Carlos Roberto Husek
Professor de Direito internacional da PUC/SP
Um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado
Sobre o Barão do Rio Branco disse Levi Carneiro: “A mais
alta das razões para que ainda o evoquemos é, porém, a de que, entre
brasileiros, nenhuma outra vida de homem público merece mais ser rememorada.
Por seu devotamento ao Brasil, por sua normalidade, por sua continuidade
lógica, por sua coerência, por sua beleza. Nenhuma improvisação aventurosa.
Nenhum milagre, ainda que ocorressem algumas circunstâncias felizes. Um esforço
continuado, tenacíssimo, de todas as horas, ininterrupto, por longos e longos
anos – afinal bem recompensado. Nenhum resquício de filhotismo, de parasitismo
doméstico.”[1]
Notícia: A Ordem Nacional de Rio Branco, é uma comenda que o
presidente atribui a personalidades, pelos serviços prestados ao país e/ou por
seus méritos excepcionais, e o Presidente da República – se a notícia não for
falsa – entregou a referida comenda, dentre outros, aos filhos Flávio e Eduardo
Bolsonaro. Que análise devemos fazer desse ato?
Vamos a outro assunto, intrinsecamente ligado a este:
Proposta de autoria do Senador Davi Alcolumbre permite que
parlamentar ocupe embaixada sem deixar mandato” Notícia do Jornal “O Estado de
S. Paulo” de 22.10.2021.
E certo, que o Presidente da República, ao ser eleito, no
caso do Brasil, planeja o seu governo e escolhe os seus ministros e
colaboradores, que têm como primeiro requisito ser de confiança do presidente
embora outros requisitos sejam necessários, como capacidade técnica, não ser
corrupto, conhecer a área que assume e, de preferência, ter caminhado a sua
vida profissional, de algum modo, na área a que foi indicado para ser ministro.
E, ainda que existam casos de algum sucesso de ministros
apartados de sua área de origem profissional, e de estudos, é fato que causaria
natural estranheza um médico na pasta da Justiça ou um pedagogo na pasta
economia ou, ainda, um psiquiatra na pasta da agricultura, mas tudo é possível
se o requisito não é técnico, e sim, político.
Aqueles que se saíram bem, sem que possuíssem os requisitos
técnicos necessários, provavelmente revelaram-se equilibrados e se cercaram de
pessoas conhecedoras dos respectivos campos. Para o bem ou para o mal, é certo que na
história da república os escolhidos para ocupar um cargo ministerial, em geral,
além da confiança do ocupante do cargo presidencial também se mostraram, na
maioria das vezes, habilitados para o exercício das funções.
Entretanto, apesar de legalmente possível, surpreendemo-nos
com eventuais indicações para missões diplomáticas permanentes, de pessoas fora
da carreira diplomática. Daí vieram indicados, pelo governo “da troca de
benefícios”, alguns nomes, como, por exemplo, Marcelo Crivella, bispo da Igreja
Universal, que felizmente não foi aprovado, ou mesmo de um dos filhos do
Presidente, e outros, nenhum deles ligado à carreira diplomática.
Agora, os fatos tendem a piorar, ainda mais, as bases
institucionais. Os donos do poder, e a barganha, a pechincha, a trapaça, o
ludíbrio, a tramoia, fontes inesgotáveis de preservação das próprias áreas de
influência e de domínio, sob a capa da legalidade, estão obscurecendo o horizonte de nossa combalida democracia.
A proposta de Emenda à Constituição (PEC) endossada por
líderes do governo Jair Bolsonaro e pela cúpula do Senado, amplia e concretiza
a indicação pelo Presidente da República de embaixadores, sem que, aqueles
venham a ser indicados, parlamentares favoráveis à política governamental,
necessitem deixar de lado o mandato parlamentar! Como é possível pensar em tal
ardil? Parece que a imaginação dos que não querem um país progressista, liberal,
democrático e apostam no reacionarismo totalitário, no afastamento do povo, na
centralização das decisões, nos nichos encastelados do poder, está mais uma vez
vencendo os princípios e as regras constitucionais.
Disse o proponente que “é uma afronta ao bom senso e à
razoabilidade que o parlamentar federal possa ocupar o cargo de ministro das
Relações Exteriores, sem perder o seu mandato, e não possa ocupar o cargo de
chefe de missão diplomática de caráter permanente.” No entanto, esqueceu-se
o senador que os ministros do presidente, como os secretários de um governo
estadual e como os secretários de governo municipal preenchem cargos de
confiança do chefe do Executivo, e este pode indicar quem bem entender – embora
entendamos que a indicação deveria ter o fator técnico, como fator
preponderante, para o bem do Estado (e não para o bem do governo).
Assim, continuamos a entender que o ministro das Relações
Exteriores, deva ser de confiança do Presidente, dentre tantos da carreira
diplomática, e não outro, completamente alheio a tal carreira. Todavia, este é
um outro ponto de discussão. Agora, o
que se pretende com a indigitada PEC, é muito pior, é que a indicação dos
embaixadores possa ser moeda de troca, dos favoráveis àquele que ocupar o
Palácio do Planalto, dando uma banana para toda Diplomacia.
Triste. Muito triste, se pensarmos que, aqueles que se
dedicam à Diplomacia, são obrigados a estudar os diversos campos da vida
internacional, conhecer de economia, direito internacional, política
internacional, linguagem diplomática, organizações econômicas internacionais,
organizações de direitos humanos, funcionamento da justiça internacional e devem
estar preparados para o trabalho burocrático e para o diálogo com os diversos
povos, aptos à comunicação em inglês, francês, espanhol (saber ler, escrever,
falar, interpretar) e outras que se ensinam no Instituto Rio Branco (chinês,
árabe, russo).
Além de tudo, também mostrarem-se afetos às técnicas de
negociação e possuírem razoável conhecimento da história da política externa,
das linhas do pensamento diplomático ao longo da história, dos filósofos
maiores (Kant, Platão, Aristóteles e outros) e de doutrinadores das relações
internacionais (Rosseau, Aron, Hedley Bull, Morgenthau) e dos meios de solução
pacífica dos conflitos (diplomáticos, jurisdicionais, políticos, coercitivos).
Então, o desastre de indicações meramente políticas, com a conservação da
cadeira no Parlamento, será bem maior.
Sem falarmos no aprendizado de noções de planejamento
diplomático, não só em eventos festivos, mas, sobretudo, nos eventos
internacionais que pedem uma posição do Brasil, como país soberano. A pura e
simples indicação política de um parlamentar, da base do governo, “comandando”
no exterior diplomatas de carreira, é calamitosa, catastrófica, e diz bem do
que hoje é o Brasil na comunidade internacional: um país que não tem grandes
preocupações em ser membro dessa comunidade, ou, mesmo em ter alguma voz ativa
que justifique a sua ambição de pertencer ao Conselho de Segurança da ONU, como
membro permanente.
A Convenção de Viena, de 1961, sobre relações diplomáticas,
com cinquenta e três artigos e apêndices é a bíblia em que rezam os países
civilizados, e deve ser conhecida e estudada. Todos os parlamentares, que
querem continuar usufruindo da condição de parlamentares, sem o menor apreço e
dedicação à chefia de uma missão permanente e das vivências diplomáticas, terão
efetiva condições de representar o Brasil?
Continuamos brincando de administrar o país, somente pela
conversa e pela busca dos interesses de alguns (familiares, amigos,
apaniguados) em detrimento do bem maior.
A Diplomacia deveria ser respeitada e não merece mais este
avanço sub-reptício de concentração do poder.
Aqueles que puderem elevem suas orações, porque no dia a dia,
parece não haver saída!
[1] Haickel. M.P. “O Livro na rua. N.2. Série Diplomacia ao alcance de todos, Biblioteca do Cidadão. Barão do Rio Branco.