Carlos
Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/Sp e um dos
coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Público e Privado
Viktor E. Frankl, professor de Neurologia e Psiquiatria na
Universidade de Viena e professor de Logoterapia na Universidade Internacional
da Califórnia, viveu no campo de concentração de Auschwitz e conta no seu livro
“Em busca de sentido” (Editora Vozes, 54ª. Edição), os horrores passados em tal
lugar na Segunda Guerra Mundial, em que se perdeu total e completamente o
sentido da vida.
Não se tem noção na atualidade, apesar dos relatos da guerra,
o que os judeus verdadeiramente passaram, o que pode ser estendido mais
recentemente aos iugoslavos (croatas, montenegrinos, sérvios e outros), que
também viveram em campos de concentração, lá pelos anos de 1990.
Em outras palavras, o ser humano parece não melhorar e
continua enfiado na sua própria caverna de convicções arraigadas, religiosas,
ideológicas, filosóficas, como se recebesse tábuas de salvação para uma pequena
parte da humanidade, aquela que professa iguais princípios e a mesma irracional
fé.
Assim dizemos, porque o mundo continua à deriva,
principalmente nos dias de hoje, em que os nazistas, quase nunca com esse nome,
começam a dominar a política e os meios de comunicação.
Não será difícil concluir pela possibilidade de termos
eventos que repitam as mesmas situações descritas no referido livro, se cada
país e seu respectivo povo não atentarem para os caminhos traçados nas
comunicações oficiais e oficiosas, principalmente pelo que está posto nas
entrelinhas, nas palavras fantasiosas, nas frases de efeito que gritam pela
liberdade individual no intuito de favorecerem os próprios desígnios de domínio
coletivista.
Não é de estranhar que os que estudaram Direito e chegaram
nos postos maiores da República possam justificar perseguições políticas e
cooperar para enviar para as cadeias (masmorras modernas) os contrários ao
regime instalado no poder.
Não é de estranhar que os que estudaram Medicina possam
justificar medidas de saúde contrárias à maioria do povo, porque toda ciência
fica a reboque das motivações do domínio político e de interesses econômicos
escusos.
Não é de estranhar que a Diplomacia, apesar de oferecer
estudos aprofundados de relacionamento entre as nações e de técnicas de
aproximação dos contrários e de boa convivência, também possibilite que alguns
poucos, mas que alcançam as posições de poder, fundamentem ações diversas que
contradizem “in totum” o que aprenderam nos bancos da academia.
Não é de estranhar que os que se dedicam à Educação esqueçam
a pedagogia e a psicologia educacional e disseminem visões estúpidas e
diversificadas do próprio ser humano, concretizando as diferenças e exaltando
opiniões de domínio de uma raça, de uma ideologia, de uma religião, de um sexo,
e auxiliem em tais propósitos.
Não é de estranhar que os que dominam as ciências econômicas
e deveriam se preocupar com a melhoria da vida, todavia, em nome de um bem
genérico do povo, seus administrados, aceitem encher as “burras” do governo,
com desvio do dinheiro público, e busquem a compra de votos e do favorecimento
de classes específicas de trabalhadores e de órgãos pertencentes a
Administração direta ou indireta, para a manutenção do grupo no poder.
Não é de estranhar que os que devem voltar seus olhos e seu
raciocínio para a defesa do meio ambiente façam o possível para destruí-lo, em
desproveito dos seres humanos que respiram, comem e vivem da preservação das
florestas, da água e do ar.
Nada disso é de estranhar, se pensarmos que a humanidade
pouco ou quase nada progrediu, em termos sociais, embora tecnologicamente tenha
avançado nos laboratórios e nas máquinas.
Frankl descreve fatos que não se justificam aos olhos do mais
simples dos seres humanos, e por óbvio, não se justificam (ou não deveriam ter
qualquer justificativa) aos olhos daquele que dominam um campo do saber.
“Enquanto ainda esperamos pelo chuveiro, experimentamos
integralmente a nudez: agora nada mais temos senão o nosso corpo nua e crua...
(...) Assim como a maioria de seus companheiros, o prisioneiro está ´vestido`
de farrapos tais, que a seu lado um espantalho teria ares de elegância. Entre
as barracas, no campo de concentração, tanto mais se entra em contato com a lama.
É justamente o recém-internado que costuma ser destacado para grupos de
trabalho nos quais terá que se ocupar com a limpeza das latrinas, eliminação de
excrementos etc. Quando esses são transportados sobre o terreno acidentado,
geralmente não escapamos de levar uns respingos do líquido abjeto; qualquer
gesto que revele uma tentativa de limpar o rosto, com certeza provocará uma
bordoada do capo, que se irrita com a excessiva sensibilidade do trabalhador.”
... (...) “...ao ver um menino de uns doze anos, para o qual não mais havia
calçados no campo e que por isso fora obrigado a ficar por horas a fio de pés
descalços na neve, prestando serviços externos durante o dia. Os dedos dos pés
do menino estão crestados de frio e o médico do ambulatório arranca com a pinça
os tocos necróticos e enegrecidos de suas articulações”...(...)...um
acaba de morrer...(...) Fico observando como um companheiro depois do outro se
aproxima do cadáver ainda quente; um lhe surrupia o resto de batatas encardidas
do almoço; outro verifica que os tamancos do cadáver ainda estão um pouco
melhores que os seus próprios; um terceiro tira o paletó do morto; outro,
afinal, ainda fica contente por surrupiar um barbante de verdade – imagine.
Fico olhando apático. Finalmente dou-me um empurrão e me animo a convencer o
´enfermeiro` a levar o corpo para fora do barracão (um balcão de chão batido).
Quando ele resolveu fazê-lo, pega o cadáver pelas pernas, roçando-o em direção
ao estreito corredor entre as duas fileiras de tábuas à esquerda e à direita,
sobre as quais estão deitados os cinquenta enfermos acometidos de febre, para
então arrastá-lo pelo chão acidentado até chegar à porta do barracão. Dali sobe
dois degraus para fora, em direção ao ar livre – o que já é um problema para
nós, debilitados pela fome crônica. Sem o auxílio das mãos, sem nos puxarmos
para cima segurando nos postes, todos nós, que já estamos há meses no campo, há
muito não conseguimos mais levantar o próprio peso do corpo somente com a força
das pernas, para vencer dois degraus de vinte centímetros. Agora o homem chega
até lá com o cadáver. Com muito esforço ele se alça primeiro, depois o morto:
primeiro as pernas, depois o tronco, finalmente o crânio, que dá lúgubres
pancadas nos degraus. Logo em seguida é trazido o barril com a sopa, que é
distribuída e avidamente servida. O meu lugar fica em frente à porta do outro
lado da barraca, próximo da única janelinha, um pouco acima do solo. Minhas
mãos geladas aconchegam-se à vasilha quente da sopa. Enquanto sorvo o seu
conteúdo sofregamente, por acaso dou uma espiada para fora da janela. Lá está o
cadáver recém-tirado do barracão, a fitar a janela de olhos esbugalhados. Há
apenas duas horas eu estava conversando com esse companheiro.”O ser humano envolvido na política e no poder, por vezes, perde-se
como pessoa, e o ser humano que sofre as consequências de estar no grupo dos
perdedores também perde a qualidade de ser humano. O que passam a representar?
Nada.
As árvores, os pássaros, os animais em geral parecem usufruir
de algo a mais.
Não podemos chegar nisso de novo. É preciso pensar, pensar,
pensar e não nos envolvermos em palavras de ordem. Muito equilíbrio e muita
calma e o que precisamos, ou viraremos cadáveres putrefeitos ao lado da sopa
servida ou, o que é pior, trogloditas insensíveis a determinar castigos para os
que não seguem as ordens do poder, bem como a escolher os que devem morrer.
O mundo pode não ser para os fracos, mas também, não é para
os idiotas.
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