precisamos nos proteger dos argumentos falsos e dos objetivos escusos. Não é sempre fácil identificá-los, mas a vigilância crítica é um exercício, que deve ser aprimorado, com a desconfiança inicial sobre tudo o que se diz ou o que se escreve.

A liberdade de agir e de opinar passa pela conscientização da vida e dos relacionamentos.

Vamos abrir os olhos e os ouvidos!


quarta-feira, fevereiro 05, 2025

Mania Lupina ou...

 


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado


No prefácio do livro “O Reino deste Mundo”, de Alejo Carpentier, escreveu este, citando a obra “Os Trabalhos de Persiles e Sigismunda” – “...Entender-se-á com isso de se transformarem em lobos que existe uma enfermidade à qual os médicos chamam mania lupina...” 

Quem possui essa enfermidade quer sair à noite, pensa transformar-se em lobo, buscar sepulturas, uivar, vociferar. Acho, na verdade, que não é o caso de alguns presidentes eleitos e/ou que desejem, em futuro não distante, se elegerem, embora ajam na sombra e quando descobertos venham a mostrar a verdadeira face, peluda e animalesca.

Talvez fosse o caso de narcisismo, em que a libido e o eu confundem-se, em determinados momentos: “eu sou grande”, “eu sou bonito”, “eu me amo”. “eu me admiro”.

Elisabeth Roudinesco, em seu “Dicionário de Psicanálise”, esclarece, no item sobre “Narcisismo” que: “Desde sua chegada ao poder, Adolf Hitler (1889-1945) aplicou a doutrina nacional-socialista (ou nazismo), da qual um dos objetivos principais era a eliminação de todos os judeus da Europa como ´raça inferior`. Do mesmo modo, ele procurava livrar-se das demais ´raças inferiores`, de todos os homens considerados ´tarados` ou incômodos para o corpo social. Assim, a homossexualidade e a loucura foram tratadas pelo nacional-socialismo como equivalentes da judeidade, tudo isso com base na teoria da hereditariedade-degenerescência.” (Jorge Zahar Editor, 1988, p. 533).

Guardados os devidos fatos e proporções, para alguns, os pretos, homossexuais, palestinos, latino-americanos, imigrantes e outros (cada classe dominante e em cada país tem sua lista), são indesejáveis para constituir a pureza da nação e da raça. Também, não sei se seria o caso, mas existem semelhanças, com o que acontece no mundo atual com alguns líderes que desenvolvem uma comunicação misógina, racista, exclusivista e anticientífica de domínio!

O rei, no entanto, pode estar nu!

Vejo-os a todos - os semelhantes, e muitos os há -, sentados em seus tronos, cercados de vassalos e cobertos de tesouro, mas nus!

Lobos solitários e que, em alguns momentos, olham-se no espelho admirados da própria imagem e que tomam a resolução, assim que acordam, de conquistar o mundo.

O mundo do dinheiro em torno desses pobres conquistadores garantem todas as ilusões, enquanto eles próprios com o exercício do poder garantirem o espaço para esse mesmo mundo. 

Quem afinal domina quem?

Existem muitos lobos e narcisos escondidos nos travesseiros de suas próprias camas, que ao despertarem uivam e dançam diante da própria imagem, mas não enxergam o deserto em que se encontram, só vislumbram o oásis inexistente. 


terça-feira, janeiro 14, 2025

Século XXI, século do regresso social – somos gados

 



Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado


Vladmir Putin querendo reeditar a velha União Soviética, atacando os vizinhos e buscando anexar a Ucrânia!

Kin Jong-um, ameaçando a Coreia do Sul e o mundo com bomba atômica e se unindo a Putin, para conquista de territórios!

Yoon Suk Yeol, entendendo que um regime de força – Lei marcial – na Coreia do Sul (Democrata!), é o melhor caminho para o progresso!

Benjamin Netanyahu, com estratégias para “dizimar o povo palestino!

Donald Trump, manifestando a sua vontade de mudar o nome do Golfo do México para Golfo da América (do Norte, bem entendido...), observando que o Canadá poderia ser o 51º. estado norte-americano, também propondo a anexação da Groelândia e do Canal do Panamá!

Nicolás Maduro, afirmando-se contra todos os resultados eleitorais (eleições meramente formais, após afastar os opositores, Marina Corina Machado e Edmundo González), escolher os membros da Suprema Corte e do Conselho Eleitoral, subordinar o Parlamento e revelar o desejo de conquistar Essequibo, por invasão territorial, na Guiana!

Xi JinPing, determinou o seu projeto político de reunificar a China antiga, anexando Taiwan – Ilha de Formosa, China Democrática – ao território da China Comunista continental!

Pelos menos sete conhecidos e desastrosos dirigentes, apoiados ou não pelos seus específicos povos, mas garantidos pelas respectivas forças armadas e política, querem transformar a geografia do mundo, para os seus desígnios pessoais. Em alguns, era de se esperar que o fizessem, em outros, democraticamente eleitos e com uma história republicana de princípios constitucionais, nos surpreenderam, como eleitos para cargos presidenciais e de ministério, conseguiram divulgar ideias e planos de domínio e de absoluto poder!

A desinteligência domina e o que pensávamos nunca mais ver no mundo, após 1945, está perigosamente tornando-se realidade. Rasgam-se as Constituições, as Declarações Universais de Direitos Humanos, a Carta da ONU, as Cortes Internacionais, os princípios baseados na soberania dos Estados, para dar milhares de passos atrás na História.

As instituições criadas pelo homem, com sentido universal, coletivo, de progresso, paz, respeito, liberdade de manifestação, estão sendo enterradas, em uma Era, que talvez, venha a ser conhecida como a Era da Involução Social.

A tecnologia não nos ampara e não é parâmetro para a evolução da humanidade. Ao contrário, na esteira desses fatos, propostos pelos líderes do mundo, à esquerda ou à direita – esquerda e direita não existem mais! – se apoiam na comunicação dos “whatsapps”, “emails”, twitter, facebook, e outros do mundo da inteligência artificial para o domínio tão antigo como o do homem das cavernas!

A falácia da Liberdade de manifestação sem controle, impõe ao ser humano comum, cidadão de um Estado, a ditadura dos que estão no poder e querem mantê-lo para a eternidade.  

Mark Zuckerberg, dono da empresa mãe Meta Plataforma do Facebook, junta-se a Elon Musk, que ora se tornou secretário de Trump, para proclamar a liberdade total de opinião, sem qualquer restrição institucional, para consolidar o poder de Trump, nos Estados Unidos e, se possível, no mundo.

E todos nós, que somos contrários, passamos por primitivos, porque queremos a conservação das instituições e da soberania dos países, e da possibilidade do pensamento livre e crítico, de cada pessoa, no conjunto da sociedade, e não do pensamento direcionado para o júbilo de uns poucos. 

Querem nos fazer de gados, o que não será tarefa difícil, se a juventude, não ler mais, entusiasmar-se somente com os celulares, com os “TikToks”, com “big-brothers”, “reality shows”, com as macaquices de auditórios, com a comunicação simplória das telas – cavernas modernas, onde se projetam somente sombras – com a impossibilidade de olhar nos olhos dos seus amigos e familiares, só interessando o brilho do momentâneo do, “aqui e agora”, sem profundidade para o futuro, sem informação do passado.

Querem nos fazer de gados! Estamos sendo amestrados; buzinas e berrantes que nos conduzem, reses marcadas, com substitutos tecnológicos das pastas químicas, tatuagens, brincos, tintas e ferros quentes. E, não percebemos, alienados e solícitos, subordinados a uma falsa liberdade de pensamento e de manifestação.

Somos gados...



 

terça-feira, janeiro 07, 2025

Um pouco de nada, e isto é tudo.

 


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

Escrevo com tinta transparente sobre águas.

A vida líquida transita nas esferas do universo, decantada em pequenos átomos de hidrogênio, onde se encontram as palavras. Do menino sonhador e deslumbrado surgiu o adolescente tímido, e deste, o velho, liquefeito em todas as suas histórias, a olhar o mundo, com as pálpebras caídas e os joelhos em falsete.

Escrevo para não deixar marcas.

Este penúltimo parágrafo, bem poderia ser o resumo de uma vida, de qualquer vida, e o que nos salvaria é a ilusão de que nos ouvem e nos leem, aqueles que nada têm a fazer, a não ser se mostrarem solícitos e compreensíveis, com a solidão das cidades, de paredes cinzas e sol escondido entre prédios.


Escrevo, com traços antigos de escrita indecifrável, garranchos sem significado, lidos pelos elementais, na liquidez dos meios de cada dia.


Este outro parágrafo, bem poderia não existir, e efetivamente não tem qualquer significado, a não ser o arremedo de longínquos espasmos e de uma comunicação sem retorno.
Escrevo com tinta transparente sobre águas. 

E quando ouço as notícias do mundo, mas me convenço que não são escritas nem pensadas, materialmente construídas sob o influxo do inconsciente coletivo, que põe tijolo sobre tijolo, e divulga o que há de ser uma parede, um cômodo, um muro, um palacete, um prédio, um tanque, quem o saberá? Porque a divulgação pelos meios eletrônicos, não forma a imagem completa do que se está a ouvir e do que se está a ver. Os meios eletrônicos são imateriais porque se dissolvem na tela e não guardam qualquer sentido da vida.
Escrevo com tinta transparente sobre águas.

As letras caem, as palavras submergem, e nada restará do pensamento, e nada restará da ação, mas escrevo, imaginando um reino de faz de conta.


2025 é um novo reino. Faz de conta que sabemos ser ele um pós-2024 e um pré-2026, porque tudo é convenção, e todas as convenções, assim como a natureza, se desfazem no pó das horas.

Bom que assim seja, nada devemos ao passado e nada devemos esperar do futuro. Tudo é, e sempre será, presente.

Escrevo para despertar os mortos, que enterremos a cada minuto.

Feliz 2025!



terça-feira, dezembro 03, 2024

O Direito e sua transformação

 


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado


Na sua importante lição, Jónatas Machado, professor da Faculdade de Coimbra, em seu livro de Direito Internacional, ora na 5ª. edição, expõe de forma objetiva e clara: “As convenções internacionais constituem o mais importante instrumento de criação do direito internacional. Na sua acepção inicial, as convenções internacionais eram entendidas como acordos orientados para a disciplina jurídica das relações entre Estados. A doutrina tradicional subsumia o tratado às relações, recíprocas e de boa fé, `soberano-soberano`, ao passo que a lei surgia no contexto das relações ´soberano-súdito` A conceptualização tradicional dos tratados internacionais arrancava da sua clara demarcação relativamente às leis internas. As convenções internacionais são hoje muito mais do que isso. Elas fornecem hoje uma espécie de ´bloco de constitucionalidade internacional` universalmente válido e imediatamente vinculante. Do mesmo modo, elas permitem que se fale com propriedade da existência de uma ordem jurídica interna da comunidade internacional, extensiva aos mais variados domínios, distinta da mera disciplina das relações entre Estados soberanos.[1]

Há aqui o reconhecimento de uma nova dimensão das leis internacionais, que por vezes tentamos explicar aos nossos alunos, e que nem sempre somos felizes: O Direito Internacional não é mais o Direito dos tratados, enquanto regras de relação entre Estados, nem mais o Direito dos Estados soberanos; é algo muito maior, que envolve a sociedade humana, como um todo, em todas as suas relações, privadas e públicas.

O Estado moderno transformou-se – na sua grande maioria – em centros, vórtices, nos quais giram centrifugamente, todas as relações humanas, e o Estado que não se portar assim, tende a não ser mais um Estado soberano, nem, por óbvio se configuraria bem na figura de um Estado-nação, porque a globalização não o permite.

Há uma guerra surda travada entre o poder do Estado e os poderes privados, entre os interesses do Estado e os interesses privados, entre o mercado estabelecido pelas relações privadas e empresariais e os direitos humanos, às vezes coordenados pelos Estados e às vezes necessariamente administrados pelas empresas transnacionais, entre a comunicação pelos textos e livros, palavra escrita e falada, e a dos computadores e celulares, entre o direito interno e o direito internacional, entre o que é global e o que é doméstico, entre o espaço público e o espaço privado. Disso tudo, resultará algo, alguns vencedores e alguns vencidos, ou, o que seria mais desejável, uma simbiose, um casamento entre a realidade e o sonho, o possível e o desejável.

O Direito Internacional é o condutor de uma transformação no Direito, que influenciará o Direito interno, assim como este, em troca, influencia o Direito Internacional, quer nas suas instituições, quer na concretização de suas normas, nos diversos foros de discussão e de decisão.

Não há nítida separação entre os sistemas jurídicos, internos e internacional, e dependendo da constituição daqueles, como no caso do Brasil, é fato que um julgamento justo, pelos órgãos jurisdicionais internos, deverá levar em conta o que pensam os tribunais de outros países sobre igual matéria, e mesmo o que já decidiu a Justiça internacional, pelas suas diversas cortes, abrangendo os direitos humanos, o direito dos Estados, o direito das empresas etc.

Este é um mundo novo a ser descoberto. Os professores antigamente diziam com propriedade, que eram da área do direito público ou da área do direito privado, hoje, não sei se é possível ter tanta certeza, apesar da separação das matérias e dos princípios específicos por elas empregados, em cada campo.

Eu, por exemplo, dou aulas de Direito Internacional (gosto sempre de utilizar as letras maiúsculas, para bem observar a importância da matéria), mas vejo-me a cada momento, envolto em questões do Direito interno, em suas diversas áreas, todas influenciadas pelo Direito Internacional.

Conclusão: sou professor de Direito, e isto me basta e abre um campo de exploração acadêmica e jurídica de dimensões não previstas! Se pudesse, acho que reiniciaria os meus estudos de Direito, desde o primeiro ano! Quero entender e absorver as falas e pensamentos daqueles que vivem o dia a dia do Direito.

Vou tateando, com os meus óculos escuros e minha bengala branca, não enxergo quase nada do Direito; para ver se reconheço o contorno de algumas de suas clássicas colunas. Será que ainda existem, ou estou andando em círculos, em um pátio aberto e amplo?

Peço ajuda. Os caminhos do Direito aí estão e todos nós – um bando de cegos – precisamos nos dar as mãos sem preconceito.

Caminhar, a única possibilidade!

quinta-feira, novembro 28, 2024

Em nome da humanidade, ditadores sosseguem!

 


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

O Secretário da ONU disse uma única frase, que resume bem o que estamos passando e que serve para as situações em que vivemos no mundo atual: “Em nome da humanidade, Presidente Putin, regresse com suas tropas para a Rússia”

Tal frase poderia ser estendida a outros, que só pensam na guerra, como forma de afirmar direitos: “Em nome da humanidade, regressem com suas tropas e foguetes para a base de onde saíram”

E neste quadro, se enquadram vários ditadores, presidentes e primeiros-ministros atuais: “Em nome da humanidade, voltem com suas tropas de mil ou dez mil homens, e drones, e foguetes, e deixem que se encarquilhem e apodreçam nos depósitos de suas indústrias bélicas”

Fascistas, direitistas, amantes das armas, e outros mais à esquerda ou à direita, voltem-se para si mesmos e busquem no fundo de seus espíritos, alguma razão para viver assim; matar e morrer, e apenas ter – é provável - a satisfação de se olharem no espelho e narcisicamente, falarem: “Somos poderosos!”

E alguns, na perseguição aos considerados diferentes, afirmam, que estrangeiros comem cachorros e gatos (nos EUA, em Portugal, e quiçá em outros lugares – as bobagens pegam) e todos que estão ouvindo acreditam e até votam – enquanto houver eleições - para que tais divulgadores de falsas notícias alcancem o poder.

Alimentar exércitos, encerar e alisar as armas, tratar bem das balas, posicionar canhões e bombas, e erguer altares de adoração para a guerra, essas são as programações dos que não querem saber da Democracia.

E, ainda querem criar, no Brasil, escolas cívicos-militares, para ensinar a marchar e a obedecer, com a administração dos alunos feita por militares aposentados!

Um mundo cada vez mais fechado em cavernas primitivas do inconsciente!

Por que será que não gostam de literatura, filosofia, poesia, arte, estudo e diálogo?

Pensar, faz mal.

Deixem a humanidade progredir!


quarta-feira, novembro 20, 2024

Uma vitória da diplomacia brasileira

 



Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado


Aqui vamos escrever despreocupadamente, das regras formais da Língua portuguesa e da comunicação científica, porque dentro de nós grita apenas a comunicação de um momento interpretativo da realidade. Se tal interpretação é de regozijo ingênuo, não importa: escrevemos para amigos, entre amigos, mas conscientes de que críticas poderão acontecer e serão bem-vindas, se pautarem pelo combate das ideias.

Lembramos sempre da frase do poeta “A esquerda e a direita não são mais questões centrais”. Diríamos, pelo menos, que não deveriam ser mais questões centrais, diante de um mundo que necessita urgentemente combater a fome, os desastres do clima, a ignorância, o terrorismo, a soberania absoluta dos Estados mais fortes no capital e nas forças militares, o deslocamento em massa de populações inteiras por causa da guerra e da falta de condições humanitárias.

Queiram ou não, os da chamada direita esquizofrênica e radical – existem alguns líderes assim, na América do Norte, na América do Sul, na Europa e no Oriente – independentemente de ser tida como uma pauta de esquerda (o que não concordamos, pelo seu teor), tivemos uma vitória diplomática inquestionável, com o G-20, ainda que o mundo passe pelo desassossego de ver para 2025 subindo no palco internacional lideranças que não entendem o ser humano como peça principal da política e da sociedade internacional.

Necessitamos urgentemente, enquanto é tempo, afirmar que os territórios de um Estado, sobre os quais vive um povo acostumado ao dia a dia de suas vidas, não pode ser invadido, bombardeado, assombrado por mísseis, conquistado e destruído, eliminando velhos, mulheres, crianças, em nome de uma supremacia política.

Necessitamos, urgentemente, enquanto é tempo, dizer que o mundo está cada vez mais repleto de pessoas passando fome, sem o mínimo de higiene, de água potável, de saúde.

Necessitamos, urgentemente, enquanto é tempo, dizer que no mundo as florestas estão sendo derribadas, os rios e mares poluídos, a atmosfera tomada pela degeneração de seus elementos básicos, os terremotos acontecendo, os furacões e tsunamis dançando sobre os mares e sobre as terras, provocados pelo homem.

Necessitamos, urgentemente, enquanto é tempo, dizer que a ignorância e a falta de escolas e de educação estão fazendo da raça humana uma sub-raça, dominada pelo medo, pelas necessidades físicas, pela escuridão psicológica, como animais em constante movimentação no planeta, em busca de alimento e de paz. Nômades do século XXI, cruzando mares, montanhas, rios, sem planejamento, sem permanência, sem identidade, marginalizados do progresso econômico e tecnológico.

Somente a inteligência diplomática pode salvar o planeta, e isso minimamente ficou demonstrado pelo Brasil, ao propor uma “Aliança Global contra a fome e a pobreza”, a que aderiram, querendo ou não, ainda que formalmente, Estados de várias concepções ideológicas, das Américas, da Europa e do Oriente.

Foi mais um simbolismo, é verdade, ainda sem efetividade prática, que, por certo, a partir do ano vindouro, sofrerá ataques do radicalismo cego, daqueles que só pensam no domínio econômico e militar, mas balizou e desenhou na história, uma posição desapegada, um grito de confiança no equilíbrio do poder e no futuro da humanidade.

Vai ter sucesso a formulação principiológica proposta? Provavelmente, não do modo esperado, mas uma semente foi plantada, que poderá germinar!

E isso tudo se deve, à Diplomacia brasileira, que voltou aos velhos tempos de habilidade e diálogo, construindo consensos, dentro das opiniões antagônicas.

Não há ufanismo, mas a Diplomacia brasileira tem tudo para reafirmar o legado do Barão do Rio Branco.

O horizonte pode estar escuro, no entanto uma luz difusa se apresenta ao seu final e, quem sabe, será possível fazer com que ela se alargue e ilumine cada vez mais!

Cremos. É o único caminho que nos resta!

sexta-feira, novembro 08, 2024

As crises pelas quais passamos no mundo atual

 



Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

Em nossos estudos acadêmicos, necessitamos mais do que ler, observar o que está por trás da leitura, mais do que isso, observar o mundo ao redor, que é a leitura da realidade. Reconhecer que o Direito está em crise: crise do Estado, crise do sistema jurídico internacional, crise do ser humano, crise nas empresas, crise no trabalho, é o primeiro passo.

O Estado soberano não tem mais o poder absoluto de ditar normas e de administrar o seu próprio território, porque os ventos da vida internacional ultrapassam suas fronteiras, quer pela ação humana, quer pela ação dos Estados mais poderosos e que estabelecem as regras – principalmente econômicas – e que movimentam a vida em sociedade, quer pela ação das empresas transnacionais, multinacionais e globais, quer pelas novas relações de trabalho, envolvendo empregados, não-empregados e autônomos, quer pela revolta da própria natureza, que em face da atividade humana de poluição do ar e do mar, e pela destruição das florestas, cria condições desastrosas de sobrevivência, que o Estado não tem mecanismos administrativos eficientes para resolver.

O Estado – membro da sociedade internacional – em crise, provoca a crise desta própria sociedade e do direito que a ampara. Há, pois, uma crise do sistema jurídico internacional, estabelecido a partir de 1945, com a instituição da Organização das Nações Unidas. A ONU conseguiu resolver o mundo pós-guerra, estabelecendo a paz, e um sistema que buscou a segurança internacional, com um órgão forte e ativo, o Conselho de Segurança, composto pelos EUA, França, Grã-Bretanha, Rússia e China, países estes que possuem o poder de veto. No entanto, já de algum tempo, este órgão não funciona mais, porquanto os países estão divididos, EUA, França e Grã-Bretanha, de um lado, Rússia e China, de outro. Os princípios básicos do ordenamento jurídico internacional, igualdade entre Estados e soberania absoluta destes, revelam-se abaladas.

Por outro lado, há um sistema jurídico internacional de natureza privada, posto que as regras decorrentes do capitalismo, das empresas e do mercado, impingem aos Estados e às pessoas um caminho, quase único, nas relações internacionais. Em outras palavras, os Estados e os organismos internacionais por eles criados se veem obrigados a considerar as atividades empresariais privadas, em virtude dos interesses econômicos.

A crise do ser humano e das empresas é sentida na mudança sensível que se processa no mundo internacional. O ser humano não é mais somente o beneficiário das normas internacionais de direitos humanos, mas é também responsável por seus atos internacionais, podendo ser considerado agente de crime internacional e, como tal, ser processado e julgado pelo Tribunal Penal Internacional – TPI, ainda dentro do sistema clássico dos Estados soberanos. Será que funciona?

Por sua vez, as empresas, ganharam, também “status” de sujeitos de Direito Internacional, porque atuam na vida internacional, independentemente dos Estados, e, portanto, podem ser responsabilizadas na área internacional. Além do que, estabelecem o perfil e conteúdo do que se convencionou chamar de “mercado”: o mercado nacional, o mercado regional e o mercado internacional. Tendo em vista a importância do “mercado”, na modernidade, acontece um fenômeno sociopsicológico, porque, atualmente parece que o mercado tem individualidade (“o mercado está triste”; “o mercado está nervoso”), e o indivíduo desaparece, como uma simples peça dessa engrenagem.

Tudo se reflete no trabalho, com vínculo ou não. Tradicionalmente o trabalho era o subordinado, com carteira assinada, e toda uma gama de valores pessoais, familiares e profissionais giravam em torno desse fato. O labor se desenvolvia dentro das paredes da empresa, e a empresa situava-se no território do Estado. Havia uma cultura histórica da empresa, para aqueles que quisessem pertencer aos seus quadros; não são poucos os casos em que o funcionário admitido tinha uma semana de palestras sobre a empresa, como esta nasceu, como se desenvolveu, quais foram seus líderes etc. Hoje tal cultura se dilui, desapareceu. O funcionário não necessita mais do encontro físico nas dependências da empresa, nem esta se situa em algum lugar específico, porque pode virtualmente estar em todos os lugares, até na própria casa de seu funcionário. A regra é “anywhere office”, trabalhe em qualquer lugar, em qualquer horário, com qualquer roupa; apenas produza. Quando possível, torne-se um cooperador autônomo, com mais vantagens pessoais do que ser um empregado; seja um empreendedor e tenha o seu próprio negócio.

Com tudo isso, vem a revolução tecnológica, o mundo cibernético, com normas próprias e de comunicação. Os relacionamentos mudam de natureza, olho no olho da tela, da máquina, do computador, do celular.

É interessante como alunos de um curso se apresentam – quando se apresentam! – numa classe de aula, sem caderno, sem livro, sem caneta, sem lápis, só com o iPad e os olhos voltados para o celular. Quando há uma prova escrita – o que é raro e sob protestos – sempre com a possibilidade de consulta tecnológica, nem é preciso o professor se preocupar com eventual cola de um companheiro pelo outro, porque colar já não é um caminho de malandragem, para uma nota razoável, confia-se mais no computador e não no colega, que poderia ter estudado a matéria. É o mundo virtual que se tornou, de vez, o mundo real: namora-se vitualmente, comunica-se virtualmente, tem-se milhares de “amigos”, no mundo virtual. A vida não é a das estrelas, da Lua, das montanhas, dos rios, dos mares, do sol, das praias, das ruas, dos cafés, dos encontros. A vida se apresenta nas telas. A visibilidade das pessoas ali se encontra; não estar em alguma tela, e não ser apontado nas comunicações tecnológicas, é não existir: só existo se pertencer ao grupo tecnológico, sem ele não tenho olhos, não tenho pernas, não tenho braços, não tenho coração, não tenho personalidade.

O mundo está em crise!


quarta-feira, outubro 09, 2024

Uma guerra no território brasileiro

 


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado


Hezbolah, Ramás, Putin, Netanyahu, Gaza, Líbano, Irã.  Milhares de pessoas mortas, soldados, civis, velhos, mulheres, crianças, escolas e hospitais destruídos, artefatos de guerra caindo sobre as cabeças, balas nos peitos, cérebros em desfazimento, sopas de sangue, pele e ossos, e quem não morre fica incapacitado para a vida. Um cenário de total destruição!

E aqui, é diferente?

Milhares já morreram no Rio de Janeiro e em São Paulo, e em algumas cidades e capitais do Nordeste, grupos terroristas de bandidos contra grupos terroristas de bandidos, e o Estado resolveu entrar na guerra, Netanyahus e Putins no comando do poder: crime contra crime, “olho por olho, dente por dente”. Não se pensa em escola, em saneamento básico, em livros, em professores, em civilidade. Só temos milícias, militâncias, relações militarizadas, armas aprovadas e difundidas, para os membros bem situados da sociedade civil, mas desaprovadas para os membros da periferia, que não se intimidam e furtam e roubam armamentos do exército e das polícias, e dos “cidadãos de bem”, já que não conseguem armas pelos meios legais. A legalidade da posse e a ilegalidade da posse de armas, e um único objetivo: matar.

É inquestionável, estamos em guerra interna de uma sociedade doente divorciada do governo.

Por que será que bandidos e governantes pensam como bandidos? Qual a diferença? Nós, do Estado, não seguimos a lei, como eles também não a seguem.

Governar – pensamento antigo – é fazer obras e combater com força total e liberdade dos “agentes da lei”, para lutar contra o crime, nem que para tanto tenham que atirar a torto e a esmo, acertando o núcleo da ação do meliante, ainda que inocentes estejam por perto. Contingência. É a vida! Na guerra, também morrem inocentes. Contingência. É a vida!

O que se pode esperar de um planejamento governamental que incentiva as armas e deplora os livros e os grandes escritores, pensadores e pedagogos, como aqueles que ousaram contrariar a lógica do poder? Nada, a não ser a continuação da guerra, a formação de um submundo social e a formação de futuros bandidos, estejam cobertos por capuzes ou que airosamente se mostrem orgulhosos de suas posições sociais.

Temos os nossos Hezbolahs, Ramás, Putins, Netanyahus, Gazas, Líbanos e Irãs, estão todos aqui, travestidos de civilização organizada, terra do samba e do pandeiro, do futebol e das praias, da bondade e da religião!

Das eleições democráticas podem sair vitoriosos, os que têm discursos de ódio e de domínio, para manter o quadro de organização aparente, de superficial obediência à Constituição e às leis, e de ataques às instituições; de desobediência, enfim, ao Estado Democrático de Direito. Com isso, produzem-se novos líderes e se influenciam novas gerações educando-as para a permanência do pensamento fantasista, de que “uns nasceram bons, para o bem, para mandar, e outros para a escória e marginalização social”. “Não dar pérolas aos porcos”, a estes, só cascas de banana.

A quem interessa a manutenção dos porcos?

A cegueira dos que andam aprumados, não faz com que percebam que sua condição de tiflose endêmica alimenta as sombras dos esfarrapados, que sempre os ameaça numa guerra social sem tréguas, e sem objetivo.

A ilusão da aparência social do progresso, é em si, a gestação do caos. Não há verdadeiro progresso, quando o corpo e o espírito de todos que vivem no território, não estiverem devidamente nutridos.

O número de mortos no Brasil, corpos desfeitos e espíritos dissolvidos pela química da incompreensão e do desamor, é bem maior do que as guerras que acontecem no Oriente médio e nas placas do continente euroasiático, porque permanentes no tempo e no espaço, como células cancerosas, que se multiplicam em todo tecido social. Os governantes, médicos políticos, não avançam na ciência do tratamento social, porque querem manter o hospital repleto de doentes.

Temos a nossa própria Gaza e a nossa própria Ucrânia.

Até quando?! 


terça-feira, setembro 17, 2024

Tempestade na ordem jurídica – Construção de bancos de areia. O mar e a montanha se confundem, e tudo parece real!

 



Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito internacional Público e Privado


Os ditadores não respeitam nada, nem a própria ordem jurídica interna nem a ordem internacional. A lei Maior de um país, quando democraticamente posta, e os tratados e convenções internacionais não representam qualquer responsabilidade para aqueles que só pensam no poder.

A liberdade de falar e de agir, contrária às mínimas regras de convivência, estabelecidas, não pode ser maior do que os princípios e normas constitucionais, ou pode?

Quadrinhos do Calvin:

- Sua professora disse que você precisa dedicar mais tempo ao dever de casa.

- Mais tempo? Eu já gasto dez minutos todinhos nele! Dez minutos desperdiçados ralo abaixo!

- Você escreveu aqui 8 + 4 = 7? Isto está errado e você sabe disso.

- Tá eu arredondei um pouco, me processa então.

- Você não pode somar dois números e acabar com menos do que começou.

- Posso, sim! Este é um país livre! Eu tenho meus direitos!” (grifos nossos).

 

No Brasil vivemos assim: tenho direitos de falar e agir, como eu quiser, mesmo contrariando a ordem natural, material ou jurídica das coisas. “Me processe quem discordar”

Há necessidade de explicar o óbvio; que não se pode agir e falar o que se quer, a qualquer hora, e impor a própria vontade contra decisões coletivas, fazendo pouco caso da sociedade, e buscando não pagar o preço da responsabilidade de agir assim? (...mas há os querem anistia, por tentarem dar um golpe de Estado, rasgarem a Constituição, destituírem o governo, planejarem mortes, derrubarem e estraçalharem o patrimônio público, e sabe-se lá o que mais)!

Faz-me lembrar o personagem Fabiano de Vidas Secas, de Graciliano Ramos, que preso no cárcere, por pouca coisa, viu-se obrigado a obedecer a um “soldado amarelo”, que o empurrou para o cárcere e nele bateu, com o auxílio de outros (covardes sempre agem em grupo), só porque ele não soube responder o que lhe perguntara. Somos todos fabianos diante dos governos despóticos, que vomitam as próprias razões e se acham donos da verdade.

A Venezuela é comandada por um ditador (não tenho medo da palavra, não sou diplomata, nem represento o Estado), que manda no Parlamento e no Judiciário interno, escudado pela força militar.

Há, também, os que buscam dominar povos e nações por intermédio do capital, apoiados pelos interesses de grupos que justificam a desobediência civil só para manterem a posição econômica, e pior, atacam quem decide, qualificando-o como ditador e criminoso!! Quem espera ditar as normas pelo poder do dinheiro e pratica o crime? Afinal, desobedecer a normas constitucionais e infraconstitucionais, é permitido para alguns e proibido para outros? Os que são influenciadores e têm dinheiro podem fazê-lo, o resto do povo, não?

Em relação ao domínio de grupos econômicos, a única saída é a manutenção da ordem pública, a ordem do Estado, que, no caso do Brasil, ainda que não seja perfeita, foi democraticamente estabelecida e não se baseia na vontade de um homem ou de um grupo ou partido, o que vem garantido por eleições regulares.

Em relação à Venezuela – que não é simplesmente um regime “desagradável” – ficou clara a ditadura em que vive, cuja origem, da esquerda ou da direita, não tem o condão de justificá-la, porque os ditadores deixam de lado suas eventuais origens ideológicas, religiosas ou filosóficas para concretizarem uma satisfação estritamente pessoal, esquizofrênica, egoística e psicótica.

Voltando a pensar no Brasil, que alívio vivermos em regime democrático, que admite todas as falas e ações, mas não pode admitir tais ações e falas que busquem acabar com a própria democracia.

Injustificável! “Dou a você todo direito de ir contra mim, incluindo a arma que ponho na sua mão para me matar...!!” Não, não! Derrubar a ordem jurídica, queimar livros, eleger mitos e inimigos da pátria, apontar bruxas, chamar juristas para justificar interpretações estapafúrdias e direcionadas da Constituição, e fazer discursos elegendo um inimigo, porque ele usa toga e decide (bem ou mal), dentro da competência que lhe dá a Lei Maior, é a motivação dos que ignoram qualquer relação social, com base na lei e qualquer possibilidade de progresso democrático (Ditadura a exerce quem tem nas mãos a arma e o poder, não quem interpreta a lei e exige o seu cumprimento, que se errar nessa interpretação, pode ser combatido por caminhos processuais postos na própria ordem jurídica, e não por discursos inflamados).

O mundo passa por uma tempestade de dominadores e repressores, que se instalam em quase todos os países, protegidos pelas regras democráticas, de que podem falar e agir abertamente (direito de falar e agir), tentando derrubar a própria ordem jurídica!   

Quem é o verdadeiro repressor? O que após um processo regular decide ou o que busca impor sua vontade pelas redes sociais a favor de interesses particulares?

Há uma linha tênue entre liberdade e libertinagem, entre decisão oficial e decisões particulares, entre praticar atos a favor da sociedade e praticar atos a favor de grupos de interesse.

A responsabilidade é de todos pelos próprios atos. Alguns desses atos, vindos a lume pelos que estão no poder do Estado, se contrários ao sistema jurídico, podem ser combatidos pelos meios legais; outros, no entanto, que se utilizam de todos os meios de divulgação para fundamentá-los e influenciar os poderes paralelos do Estado, se obtiverem sucesso no seu intento, ficarão à margem de qualquer regra.

Lembro o artigo 3º. Da Constituição Federal:

Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” E para completar, nas relações privadas que ultrapassam as fronteiras do Estado, há o vetusto e esquecido artigo 17 da LINDB: “As leis, atos e sentenças de outros país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.

É uma luta insana. Quem aparece em vídeos dançando, sorrindo, correndo atrás de pombas, fazendo pouco caso da ordem jurídica, e circundado de uma áurea de vencedor, está certo de possuir o domínio da opinião pública. E, talvez o possua, porque vivemos no mundo das redes sociais.

Bem, esta é uma opinião minha, posta na ODIP, que está livre para todas as divergências. Claro, posso estar errado e admito as divergências. Convido a todos a pensar, ou podem dizer, como deu a entender o Calvin: o resultado da minha soma é aquele que eu quero, e não o que diz a Aritmética!