Carlos Roberto Husek
A África, o continente pobre, em
grande parte o continente negro, produto exportação para os países
colonizadores, espalhou o ouro humano por diversos cantos da Terra. E por que motivo uns serviram de
escravos e outros de senhores, e por que se concretizou a indecifrável biologia
de passar pelo DNA dos descendentes, a característica da servidão, e
principalmente dos últimos, o vezo da superioridade? Freud, Jung, Lacan,
certamente explicariam, ou quem sabe os antropólogos, historiadores, geógrafos,
Darcy Ribeiro, Gilberto Freire, Milton Santos, Galeano, podem nos dar alguma
ideia? A ciência, a psicologia, a sociologia, a medicina, poderiam definir que,
às vezes, tudo isso não passa de uma organela esférica e alongada do citoplasma
de uma célula eucariótica, informativa de uma condição biológica, perfeitamente
humana e explicável. Somos animais, não há dúvida. Darwin tinha total razão.
Fazemos parte da classe dos mamíferos – a condição vem pelo leite materno –
descendentes de um ancestral comum. Pobres mães, culpadas de tudo! Não pode
ser! O leite materno também azeda? Azedume. Cheiro ácido, picante, acre, de
quem verte pelos poros suas idiossincrasias, pensando em apenas ser.
“Ser ou não ser”, eis a questão! Ser
o quê? Será tratar-se apenas de ideologia? Acho que a questão, embora não tão
simples, deve ser estudada no mundo da ótica, dos espelhos. Há aqueles – todos
nós, possivelmente – que não enxergam o verdadeiro rosto e a verdadeira
natureza. Não o do símio bruto e peludo que se esconde por trás de pele lisa,
mas o do primitivo ser, repleto de pedregulhos depositados no fundo do
inconsciente, lá onde o espírito faz morada e lança na atmosfera do consciente
suas pedras e artefatos para enfrentar o dia a dia. E ninguém compreende! Não
pode compreender mesmo. Agimos todos – voltamos a Freud – por impulso; somos
impulsivos, reativos, e no mais das vezes radioativos. Somos de uma mesma raça,
a humana? O planeta é ainda habitado por bichos, que falam e gesticulam e negam
a existência dos fatos, e que produzem fatos e os negam ou os afirmam, em
simbiose fatídica e miseravelmente animalesca – animal superior, é claro – que
não evolui social e psicologicamente, somente tecnologicamente. A tecnologia é
algo que produzimos, aperfeiçoando as máquinas, a ponto de nos tornamos, aos poucos, parte delas. É
isso, acabei de descobrir, ó aclamados homens da ciência: De hoje em diante,
vamos substituir – já o fazemos – o coração, o fígado, os rins, o pulmão e o
cérebro, por artefatos mecânicos e assim desenvolveremos uma outra raça:
androide, humanoide, e talvez, debiloide!
Os casos acontecem e não se explicam,
e são infindáveis, e são constrangedores, e são, ainda que repetitivos,
inusitados! Contradição? Por que
não podemos ter nossas contradições ao enfrentar as diárias contradições
do animal civilizado? Afinal, sufocar o outro com a perna, o joelho, o próprio
corpo, até matá-lo é perfeitamente, justificável. Xingá-lo, então, é natural.
Dizer que morrer - aos milhares - e com queixas, não é coisa de homem, também é
perfeitamente aceitável, e que a devastação da floresta não contraria a
natureza, é razoável, ou, por fim – reavivemos o tema central – anunciar que o
racismo é importado, tem sua lógica de dominação. E, cá entre nós, é realmente
importado, afinal estamos matando igual aos nossos queridos irmãos
norte-americanos, a quem devemos copiar sempre o bem e o mal, principalmente o
mal, porque um líder é um líder e manda, independente de leis maiores ou
menores. Vivam as armas! Os antigos com tacape na mão, ou o urumi (espada), o
atlatl (da Idade da Pedra), o kakuti (anel de ferro), o lança fogo (para cegar
usando pólvora); por falar em pólvora... deixa pra lá... estavam certos.
Substituindo todas as armas – as de mão são preferidas para que as famílias de
bem se defendam (para quê o Estado, não serve para nada!). O soco inglês é bem
moderno e três ou quatro contra um funciona sempre, e se esse um não tiver a
pele clara, melhor, entretanto, se a pele for alva e a ignorância também, é
aceitável um corretivo (para quê o Estado, não serve para nada!). Estou
enlouquecendo, é verdade. Um mundo moderno é o dos direitos humanos. É dos
direitos humanos? Quando João Ramalho dominava o planalto com uma penca de
mulheres índias, e a principal Bartira, e filhos, e andava nu, e impunha sua
própria lei, tinha lá seus filhos preferidos, que preferiam, assim como o pai,
morder e atacar, foi eleito pelos jesuítas e subgovernadores gerais e demais
autoridades, comandante das terras de Piratininga, capitão do mato, viu-se o
que seria do futuro: o Brasil já estava nu. Nos dobramos, desde aquela época,
aos interesses do momento, olhos tapados – não era o pano da pandemia que tapa
nariz e boca – era pior, porque imprimiu em nosso gene, a ignorância da
dominação. Não vemos, não enxergamos, não ouvimos e as palavras ressoam em
nossos cérebros como oráculos não codificáveis, incapazes que somos de
raciocinar, e as imagens dos fatos chegam aos nossos olhos sob os efeitos de
uma bruma que impede a configuração e o desenho.
A bem da verdade, tudo isso não é novo,
é só triste. Cá como lá, ou alhures, há episódios na “humanidade”, que se os
animais falassem iam dizer: Meu Deus! Heine, nascido às margens do Reno, em
1797, fala pela voz do contratador, em Navio Negreiro:
“Pimenta e
pelas de borracha,
Marfim do
bom e ouro em pó –
Tonéis e
caixas – mas eu acho
A carga
escura bem melhor.”
Seiscentos
negros lá do Níger
Que
barganhei no Senegal;
Tendões de
aço e pele rija,
Tal qual
estátuas de metal.
Troquei por
caixas de birita,
Contas de
vidro e armamento;
Caso a
metade sobreviva,
Hei de
lucrar uns mil por cento.”
E Castro Alves, nascido em 1847, no
sertão baiano, em Vozes da África, já se indignava:
“Deus! Ó Deus! Onde estás que não respondes!
Em que mundo, em qu´estrela tu t´escondes
Embuçado nos céus?
Há dous mil anos te mandei meu
grito,
que embalde, desde então, corre o infinito...
Onde estás, Senhor Deus?
(...)
Cristo! Embalde morreste sobre
um monte...
Teu sangue não lavrou da minha fronte
A mancha original.
Ainda hoje são, por lado adverso,
Meus filhos – alimária do universo.
Eu – pasto
universal.”
Até quando vai ecoar esse grito?
A Constituição Federal, não faz eco?
As convenções internacionais, não
persuadem?
Darwin apenas constatou uma verdade,
mas não nos deu saída?
A culpa é do Darwin.