A “Limpeza da Chaminé”
Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito internacional
da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional
Público e Privado
O pensamento voa e é liberto dentro de seu próprio espaço,
dentro de sua própria cela. Daí justificarem-se os atos. Crer em uma revolução
ou em um golpe, é crer nas próprias razões, cujo espaço não vai além da ponta
do próprio nariz do crente.
A loucura está encastelada nas dobras do cérebro, como um
verme que se nutre da imaginação, e contamina outros cérebros, a ponto de todos
se entenderem sãos!
Em pleno Século XXI vamos à procura dessa doença
civilizatória: o desequilíbrio mental ou psicose paranóide. Tantas cabeças nelas
habitaram e continuam a habitar! Atingem artistas, escritores, poetas,
governantes; aqueles três primeiros as transformam em seus efeitos e fazem
pensar ou sentir; os últimos, os governantes, espalham o mal de tal forma e com
tal força, como células cancerígenas, atingindo os centros do poder, desde os
menores poderosos (o porteiro de um edifício público, o guarda da esquina), até
o Presidente da República; e não há meios de cura: passa geração e vem geração,
e todos estão inoculados, com a miopia do poder, alimentada pela doença mental.
Lembro de Lou Salomé[1],
psicanalista que buscou remédio para os males de seu amigo Nietzche[2],
com o Dr. Breur[3]: O
suicídio poderia ser o único caminho, porquanto a incompreensão social
penetrava nas células e átomos do filósofo, que não via solução para a
incompreensão e para a injustiça.[4]
Somos todos um pouco Nietzche, e a falta de lógica do mundo
nos atemoriza e nos faz padecer e pensar em suicídio social, isto é,
desaparecer para o mundo, sair do palco das relações sociais, como Gretas
Garbos[5],
sem que nos salve a hipnose e o mesmerismo[6],
talvez uma boa conversa, um bom diálogo; mas com quem trocar ideias para que se
faça a “limpeza de chaminé”; tirar as ideias e os sentimentos de desespero e
vitimizadores, para reverter as perspectivas, ainda mais, quando são informadas
por ações coletivas?
Haveria um psicanalista de grupos e de multidões, que pudesse
evitar o aparecimento de Hitler? Os hitleristas não morrem, apenas adormecem,
ou desmaiam, e, possivelmente acordam quando a ocasião se fizer propícia.
Breur ou médicos equivalentes sociais (não há medicina
psiquiátrica social que limpe a chaminé coletiva?), mas não teriam quaisquer
possibilidades de sucesso, diante de um Goebbels[7]
ou propagandista inoculado de “fake News” favoráveis às psicoses delirantes.
Estamos vivendo o fenômeno da multiplicação dos “Goebbels”. Fenômeno biológico?
A humanidade está necessitada de uma Lou Salomé, que busque fazer a ponte
necessária entre o paciente social, o impaciente dominador e os homens e
mulheres de boa vontade.
Atolados na massa informe do inconsciente, nos movemos de
forma automática, informados mais pelas impressões do que pela análise e pelo
raciocínio, e o que vem do fundo da alma (sem referências religiosas para esta
expressão) assoma o dia a dia das nossas relações, e nos encaixamos em
propósitos indecifráveis, levados por palavras de ordem, sem base na realidade
visível. E, com isso, construímos a vida, na certeza de que o que vemos e
sentimos é o que realmente há no horizonte.
Fica o aviso: não estamos curados. As doenças adormeceram em
nós e se encapsularam. Que cada um faça a “limpeza de sua própria chaminé”
[1] Lou
Adreas Salomé, psicanalista, filósofa, poetiza, ensaísta russa, seguidora de
Freud e amada, dizem, de Nietzche.
[2] Friedrich
Wihelm Nietzche, filósofo prussiano (Alemanha), escreveu várias obras, a
exemplo de “Assim falou Zaratustra”, “Deus está Morto”, “O Anticristo”, e
outras.
[3] Josef
Breur, psicanalista austríaco, criador do método catártico, utilizado por
Freud, a partir do qual as patologias psíquicas da histeria poderiam ser
tratadas.
[4] Do
livro “Quando Nietzche Chorou”, de Irvin D. Yalom, tradução de Ivo Korytowski,
Editora Harper Collins, Rio de Janeiro, 2017.
[5] Greta
Lovisa Gustafsson Garbo, atriz sueca, naturalizada norte-americana, que apesar
de estar no auge da fama afastou-se da vida pública, levando vida reclusa.
[6] Franz
Anton Mesmer, médico alemão que criou o conceito de magnetismo animal,
utilizando também da hipnose para o tratamento e cura de doenças em seres
humanos.
[7]
Joseph Goebbels, ministro da propaganda nazista.