segunda-feira, janeiro 29, 2024

Viagem ensimesmada por Portugal

 


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado.

 

Para os amigos da ODIP,

 

O andar pelas ruas é tudo. Ver as pessoas, os prédios, os automóveis, os pássaros, as árvores, e sentir que tudo é muito maior que a tecnologia e o algoritmo, e contém todos os segredos da vida e toda não-estudada matemática do universo, mas o computador e o celular se desfizeram do ser humano e seguem numa caminhada insana para o domínio do mundo. Só a interioridade nos salva!

Arremedos de versos em que arrisco alguns comentários...

 

 

Fernando Pessoa

 

Sem a loucura o que é o homem

Mais que a besta sadia,

Cadáver adiado que procria?” (Da Mensagem)

 

A imaginação, a criatividade, o lugar incomum, as imagens não refletidas e esquadrinhadas, a surpresa ao se dobrar uma esquina:

- Como vai?

- Há quanto tempo!

- O tempo passa em anos, em séculos e é como se fosse ontem.

- Uma ruga a mais.

- Morremos ou desmaiamos?

- A esquina não foi dobrada. Apenas as calçadas de pedrinhas portuguesas, uma após outra, encaixadas e os velhinhos com suas bengalas vão esquecidos da vida.

 

Quão breve o tempo é a mais longa vida.” (Odes)

 

Viver um segundo pela eternidade.

 

Meu coração é um almirante louco

Que abandonou a profissão do mar.” (Ah, um soneto)

 

O oceano continua em vagas enormes de dez a doze metros, mesmo na cadeira do quarto.

 

Que angústia me enlaça?

Que amor não se explica?

É a vela que passa

Na noite que fica.” (Canção)

 

Temos uma paisagem e um horizonte contido nas dobras do cérebro.

 

O poeta é um fingidor.

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente.

 

E os que lêem o que escreve.

Na dor lida sentem bem,

Não as duas que ele teve,

Mas só a que eles têm.

 

E assim nas calhas de roda

Gira a entreter a razão,

Esse comboio de corda

Que se chama coração.” (Autopsicografia)

 

Metafísica na física do mundo.

 

Há metafísica bastante em não pensar em nada.” (O guardador de rebanhos)

 

Não pensar, olhar, sentir e ouvir os rumos do silêncio. Saímos do Direito Internacional? Mas o Direito é apenas uma criação! Entremos...

quarta-feira, janeiro 17, 2024

Migalhas Odipianas

 


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

Como a razoabilidade não salva nenhum dos nossos governantes, aqui e acolá – Ditadura na Venezuela e na Rússia, um Israel não bíblico e cristão, uma Argentina incógnita e reacionária, um Equador em convulsão, o narcotráfico se expandindo cada vez mais, as mudanças climáticas extremas provocadas pelos governantes que só querem saber do lucro e do domínio e o uso indiscriminado e incentivado de armas (apesar das convenções internacionais contrárias) - amigos da ODIP, arrisco-me a postar algumas frases e versos, para começar o Ano e tirar a aspereza da política, da vida e do Direito internacional: quem quiser acreditar que o mundo pode ser melhor a começar pelo uso coerente das ideias e das palavras, eis aqui, um arremedo de receita.

 

 

Lutar com as palavras

É a luta mais vã

Entanto lutamos

Mal rompe a manhã.” (Drummond)

 

Sozinhando” (de sozinho – Mia Couto), olho a chuva fina riscando o tempo.

 

Não é segurando as asas que se ajuda um pássaro a voar. O pássaro voa simplesmente porque o deixam ser pássaro. Foi assim que falou o Tio Aproximado. E depois partiu, engolido pelo escuro.” (Mia Couto em “Antes de nascer o mundo”)

 

ele, em dado momento se eclipsou” (Mia Couto em “Antes de nascer o mundo”)

 

- Lá andava fazendo o quê? Cavando buracos no vazio.” (Mia Couto em “Antes de nascer o mundo”)

 

E, então, duvidei: será que ele queria eternizar o instante? Ou usufruiu a felicidade de haver porta e de poder fechar atrás de si?” (Mia Couto em “Antes de nascer o mundo”)

 

Essa pupila está cheia de noite.” (Mia Couto em “Antes de nascer o mundo”)

 

Se depois de eu morrer quiserem escrever a minha biografia. Não há nada mais simples. Tenho só duas datas – a da minha nascença e a da minha morte. Entre uma e outra cousa todos os dias são meus.” (Alberto Caeiro – um dos heterônimos de Pessoa)

 

Nenhuma palavra

alcança o mundo, eu sei.

Ainda assim, escrevo.” (Mia Couto – Poema da despedida)

 

Começo a reconhecer-me. Não existo. Sou um intervalo entre o que desejo ser e o que os outros me fizeram.” (Álvaro de Campos – um dos heterônimos de Pessoa)

 

Se cada dia cai,

dentro de cada noite,

há um poço

onde a claridade está presa.

 

Há que sentar-se na beira

do poço da sombra

e pescar a lua caída

com paciência.” (Pablo Neruda – Cada dia cai)

 

E a tarde morre sonolenta e fria

Como morreste de saudade e mágoas

E a lua triste como a Nostalgia

Chora na branca quietação das águas.” (Edgar da Mata – A garça)

 

E quando vires esbatida e turva

Tremer a alvura dos cabelos meus

Irás pensando pelo seu caminho

Que essa pobre cabeça de velhinho

É um lenço branco te dizendo adeus!” (Guilherme de Almeida – sonetos)

 

Eu faço versos como quem chora

De desalento... de desencanto...

Fecha o meu livro, se por agora

Não tens motivo nenhum de pranto.

 

Meu verso é sangue. Volúpia ardente

Tristeza esparsa...remorso vão...

Dói-me nas veias. Amargo e quente,

Cai gota a gota, do coração.

 

“E nestes versos de angústia rouca

Assim dos lábios a vida corre,

Deixando um acre sabor na boca,

- Eu faço versos como quem morre.” Manuel Bandeira – Desencanto).

 

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

muda-se o ser, muda-se a confiança;

todo o Mundo é composto de mudança,

tomando sempre novas qualidades.

 

Continuamente temos novidades,

diferentes em tudo da esperança;

do mal ficam as mágoas na lembrança,

e do bem (se algum houve), as saudades.

 

O tempo cobre o chão de verde manto,

que já coberto foi de neve fria,

e, enfim, converte em choro o doce canto.

 

E, afora este mudar-se a cada dia,

outra mudança faz de mor espanto,

que não se muda já como soía.” (Soneto de Luiz de Camões)

 

Não conto nada na reta, escrevo sempre nas linhas tortas, como digo aliás num poema. Na minha poesia parece que tem muita coisa de fora, mas é tudo de dentro. Sou muito preparado em conflitos.” (Manoel de Barros – Pensamentos)

 

Quando o português chegou

Debaixo de uma bruta chuva

Vestiu o índio

Que pena!

Fosse uma manhã de sol

O índio tinha despido

O português.

 

Amigos, estudiosos e sérios acadêmicos, nossa ODIP necessita, como tudo, de árvores, de luz, de água, de leveza. Só assim para entender em profundidade as desinteligências do mundo. O Direito é um caminho, a arte, a poesia e a ironia, outros caminhos. Podemos misturar tudo e ver no que vai dar!

 

terça-feira, janeiro 09, 2024

8.1.2023


 

Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

O título tem que ser este, simples, único, cabalístico, horrendo, golpista, draconiano, troglodita, rodeado de espíritos primitivos, corporificado por bestas-feras, incompreensível, de olhos sanguinolentos, espúrio, purulento, lúgubre, plúmbeo, jurássico, maligno, rançoso, rancoroso.

Data em que se associaram os mais comezinhos ingredientes antidemocráticos, populista, radicais, que fizeram de homens e mulheres (cidadãos?), animais que buscaram proclamar nova república, pelo tacape, pela arma, pelas pedras, pelos tijolos, pelos ferros, gritando palavras de ordem, de morte, de enforcamento. Um Brasil desconhecido – ou sempre existiu? – insano, psicopata, de instinto assassino.

E não se
trata da falsa argumentação de que devemos deixar de lado a polarização, esquerda ou direita. Não. Não há esquerda ou direita que justifique os fatos acontecidos.

A Direita ou a Esquerda?

A derrubada dos símbolos, das instituições, dos prédios, por meio violento, desinteligente, não é apanágio só dos reacionários e direitistas, a chamada esquerda, no passado, já fez assim, de algum modo. É o absurdo dos que entendem ter razão, sem qualquer juízo, sem qualquer equilíbrio, utilizando o povo como gado, como massa de manobra, desrespeitosamente.

Não discutiram ideias, só arreganharam os dentes como “pitbulls” enfurecidos e tresloucados. Dá para acreditar, minimamente, em seus argumentos?

E existem editoriais de jornais que afirmam que o processo jurídico de busca dos culpados e dos financiadores do lamentável evento deve ser esquecido! Esquecer como? E se tivessem vencido, destruindo os poderes do Estado? Estaríamos diante de uma ditadura inconsequente, com muitas mortes, sacrifícios, escravizações, enforcamentos, um subcomandante em cada Poder, obediente a um comando único, visionário e idolatrado; sem Justiça, –ou com juízes subservientes aos vencedores– substituindo a toga pela espada! Sem Parlamento – ou legisladores subservientes, prontos a aprovarem a disseminação das armas e a morte dos direitos individuais e coletivos -, e a criação de medalhas e cargos e loas e faixas e tapetes dourados e tronos para os donos do Poder!

Não discutiram ideias, não desfilaram argumentos, não tiveram qualquer diálogo, que pudesse influir em uma próxima eleição, porque não desejavam eleições: só queriam o Poder, destituir os eleitos, quebrar as regras, zombar das instituições.

Na lembrança do dia 8.1.2023, em Brasília, - presentes o Executivo, o Judiciário, o Legislativo - todos, absolutamente todos os governadores e políticos, deveriam comparecer, para demonstrar aos que pensam que o Brasil pode agir como uma republiqueta sul-americana (de esquerda ou de direita, tanto faz), que não há mais espaço para bravatas e palavras de ordem e gritos de revolução e gritos de golpe. Vamos entrar, de vez, na Era da Democracia, do diálogo e da inteligência.

A falta de afirmação dos valores democráticos e de dizer: estou presente para defender as instituições, é uma polarização indireta e que alimenta as polarizações diretas, tão criticadas.

Não se propõe apoiar o Presidente da República – Fulano de Tal -, mas a preservação das instituições, porque a pessoa que exerce ou venha a exercer o cargo de Presidente, como outros cargos no cenário nacional, tem que sentir que deve agir de acordo com a Constituição Federal, e não de acordo com os seus desejos particulares.

Falta “grandeza”, em geral, nos espíritos públicos.

Falta, no geral, a visão dos estadistas, que pensam no povo, e que representam o Estado.

Falta a nobreza daqueles que ao chegarem ao Poder cumprem uma missão pacificadora e de construção.

Não consigo entender pessoas do Direito polarizadas, quando se trata do cumprimento do sistema jurídico! As posições políticas sobre o mundo e a sociedade veem antes do estabelecimento da ordem jurídica, salvo se esta ordem é desordem ou é a ordem de um só – aí continuamos na política. Se a Democracia está estabelecida e existe o funcionamento das instituições, a visão político-administrativa, deve ser apenas uma forma de melhor administrar o Estado, por exemplo, mais presença do Estado nas coisas públicas, mais privatizações, mais transferências para o particular de nichos do poder, mais assunção do Estado em matéria de saúde, segurança e de ensino, mais prestígio às empresas, mais proteção aos trabalhadores, melhor distribuição de renda (tudo, porém, com vistas ao bem-comum): são visões possíveis, dentro de um Estado Democrático de Direito.

Enquanto as eleições, os partidos políticos, os políticos em geral se divorciarem do que a sociedade necessita, continuaremos a ser pequenos, um “gigante adormecido, numa terra liliputiana”.

Antes tivéssemos, simplesmente, em uma polarização de ideias; o que temos é um egoísmo das ideias; o outro não existe, os outros não existem. O povo... ora o povo, porque, como gostam de dizer, há os que nasceram para servir e há os que nasceram para mandar e usufruir.

Todos nascemos livres com iguais direitos.

Como é difícil a Democracia!