quarta-feira, fevereiro 28, 2024

Qual a cor da Democracia?

 


por Carlos Roberto Husek, professor de Direito internacional da PUC/Sp e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado.

 

 

Não sei responder a essa pergunta. Talvez todas as cores; um caleidoscópio. Todas as vivências, todos os pensamentos, todos os diálogos, todas interações, todos os eventos, todas as falas, todos argumentos, todos os votos, todas as instituições, todos artigos da Constituição Federal!

Quem pode se apropriar de algumas cores, comuns a todos?

Quem pode se apropriar da Constituição Federal, para escudo próprio?

Quem pode se apropriar da alma de cada um e da alma coletiva?

A Esquerda, certamente, não.

A Direita, certamente, não.

Tenho certo medo de uma turba, aglomeração que vai e vai e vai e vai e vai e vai, para onde?

Busco não pertencer a grupos disformes, a nenhum grupo, quer ele seja vermelho, amarelo, verde, roxo, mesmo porque, no fundo, no fundo, o grupo é sempre cinza.

Pensar e ponderar, não faz mal a ninguém. Bom, talvez eu esteja errado. O mundo mudou!

Matar e roubar são crimes, sem dúvida; são pecados, em qualquer doutrina religiosa, digna desse nome, sem dúvida, exceção feita se justificáveis. O argumento é tudo.

Não nos parece, no mundo evoluído de hoje, que a substância dos fatos e das coisas são determinantes, porque tem maior valia a forma; sempre foi assim!? O século XXI, não é o “Das Luzes”, mas o é da tecnologia, que socialmente não nos ajudou em nada; só tornou mais célere os mandos e os desmandos. O raciocínio, a percepção dos fatos, a empatia, o sentimento de brandura, a consciência de saber que não se sabe tudo, parece que se desvaneceu no tempo, ou está em latência, na espera de ser redescoberto.

A quem interessa a democratização do ensino?

A quem interessa que os livros falem, por si?

A quem interessa que os privilégios sejam diminuídos e as vantagens igualizadas?

A nossa enfermiça América Latina, não consegue sair de seu estado doentio. Há sempre a necessidade de um caudilho, não importa a ideologia, porquanto no poder, não há bengala branca que consiga desviar dos buracos e não faça tropeçar nas elevações do terreno, e todas as bengalas são iguais.

O sol nos cega. Precisamos de óculos escuros!

Pertencemos, agora e sempre, a uma tribo, e há tribos inimigas por todos os lados.

Quisera poder respirar, falar, olhar, pensar, agir, mas...isso parece cada vez mais distante: a saga colérica dos contrafeitos às suas particulares ideias está pronta sempre para em um golpe certeiro de tacape, fazer esboroar e espalhar-se pelo deserto o cérebro de cada um.

Ao vencedor as batatas!

A civilidade está na aparência. A civilização está nessa civilidade.

É uma tinta! Vamos colorir tudo, de azul, de vermelho, de amarelo, de verde, de laranja. É bom que seja assim; afinal é o que nos une, e é tão pouco, que o Criador, se ainda existe, não ficará admoestado. Tudo é disfarce e fantasia.

 

“De que vale essa cor fingida,

No meu cabelo e no meu rosto,

Se tudo é tinta,

O mundo, a vida,

A felicidade, o desgosto.”           Cecília Meireles.

 

Hoje estou de branco, que pode ser de regozijo, de acordo com nossos costumes ocidentais, como o preto é a vestimenta do júbilo para outros povos.

A relatividade das cores, está em consonância com a relatividade dos sentimentos.

Qual a cor da Democracia?

quinta-feira, fevereiro 15, 2024

O terremoto de 1755 em Lisboa e os terremotos internos da vida

 


por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

  

 

                                                               longe é um lugar que não existe

                                                                                   Fernão Capelo Gaivota

 

 

Primeiro a terra começou a tremer, depois passou a chacoalhar, por fim deu saltos para cima e para baixo, fez caírem os templos e as colunas, as pontes, os prédios, as velas dos altares, as panelas que estavam no fogo, os inflamáveis caseiros e industriais sobre as madeiras das casas, de dois e três andares, que iam ao chão engolidas pelas fendas, e no lugar as labaredas subiam ao céu; e multiplicavam-se os mortos – crianças, velhos, mulheres, pecadores, cristãos e ateus, bons e maus, crentes, religiosos e piedosos, ladrões e fidalgos. O odor de carne queimada e o som dos gritos, pedidos de socorro e de “valha-me Deus” igualavam-se no terror. A terra estava escura e cortada em fendas, de onde saiam línguas rubras, enquanto as pedras das calçadas zumbiam por sobre as cabeças. E, quando tudo parecia estabelecido, o oceano veio irado e sufocante do horizonte, em mais de dez metros de altura, engolindo a tudo e a todos, relampejando e invadindo quilômetros de terra até atingir as mais altas. Essa sinfonia da catástrofe, executada com sons equívocos e estrondos alucinantes sob a pele enrugada e ferida da terra, era agora só escombros e mortes.

E tudo isso não seria visto nem sentido, se não houvesse palavras.

Antes, concomitante e após Lisboa, muitos terremotos aconteceram, e muitos outros acontecerão. Do Norte da África à Escandinávia, o subsolo em ondas, veio avisar que vivemos sobre uma gelatina que pensamos sólida. São Francisco, 1906, e os sismos de 1920, 1927 e 1932, na China, 1930, em Tóquio. A lista seria infindável: 2004 (Oceano índico), 2005 (Sumatra), 2006 (Java), 2007 (Ilhas de Salomão), 2010 (Sumatra), 2010 (Haiti), 2010 (Chile). 2010 (Indonésia), 2011 (Japão), e todos com mais números de morte do que Lisboa! Mas, Lisboa, Lisboa, foi diferente, arruinou uma cultura, uma forma de ser, de enxergar a vida e a religiosidade; tanto assim é que, hoje a Capital portuguesa tem um museu só do “Terramoto” (como eles falam).

E tudo isso, não seria visto nem sentido, se não houvesse palavras.

A natureza imita o ser humano, que imita a natureza, no que é menos científico e estudado e mais humano. Temos muitos terremotos, que a Geografia, a História, a Sismologia, a Ciência explicam, mas não respondem, simplesmente aceitam...é assim.

Temos muitos terremotos internos, que a Psicologia, a Psicanálise, a Biologia, a Religião explicam, mas não respondem, simplesmente aceitam ...é assim.

 

Em quantos destes sismos particulares e solitários escapamos com vida?

 

Às vezes, pequenos terremotos

ocorrem do lado esquerdo do meu peito.

Fora, não se dão conta os desatentos.

Entre a aorta e a omoplata rolam

alquebrados sentimentos.

Entre as vértebras e as costelas

há vários esmagamentos.

Os mais íntimos

Já me viram remexendo escombros.

Em mim há algo imóvel e soterrado,

em permanente assombro.      

                          “Assombro” de Afonso Romano Sant´Anna

 

E o caminho é por tudo um caminhar, e continuar, ação e movimento, como adivinhava Heráclito.

Os governantes não administram a sociedade e não buscam minorar o sofrimento do povo pela educação, pelo trabalho e pelo estudo.

 

O nosso governo interior,

em tudo desgovernado:

ação, reação, ação, reação,

sem raciocínio, sem contemplação.

E os sismos interiores,

em tudo se identificam

com os sismos exteriores:

cismarentos, sismográficos,

ficamos, a maior parte das vezes,

em nossas vitórias e revezes,

apáticos

...é assim.