terça-feira, agosto 08, 2023

A inculta cultura digital - ou “Eu, o Robô”

 


                           “A educação é um ato de amor, por isso, um ato

                                    de coragem. Não pode temer o debate.”

                                                                                                  Paulo Freire

 

 

Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

Livros para a Educação de São Paulo, não são mais necessários?

O material digital – tão importante para o mundo moderno – passaria a ser em São Paulo, em um primeiro momento, o único para a formação dos alunos, pela Secretaria da Educação e para o atual governador do Estado, uma vez dispensados os livros fornecidos pelo Ministério da Educação e Cultura.

É inacreditável. Encaminharemos para o sucateamento do ensino e da cultura, com o único objetivo de ter o domínio de um pensamento único e de uma visão ideológica do mundo, visto que, mesmo admitidos os livros, eles serão escolhidos e inseridos no mundo digital.

A UNESCO da Organização das Nações Unidas, voltada para a Ciência e Educação, recomenda o uso da tecnologia como complemento a outras estratégias de ensino, nas salas de aula, e não como meio único e principal, o que aliás se tem lógico, justo, equilibrado e sensato, para a divulgação do ensino e da cultura. Afinal, a sociedade é múltipla, diversa, composta de raças, religiões e culturas diferentes.

A escolha de texto, autores, livros, pelas Escolas e pelos professores, e a possibilidade de ampla pesquisa pelos alunos, é a única forma democrática, consciente e legítima de transmissão da realidade social e de difusão da história, da poesia, do romance, da geografia, do pensamento, da compreensão analítica dos textos; necessária reflexão sobre o que está escrito, e, portanto, a concretização do efetivo progresso, além da garantia da liberdade de ensino, de cátedra e de aprendizado.

O computador, a internet, o celular, as aulas, com “power point” são recursos, assim como o papel, a caneta, o lápis, tudo, enfim, que o professor pode utilizar, como instrumental para a maior compreensão do que é transmitido.

Por outro lado, ainda que se admita o material digital – nunca como único – é necessário garantir a sua diversificação de fontes e de pensamentos, e o atingimento de todas as camadas da população, porquanto, se assim não ocorrer, será o domínio de um único entendimento sobre o mundo viável, sobre a administração e sobre a sociedade, para uma elite eventual. Deve-se perguntar, portanto, se o material digital que pode vir a ser imposto, sem consulta a professores, atingirá todos os estabelecimentos de ensino e todos os alunos indistintamente, independentemente da classe social. E o que fará parte do conteúdo desse material? Haverá abertura total para o mundo, ou haverá um direcionamento?

Em plena Era Moderna, séc. XXI, caminhamos cada vez mais no exercício do poder de poucos, sobre a grande maioria. Não haverá efetivo progresso, não existirá efetivo espírito público; somente o pensamento egoísta, raquítico e cego na manutenção das benesses socioeconômicas de grupos privilegiados.

A tecnologia e a formação digital são fundamentais, desde que o estudante possa avaliar, de forma criteriosa, os textos que serão inseridos no meio digital, sem obrigatoriedade e determinismo de uma só via filosófica, diga-se, nem da direita nem da esquerda.

Do modo, pelo qual está sendo resolvida a questão nessa área; uma guinada radicalizada para o mundo digital, afastando-se, pura e simplesmente, os livros e os pensadores, para desenhar apenas um caminho de divulgação, acabará por implicar em direcionamento filosófico-político, de efetivo retrocesso social.

Noticia a imprensa, que o Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, recomendou o uso da tecnologia como complemento, e com base nesse programa o MEC comprou livros didáticos para todas as escolas públicas do País, não sem antes a devida avaliação.

O que move, efetivamente, a administração do Estado? Infelizmente a desconfiança dos motivos, nos deixa cismados, tendo em vista as diversas manifestações e atos administrativos, em todos os setores, contra os direitos humanos, a favor das armas, das escolas militares, das elites, e outros, que se revelam divorciados do povo.

O material digital divorciado dos livros é um Alzheimer educacional, um transtorno neurodegenerativo digital, progressivo, que deve e pode ser evitado.