Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional
da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional
Público e Privado
A corrupção do Estado e do agente do Estado, na corrupção
total dos relacionamentos (esta expressão é nossa), é, segundo Fernando Calderón
Manuel Castells, “um traço sistêmico da América Latina do século XXI”[1].
Em sua análise serve-se de dados da Transparência Internacional para explicar
que países como Chile, Costa Rica e Uruguai apresentam nível baixo de corrupção,
o que significaria que nos demais o nível de corrupção é maior. Interessante a avaliação
que segue a esses dados, ao observar: O Chile teve a ditadura de Pinochet, que
estabeleceu um Estado semipredador e que se apropriou de benefícios e recursos
públicos, em benefício do ditador e de seus seguidores mas, como reação, a
partir de 1990 teve restabelecida a Democracia e instaurada a institucionalidade
na magistratura e o profissionalismo na administração pública.
O segredo da possível estabilidade pareceu estar na
manutenção do mercado – este não poderia ser abandonado - centrado na
exportação e no prestígio aos direitos
humanos, - que com Pinochet não existiam – aumento salarial acordado com os
sindicatos e a criação de uma rede de segurança em educação – mais livros e
professores, e não o contrário, a inserção tecnológica e digital, de textos sem
conteúdo educacional válido, repleto de erros históricos, geográficos e filosóficos
(como vimos, recentemente acontecer, sabe-se lá de onde foram tirados!), bem
como política de saúde e de aposentadoria.[2]
Poderíamos ir por caminho similar, sem radicalismos
ideológicos, mas consagrando – aí sim, de forma extremada – a Democracia, as
eleições, a cultura, a diversidade de ideias, o ensino para a vida civil
(entendemos que a vida militar, necessária e imprescindível para a defesa da
nação, está dentro do propósito maior da sociedade civil), a ciência, o
incentivo à pesquisa em todos os campos, a literatura e a todas as formas de
arte e de esporte.
É inacreditável – permita-nos a dúvida do momento - a chamada dança dos ministérios nos governos
que se formam! Os ministros de um presidente devem auxiliá-lo nas áreas técnicas
em que o chefe de executivo não tem obrigação de conhecer – basta ser ele o
líder do governo -, como na educação, na economia, no trabalho, no esporte, na
saúde, na indústria e comércio, nas relações exteriores e outras, e não serem,
como hoje são, moedas de trocas para prestigiar partidos políticos e pessoas,
que velada ou abertamente, possam ameaçar a votação de um projeto para o bem
público, se não tiverem partes do poder (o Presidente da República, seja ele
quem for, não pode ser refém de interesses menores). Onde se encontra a
República nessa forma de agir? Onde está a preocupação com o povo, nisso?
Claro que o diálogo com todos os partidos e com todos os
políticos é fundamental à medida do que efetivamente representam para a sociedade.
É o que realmente acontece, na atualidade?
A corrupção é um caminho natural em tais questões: corrupção
ampla, que leva em conta os nichos do poder, da influência, do mando
predatório. E quem disse que o civil é errado pelos caminhos que toma na condução
da coisa pública, e o que possui a legalidade do uso das armas e dos uniformes
não erram, nos mesmos caminhos? A questão toda se insere na educação para a
vida social? Todos podem serem corrompidos, se não tomarem cuidado com as
próprias ações.
Tais considerações não importam em afastamento de nossa
crença particular de que as instituições estão corretas e que aqueles que as
ocupam são, em geral, dignos de as ocuparem. O Brasil é maior do que todos, e
só haverá possibilidade de progresso enquanto acreditarmos na ordem jurídica
posta, como ora posta, com os princípios inseridos na Lei Maior de 1988.
A falsa questão dos direitos humanos versus combate aos “bandidos
e vagabundos” nos leva, no mínimo, a erros de percepção administrativa ou a
corrupção política. Não se termina com a “bandidagem” matando; mata-se um grupo
de bandidos e outros se criam na mesma proporção, e às vezes com mais força.
Direitos humanos são de todas as pessoas e não de classes específicas; devem
ser a espinha dorsal da sociedade, a base de seu Direito, a argamassa do seu
edifício, a coluna de sua sustentação (aliás está na Constituição Federal). Boa
parte dos chamados “bandidos” e drogados ou passadores de drogas, foram criados
em condições injustas, sem oportunidade, sem ensino, sem família, sem emprego,
sem comida. Há os que, apesar de terem tudo, se desviam do caminho, mas
certamente não são a maioria do contingente dos marginalizados.
Por que não reconhecer que a nossa sociedade é essencialmente
injusta e antidemocrática? Talvez, para manutenção do poder: os privilegiados,
não querem dialogar nunca, só querem reprimir os que ameaçam, de algum modo
seus refúgios. Os “bandidos” no fundo pensam de igual modo, querem seus
retiros, seus remansos, suas edículas, seus nichos de domínio e para isso
buscam assaltar, matar, obter coisas: transformam-se em comunidades paralelas,
com os seus próprios poderes, Executivo (o líder manda), Legislativo (as regras
criadas pelo grupo devem ser obedecidas, sob pena de morte) e Judiciário (o
julgamento é por um tribunal “ad hoc”, com juízes formados pela ordem jurídica
da facção). Estados paralelos, dentro do Estado oficial, tudo por causa da
corrupção intrínseca de agentes estatais, que cegos não enxergam o mal que
fazem.
Os “bandidos” são criados por nós, que depois sofremos e
gritamos porque nos encontramos nas mãos deles!
Que tal começarmos a agir de acordo com a Constituição
Federal, com as leis infraconstitucionais e, quando estivermos em algum lugar
do poder, na família, na empresa, no Estado, praticarmos o bem; não há
necessidade de que seja o bem de Cristo, ou do bem de Buda, ou de qualquer
outro avatar iluminado, mas simplesmente o do bom senso: a liberdade de falar e
de ouvir, de argumentar e de raciocinar, de viver individual e coletivamente. A
simplicidade de respirar, olhar, viver!
A corrupção do Estado é a corrupção dos nossos valores; a
corrupção de todos nós. Menos livros, menos professores, mais armas, mais
dinheiro, mais medalhas, mais panegíricos aos que nos dominam e menos
raciocínio e humildade; em assim sendo, dúvidas não existirão: continuaremos a
ser apenas o país do futuro.
Quando virá?