quarta-feira, dezembro 21, 2022

Um momento natalino (um poema-crônica)



Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP, e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito internacional Público e Privado

 

Introito:

 

Um momento natalino,

                rememorado,

sibilino.

Se Cristo estivesse vivo

ao escrever agora, supus,

             seria crucificado

e morreria na cruz.

 

 

Um rei que não tinha trono,

um rei que não tinha cama,

um rei que não tinha ouro,

um rei que não tinha prata.

 

Envolvido em panos,

        branca espiritualidade,

porém tropas de insanos,

        a cavalos pela cidade,

ordens de Nabucodonosor,

-“Matai todas as crianças”-

será apenas uma rápida dor,

em jogo, o futuro das finanças,

este é o aviso do grande ditador.

 

Mas aí veio o imprevisível,

       nasceu quem não podia,

pelas mãos do invisível,

       numa pobre estrebaria.

 

Um rei que não tinha trono,

um rei que não tinha cama,

um rei que não tinha ouro,

um rei que não tinha prata.

 

E somente com seu sorriso,

     trouxe um natural tesouro,

de perdão e compreensão,

      afastando o mau agouro,

em eclosão.

As mãozinhas delicadas,

          desenhadas de emoção

muitos milagres, muita luz,

palavras, bençãos em profusão,

mas os anos foram passando,

           e em processo viciado,

de mentiras alimentado,

a sentença veio de inopino,

esqueceram-se do menino,

          e o condenaram à cruz.

 

Os soldados de Pilatos,

                      armas do poder,

impingiram-lhe maus-tratos,

   porque se atrevera nascer,

registrando-se como Jesus.

 

E hoje assim vivemos,

o bem e o mal, luta aguerrida,

é o que, por agora temos,

            em nossa curta vida,

mas, ficou para eternidade,

          uma importante lição,

deixemos de lado,

            o poder e a vaidade,

para sermos só coração.

 

                    Feliz Natal para todos da ODIP

sexta-feira, dezembro 16, 2022

As carpideiras

 



Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

 

O Bolsonaro chorou, o Tite chorou, o Neymar chorou, o Lula chorou, o capitão Thiago Silva chorou, o povo chorou... é por isso que choveu como nunca; ruas alagadas, casas destroçadas, pessoas ilhadas. O Brasil chorou e chora, por tudo e por nada.

Estamos na “Era das Carpideiras”, no velório do cadáver da nossa emancipação colonial. Fomos abandonados ao sul do Equador pelos pais lusitanos, que tiraram nossa coberta, nos descobriram e jogaram sobre nós o estigma do nanismo. Desde então, assumimos a nossa posição no mundo, como donos de um vasto território, de índios, florestas, e depois donos de engenho, e depois pretos escravos, e depois de elites dominantes, e depois de favelados e marginalizados, e depois de quintal de outros mais abastados, e depois de sambas e pagodes, e depois de carnavais e praias, e depois de papagaios falantes, e depois de milicianos e de guetos, atemorizados e atemorizantes.

Nós, os bem-sucedidos, não podemos aguentar os outros, drogados e alienados, que buscam roubar nossa paz e, aliás, só nasceram para este desiderato: nos atormentar. E, diante dessa realidade –os bons e os maus– só desejamos uma polícia forte que nos proteja dos direitos humanos que outros reivindicam.

É inacreditável como os índios, pretos, favelados, meninos de rua, famintos, desempregados, drogados, não se conscientizaram do lugar que lhes cabe na civilização colonizada: de meros servidores. Servidores do capital, servidores dos que passam as drogas, servidores dos que vendem as armas!

Há um grupo dominante –nasceram para dominar– e há grupo dominado, que nasceu para servir.

Pode-se lhes dar estudo, mas abririam os seus olhos para as possibilidades de eventuais posições de comando.

Pode-se se lhes dar armas –“povo armado é povo liberto”– mas isso traria o perigo de quererem lutar por eventuais conquistas.

Pode-se lhes dar comida, água potável e luz elétrica, mas isso faria com que quisessem dividir uma fatia do bolo dos benefícios do progresso e os tiraria da natureza para a qual foram criados, de servir e, eventualmente, ficarem com as sobras.

O progresso de igualdade social e cidadania seria, convenhamos, um desastre para a nossa civilização colonizadora.

O melhor será ficarem onde estão: no limbo.

O melhor será continuarmos chorando. Os “nossos maiores” choram, choram, choram, porque a conquista deles é sempre pessoal, nunca coletiva.

Temos sede de mitos e salvadores, de palavras de ordem, de grandes exemplos de homens fortes e de comando, de estátuas e de medalhas, de altares e de velas. Pensar, dividir, cooperar, só entre os “iguais”: bandido com bandido, miliciano com miliciano, rico com rico, religioso com religioso, sem nunca ultrapassar as fronteiras das nossas tribos. Resultado: continuamos matando e morrendo e chorando.

Cada governo que sobe ocupa os mesmos espaços de dominação e busca implantar a sua filosofia, que pode ser contrária ao governo que sai e impõe rumos completamente diferentes. É um revezamento periódico: um constrói sobre os escombros deixados, outro destrói e promove novos escombros. E, com isso, fazemos a festa da posse –choro e samba- e lamentamos o final do governo em choro convulsivo.

Não construímos pontes: apertar as mãos, cumprimentar e cooperar para que o mínimo institucional permaneça como caminho; passar o bastão, cantando o hino nacional e hasteando a bandeira; desejar ao que assume, boa sorte e se pôr à disposição, é impróprio, e impensável para um Brasil que não sabe perder e receber as lições de permanecer e construir.

A paixão nos informar e embota o raciocínio. Vivemos o presente. O passado não deixa rastro, o futuro não existe. Cada líder faz as suas próprias lutas (chora e ri), e nada transmite para as gerações futuras.

Triste se não nos restar outra perspectiva, senão a fala de Machado de Assis, pela boca de Brás Cubas: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria”.

Ainda somos um povo sem alma coletiva.

terça-feira, dezembro 06, 2022

O azinhavre da desconstrução social

 


Por Carlos Roberto Husek, professor de Direito Internacional da PUC/SP e um dos coordenadores da ODIP – Oficina de Direito Internacional Público e Privado

 

A sociedade, com o passar do tempo, e com seus desgovernos, toma uma cor estranha, deixa de ter colorido e passa a criar uma pátina, meio amarronzada, meio cinza, um azinhavre que a encobre e não permite que floresça alguma alegria, quer seja na música, quer no esporte, quer na escrita, porque a força bruta, advinda de ações político-marciais, escurecem o meio ambiente e tingem a tudo de uma certa melancolia.

É duro perder no futebol, de uma seleção inferior. É mais desastroso perder na sociedade a Educação, a Cultura, e aumentar ao extremo a linha de pobreza. É ufanoso vencer. Mais venturosa a comida na mesa do pobre e a cultura e oportunidade para todos.

O Brasil está paupérrimo, embora mais armado; o Brasil passa fome, embora os mais ricos estejam ainda mais ricos; o Brasil está mais frágil e sem esperança, embora mais violento. O Brasil está perdendo de 10 a 0 no jogo da civilização. Afastamo-nos de tudo que possa tornar viável uma civilização nos trópicos; alguns de seus filhos não se cansam de copiar ações e símbolos de uma Alemanha nazista, que deveria ser uma página virada da história; grupos de milicianos ditando palavras de guerra e de ódio, longe –milhas de distância– dos princípios republicanos.

Permita-nos uma licença poética, com Gonçalves Dias:

 

Minha terra tem palmeiras

Onde cantam os sabiás,

As aves que aqui gorjeiam,

Não gorjeiam como lá.

Nossos céus têm mais estrelas,

Nossas várzeas têm mais flores,

Nossos bosques têm mais vida,

Nossa vida mais amores.

 

Sempre fomos pobres, mas não como agora! Tínhamos algum romantismo e esperança.

Sempre namoramos com a violência, mas agora com ela nos casamos!

É possível fazer um Estado Democrático de Direito sem nos preocuparmos com a Educação, com a Cultura, com a Literatura, com a História, com a Antropologia, com as Ciências Sociais, com a Saúde, matérias que fazem o povo pensar, que buscam privilegiar os mais desfavorecidos e ter o progresso social como meta? Todavia, não querem o povo pensando e, sim, que só sigam palavras de ordem.

As universidades e as pesquisas perderam dinheiro e estão à mingua; o que é normal quando não se aprecia o estudo e somente se pensa em armas.

Werner Jaerger, no livro Paidéia, explica: “todo povo que atinge um certo grau de desenvolvimento sente-se naturalmente inclinado à prática da educação. Ela é o princípio por meio do qual a comunidade humana conserva e transmite a sua peculiaridade física e espiritual.[1]

Nas causas da decadência do Estado, como exposto no mesmo livro, diz o autor, pela boca de Platão: “A causa da sua decadência não fora a falta de valentia ou de arte da guerra, como um espartano poderia pensar, mas a sua incultura nas matérias humanas mais importantes. É esta profunda incultura que, hoje como outrora, destrói os Estados e continuará a destruí-los também no futuro.[2]

Há também, em decorrência dessa situação, uma raiva embutida contra a Magistratura, produto desta incultura, em especial contra o Supremo Tribunal Federal, que se manifesta de momentos a momentos, alimentada inconscientemente pelos ataques que há tempos vem sofrendo o Judiciário, por aqueles que estão em cargos do Poder Executivo, o que se explica pelo fato de que os processos contra este Poder são abertos pelos seus desmandos na área da saúde, na área do meio ambiente, na da cultura, na da educação e na dos direitos humanos (diga-se, o Judiciário é provocado, e não abre por sua iniciativa processo nenhum; mas os fanáticos contrários ao Judiciário ignoram isso). Somente se referem aos Ministros do STF com ironia, chamando-os de “semideuses”, por qualquer motivo e por qualquer notícia, sem a mínima análise. Não custa dizer: o STF é o guardião da Constituição Federal e esta impõe limites ao Poder Executivo. Assim, os governos de tendência ditatorial elegem como seus inimigos sempre as Cortes Supremas, que os impedem de governar sem limites, até conseguirem por nas Cortes “ministros amigos”, isto é, calarem o Judiciário e transformá-lo em poder periférico ou aparência de poder.

De qualquer modo, há que se observar que os Ministros que compõem o Supremo Tribunal Federal são indicados pelos Presidentes da República, em seus mandatos, quando a vaga se apresenta, o que deveria fazer dividir a crítica aos magistrados com aqueles que indicam, que continuam na República a se sentirem poderosos e acima das leis.

Não se ouve falar com o mesmo desprezo e sarcasmo de decisões e desmandos do Executivo, ao incentivar o armamento indiscriminado, ao incentivar o descumprimento de regras sobre a saúde advindas da Organização Mundial da Saúde, ao incentivar a discriminação sexual e racial. Existem semideuses no Poder Executivo?

Seja lá como for, é certo que o país é governado pelos três poderes, cada qual dentro de suas esferas, mas o Judiciário, ante os mecanismos existentes na própria Constituição Federal, e falamos do Brasil, não pode ser acusado de atrapalhar o Executivo; no máximo atrapalha a vontade imperial de um governante, independentemente da ideologia ou do partido político deste. Claro que também o Judiciário erra, no entanto existem meios processuais e procedimentais para impedir que uma decisão muita injusta se concretize.

De qualquer modo, o eventual mal funcionamento dos Poderes da República casa-se intrinsecamente com a falta de educação da sociedade, porque dela saem os políticos, os legisladores e os juízes. Neste item não temos nos saído muito bem, porque não se ensina muito o respeito às instituições e à Democracia, bem como, ao direito de cada um limitado no direito do outro.

Existe luz no fim do túnel; é só deixar florir o gênio brasileiro, nas escolas, na cultura, na arte. No jardim dessas áreas (as imagens poéticas me perseguem, quanto mais oprimido me sinto) pode nascer uma árvore frondosa, e nela os ramos que nos levarão ao fruto e à sombra.

Queremos, cada vez mais, juízes independentes, presidentes e governadores estadistas e legisladores preocupados com a causa pública.

TROVA

Quem as suas mágoas canta,

Quando acaso as canta bem

Não canta só suas mágoas,

Canta a de todos também.

                              Mário Quintana

 

 



[1][1][1] Jaerger, Werner. Paidéia – a formação do homem grego. Lugar dos Gregos na história da educação, Marins Fontes, 1995, Tradução de Artur M. Parreira, p.3.

[2] Ibidem, 1328.